Alvejado inúmeras vezes por críticas de ex-jogadores e da imprensa estrangeira em diversos momentos desta Copa do Mundo 2018, Neymar ganhou uma apaixonada defesa por parte do jornalista Franklin Foer [confira aqui o texto original], da tradicional revista norte-americana The Atlantic, fundada em Boston, em 1857.
“Esta tem sido uma Copa do Mundo imensamente satisfatória, com mais do que sua parcela de surpresas e gols de última hora. E talvez uma grande Copa do Mundo precise de um vilão para todos se unirem contra.
Ainda assim, em vez de juntar-me a um pânico moral contra Neymar, recomendo apreciar seu espírito de jogo, sua falsidade, até mesmo seu egoísmo — já que Neymar almeja alcançar algo mais do que um resultado; ele quer se provar o digno herdeiro de uma grande tradição”
*Franklin Foer já escreveu para as revistas Slate e New Yorker. Seu livro “Como o futebol explica o mundo: um olhar inesperado sobre a globalização (2004)” é um best seller.
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Leia na íntegra
Há apenas um jogador transcendental restante nesta Copa do Mundo, um jogador a quem os olhos irresistivelmente seguem enquanto se move pelo campo — e, se você alguma vez já o viu, provavelmente o odeia.
Ou, pelo menos, você está sendo treinado para odiá-lo. Neymar da Silva Santos Júnior, do Brasil, é o tipo de ser humano que especialistas em futebol ingleses e americanos, educados no culto do estoicismo viril e propensos a sermões hipócritas sobre fair-play, nasceram para desdenhar.
E, depois de seu desempenho agitado no jogo que derrotou o México na última segunda-feira (2), o ódio por Neymar foi um pouco mais longe do que isso. O jornal brasileiro O Globo publicou a precisa manchete: “Neymar encantou o Brasil, mas irritou o mundo inteiro”.
Bem, o mundo inteiro está errado.
Mas aqui está o que supostamente os irrita: os críticos de Neymar desprezam quando se contorce teatralmente no chão após uma brisa tocar seu pescoço; ridicularizam seus cabelos multiformes, os quais ele remodelou quatro vezes nas últimas duas semanas.
(Para ser justo, ele iniciou a competição parecendo, como alguns observadores notaram, como se tivesse artisticamente colocado um pacote de miojo cru em seu couro cabeludo).
Quando Neymar toca na bola, ele frequentemente ignora o fato de que o campo está repleto de companheiros do mais alto calibre — e isso indicaria que passasse a bola para eles. As palavras que você mais ouve associadas a Neymar são “palhaçadas” e “adolescente”.
Mas esta Copa do Mundo é um momento para admitir o óbvio: o duopólio de Cristiano Ronaldo e Lionel Messi, que tem dominado o jogo global na última década, está no final de sua era.
Neste torneio, tanto Messi,como Ronaldo, desapareceram no jogo de seus países, que girou ao redor deles. Eles pareceram exaustos e desprovidos da criatividade e audácia que definiram suas carreiras. Podemos perdoar isto.
A Copa do Mundo é um espetáculo que testa o corpo, que chega no final de uma longa temporada e acontece no verão, em condições inóspitas para um esporte de resistência como o futebol.
No entanto, Ronaldo e Messi se foram e aqui está Neymar carregando o time agora favorito para vencer a Copa — um time que, ao que tudo aparenta, respeitosamente presta deferência à sua genialidade e sente verdadeiro prazer por seu sucesso.
Contra o México, um de seus chutes desviados foi colocado nas redes por seu companheiro de time, Roberto Firmino. Rompendo com as convenções das comemorações de gols, o time do Brasil correu para abraçar e formar uma pilha sobre Neymar, em vez do cara que marcou o gol.
O mundo pode considerar Neymar mimado, mas seus compatriotas sentem prazer em satisfazê-lo.
Quando Neymar recebe a bola, ele costuma fazer uma pausa antes de começar seu movimento. Ele quer congelar o defensor em seu lugar. Para todos que o assistem, esse momento representa um tipo muito específico de interrogação cinética. Porque quando Neymar toca na bola, tudo é possível.
Ele pode se empenhar em um ataque imprudente a três defensores — e embora falhe com frequência, ocasionalmente ele também prevalecerá. Ele pode tentar um dos muitos truques exibicionistas que inventou, como a lambreta que aplicou sobre um defensor da Costa Rica.
Como o jornalista Tim Vickery, um ótimo explicador do jeito sul-americano de jogar, escreveu: “Neymar não é apenas dotado de habilidades espetaculares com a bola, ele também é extraordinariamente afiado mentalmente. Como Jake LaMotta em Touro Indomável, há momentos em que ele parece ver as coisas em câmera lenta. Enquanto seu marcador está dominado pela velocidade de seus movimentos, ele parece ter tempo de sobra para decidir o que quer fazer”.
