Na entrada, ainda no passeio, dois homens vestem apenas roupão e um chapéu esquisito, de feltro branco, quase um gorro, ornamento capaz de transformar qualquer um em personagem de uma comédia de quinta categoria ou membro de uma gangue de celerados.
Nada mais é, entretanto, do que o uniforme standard para circular pelo Sanduny, secular casa de banho e sauna de Moscou, atração off-football para os torcedores presentes à cidade para curtir e torcer na Copa do Mundo 2018.
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Dentre os diferenciais do sistema russo, tradição milenar conhecida por banya, está a famosa surra de ervas. O procedimento atrai milhões de entusiastas pelo país, entre eles, o presidente Vladimir Putin. E no caso do Sanduny, o ambiente é puro luxo.
A casa abriu as portas em 1808 e ganhou ares de novidade décadas mais tarde, pelos anos 1890, ao sofrer uma reforma profunda. O cenário foi redesenhado com um mix de estilos, tais como barroco, rococó, gótico etc e os preços realinhados para todos os bolsos.
Desde então, o СандÑнÑ, no alfabeto local, o cirílico, é referência para quem aprecia cozinhar a si mesmo no vapor. A sauna oscila entre 90° e 120° graus e obtém 100% de umidade. Bafo emanado por pedras aquecidas em forno à lenha.
A recepção, um vestiário cinco estrelas, tem divisórias de madeira escura. Há carrinhos de ferro para repousar acepipes, canecas de chá e chope, e as tevês estão sintonizadas em esporte. É uma man’s cave (“cantinho do guerreiro”, na tradução livre do inglês) de tempos imemoriais.
Lá, enquanto alguns traseiros masculinos internacionais são exibidos, o clima é de redenção para quem já passou pela banya, e de mistério e agonia para aqueles que se preparam. Chinelas, roupão e o indefectível chapéu vestidos, é hora de partir para a sudorese.
Os aposentos de banho são requintados, obra de um arquiteto de Viena, o must da época, Boris Freidenberg. A recomendação é tomar uma chuveirada rápida, sem qualquer tipo de produto químico, para não fechar os poros. E aí, rumar para o histórico fornalhão russo.
A primeira impressão, especialmente para quem não é habitué em saunas, é de incapacidade para sobreviver nem mesmo aos cinco minutos de prazo mínimo. Aos poucos, o corpo acostuma e correm dez voltas no ponteiro alojado na recepção do escritório do Mefistófeles.
Chega o segundo desafio, o popular “contraste”. Uma tina com litros de água fria está posicionada estrategicamente, no alto, para o vivente atirar o conteúdo, voluntariamente, contra a própria cabeça, ao puxar uma cordinha.
É o susto. O passo seguinte é invadir um tanque de água gelada. Tamanha é a diferença de temperatura que o impacto não é tão forte quanto pode se imaginar. Mas o fenômeno da passagem do calor para o frio extremos sequestra o indivíduo lentamente.
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Quando já se está na piscina, de estilo romano, circundada por colunas e esculturas e fechada por vitrais no teto, bate a epifania. Durante a flutuação, a sensação é de estar nadando no líquido amniótico, de volta ao lar original, no ventre materno.
A letargia toma conta. Um estado pré-sono, quando se está pescando de frente para a TV, enrolado numa cobertinha. Lembra a reentrada na atmosfera após uma dose de propofol, aquele anestésico que levou o Michael Jackson – quem já fez endoscopia manja.
Numa relax, numa tranquila, numa boa, é hora de encarar o terceiro ato, de coragem, confiança e drenagem linfática. Feita a solicitação, um russo, com cara de russo, do tamanho de um russo, que fala russo, vestido apenas com um calção preto, aparece para desferir a surra de ervas.
De volta à sauna, é preciso deitar sobre o banco de madeira, nu, de costas, sem defesa. Armado com dois ramos de plantas medicinais, o algoz terapêutico parte para a agressão. Com vassouradas ritmadas, cobre todo o corpo. Repete na frente e finaliza o ritual brutal de cura.
A epopeia russa oferece diversas modalidades a preços variados. De um programa convencional de duas horas por R$ 106 (1800 rublos, a moeda local) até o aluguel de uma cabine, por cerca de R$ 300 (5000 rublos) por uma hora. Há ainda um setor exclusivo para mulheres.
Uma chance para sair do roteiro de jogos, fan fests e Praça Vermelha na Copa do Mundo e viver como os russos por um período. Já são mais de 200 anos de glamour, vapor, gelo, surra de ervas e um chapeuzinho patético para não esquentar a cabeça .
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