Antes da primeira Copa do Mundo de Neymar, em 2014, a Nike produziu um comercial que declarou: “Ouse ser brasileiro”, acenando para a história recente do futebol brasileiro. As expectativas de sucesso pesam muito sobre o Brasil, já que seu sucesso na competição ajudou a definir a identidade da nação.
Depois de ter erguido a Copa do Mundo cinco vezes, pode suportar o fato de que não vence desde 2002. Para recuperar as glórias do passado, o time recorreu repetidamente a treinadores pragmáticos que encheram o time com jogadores que obedientemente trabalharam dentro de um sistema rígido.
Este pragmatismo espremeu o núcleo espiritual do jogo brasileiro, fazendo com que fosse difícil distinguir o time de seus concorrentes.
Neymar, como o comercial da Nike sugeriu, representa o sonho de voltar ao estilo de Pelé, Garrincha e Ronaldo, uma reversão para o que é chamado futebol-arte. Isto é um tanto de pressão para colocar em uma pessoa de 26 anos — pressão não apenas para ter sucesso, mas a expectativa de que seu desempenho o colocará em um cânone de grandeza artística.
Meu palpite é que essa pressão ajuda a explicar porque Neymar às vezes parece estar forçando a barra. Sua esperteza pode parecer mais artificial do que orgânica.
Desfrutar de Neymar requer perdoar as crises de sofrimento exagerado. Primeiro, precisamos considerar seu físico vulnerável. Ele é improvavelmente ligeiro. Quando o joelho de um defensor obstrui o caminho de seu drible, ele é atirado para o ar, depois flutua para o gramado como uma folha.
Em contato com o chão, ele se engajará em rolar conforme sua assinatura. Para alguém com tão pouca massa, é incrível que ele possa girar tantas vezes. Sim, este é o trabalho de um ator amador, o equivalente futebolístico a uma cena de morte que nunca termina.
Este pequeno melodrama pode ser explicado e justificado. Para parar um jogador com a velocidade e imprevisibilidade de Neymar, seus adversários devem recorrer a fazer falta nele. Qualquer um familiarizado com a história do futebol brasileiro sabe que tal agressão pode ser ruinosa. Custou a Copa do Mundo ao Brasil em diversas ocasiões.
Em 1966, os búlgaros atacaram Pelé, forçando-o a perder jogos — e depois os portugueses fizeram o mesmo, quando ele voltou ao time. As mesmas táticas foram usadas contra Neymar na última Copa do Mundo, quando o joelho de um defensor colombiano atingiu Neymar, quebrando uma vértebra em suas costas.
Médicos disseram a Neymar que ele escapou de uma lesão que poderia paralisá-lo, e mantiveram-no imobilizado pelo restante daquela Copa. Há pouca dúvida de que aquela lesão arruinou as esperanças do Brasil de ganhar em 2014, que terminou com a derrota catastrófica por 7 a 1 para a Alemanha.
Fazer faltas em um jogador ardiloso como Neymar talvez seja uma tática compreensível — mas também é compreensível que Neymar utilize todo seu arsenal para chamar atenção às agressões que sofre. Suas reações exageradas são apelos para a intervenção protetora dos árbitros.
O truque de Neymar merece absolvição, porque é a própria fonte de sua grandeza. Uma mente que está sempre pensando em como enganar um defensor também está sempre pensando em como enganar um árbitro. Astúcia é o seu negócio.
Neste sentido, a descrição do “adolescente” se encaixa. Ele é como o adolescente que encontra uma desculpa ardilosa e improvável; ele é Ferris Bueller (personagem de Curtindo a vida adoidado) correndo para casa.
Mas ao contrário de seus oponentes, que desejam infligir dor, seus pecados são essencialmente sem vítima — especialmente desde que o torneio introduziu o VAR (árbitro de vídeo), com suas travessuras constantemente sendo revisadas no replay. (O VAR teria pego Ferris Bueller antes do fim do segundo período).
Esta tem sido uma Copa do Mundo imensamente satisfatória, com mais do que sua parcela de surpresas e gols de última hora. E talvez uma grande Copa do Mundo precise de um vilão para todos se unirem contra.
Ainda assim, em vez de juntar-me a um pânico moral contra Neymar, recomendo apreciar seu espírito de jogo, sua falsidade, até mesmo seu egoísmo — já que Neymar almeja alcançar algo mais do que um resultado; ele quer se provar o digno herdeiro de uma grande tradição.
Tradução: Julio Filho
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