Contratado pelo Coritiba em junho de 2016, o meia Dion Andrade deixou o clube menos de quatro meses depois, sem sequer um jogo com a camisa alviverde. A passagem pelo CT da Graciosa detonou polêmicas e suspeitas sobre negociações entre empresários e clube, num acordo que visava usar o Coxa como ponte para uma transferência de jogadores para o futebol chinês.
Dion chegou ao lado do também veterano e desconhecido Ricardo, envolvido na mesma negociação. O caso deflagrou uma crise interna no Alto da Glória, durante a presidência de Rogério Bacellar.
O Coritiba entrou na mira de uma investigação da Fifa, que proíbe que clubes sejam utilizados somente como pontes para outras transferências. A transação também seria investigada no Conselho de Ética alviverde, mas sem consequências para os envolvidos.
Dion, que ainda se notabilizou por uma foto em que faz careta trajando a camisa do Coxa, fala pela primeira vez sobre o episódio.
“Estou mais fino do que quando cheguei ao Coritiba”
Dion encara o período de pandemia de coronavírus em Marília, interior de São Paulo. Praticamente aposentado dos campos, o meia de 33 anos investe na construção de centros de treinamento. “Hoje estou mais fino que quando cheguei ao Coritiba”, comenta Dion, em entrevista por telefone.
O atleta foi criticado por estar acima do peso quando desembarcou no Alviverde. E se defende explicando que havia acabado de passar por uma cirurgia em um dos joelhos e vinha de um período de inatividade.
“A imprensa e a torcida estavam nos detonando [ele e Ricardo]. Depois que a peteca caiu [a contratação vazou] e todos queriam saber quem a gente era, ninguém mais nos conhecia, nem diretoria, nem empresários. Um empurrava para o outro”, relembra Dion.
Chegada ao Alto da Glória
Reportagem do UOL Esporte em maio de 2017 revelou o tortuoso caminho que levou os veteranos Dion e Ricardo ao Coritiba, apontando a participação do então diretor do clube, Fernando Cabral, e do empresário Luiz Alberto de Oliveira, da LA Sports.
Dion confirma a história. Segundo o jogador, após a ida para a China não se concretizar, Cabral tentou emprestá-lo ao Maringá. Pouco tempo depois, o jogador seria demitido do clube por justa causa e entraria na Justiça pedindo R$ 40 mil de indenização.
“O Fernando Cabral é quem fechava tudo e muita coisa o Bacellar nem sabia. Ele tinha trazido uns três jogadores de clubes menores. O Cabral queria me emprestar para o Maringá e me pagar por fora”, diz Dion. Ligado a Bacellar, Cabral deixaria o clube em janeiro de 2018 após o fim do mandato do presidente.
Reunião no Bourbon e dólares chineses
Segundo Dion, os chineses que investiriam na transação estiveram em Curitiba para negociar. “Eles estiveram em um hotel chique da cidade, o Bourbon, e cresceu o olho de todo mundo. Depois, fomos ao escritório do Luiz Alberto [de Oliveira], que fez a maior propaganda da gente para os chineses”, relata.
Além dele e Ricardo, o atacante Guilherme Parede também faria parte da transação chinesa. O jogador, que hoje defende o Talleres, da Argentina, aparece em fotos da época ao lado de Luiz Alberto, Dion, Ricardo e representantes da China. Os jogadores chegaram a ficar cinco dias no país asiático, diz Dion.
“Teve uma viagem com os chineses para efetuar a negociação. Cada jogador ia levar uma quantia e cada empresário ia tirar em cima disso, mas todo mundo cresceu o olho e não deu certo o combinado”, reforça Dion, que diz que receberia dinheiro na casa dos milhões de reais caso a transferência fosse concretizada.
Ódio nas redes sociais
Dion conta que virou alvo da torcida do Coritiba nas redes sociais após a polêmica passagem pelo clube e chegou a contratar seguranças particulares quando retornou à capital paranaense por causa da ação judicial que movia contra o Coxa.
Dion diz não guardar mágoas. “Eu sou um cara bem de boa. Sou muito tranquilo em relação a tudo isso”, assegura. “Tenho um apartamento, minha filha também, coisas que a bola me deu, não vou ser ingrato. Cheguei a ir para a Europa, mas a verdade é que nunca fui profissional. Se ‘pingasse’ na minha conta fim de mês, estava tranquilo”, admite.
O jogador relembra as saídas noturnas na época de Coxa. “Sempre treinei e cumpri contrato, mas a balada para mim sempre falou mais alto. Aí em Curitiba o bicho pegava, não vou mentir. Eu não ligava para as críticas”, continua.
Possibilidade de jogar
Dion relembra que tinha esperanças de jogar pelo Coritiba. “Eu estava treinando para isso. Tanto que, se conseguíssemos ter condições mínimas de jogar, isso ia nos supervalorizar”, diz.
“A imprensa e torcida nos detonavam, mas nunca nos viram dentro de campo. A gente se garantia. Treinávamos bem. Nos clubes que passei sempre usei as duas pernas, podendo jogar nas duas alas, sempre tive essa facilidade. Na Alemanha e na Romênia foi a mesma coisa”, diz o jogador, que recebia R$ 1 mil em carteira do Coritiba.
“O clube pagou os salários, era baixo na carteira, mais um valor por fora. Também pagou plano de saúde pra mim e pra minha família. A minha ação foi para recuperar valores que eles não quiseram pagar na época e tive que pagar do próprio bolso. Aí fizemos um acordo”, explica.
Carreira obscura
Sites especializados em jogadores de futebol, como Transfermarkt e O Gol, não possuem registros da carreira de Dion. Um vídeo no YouTube, por sua vez, mostra os clubes em que o meia teria atuado. O conteúdo de 3 minutos mostra lances de supostas partidas do jogador, mas sempre com imagens sem nitidez.
Em uma das partidas, o próprio placar do jogo aparece borrado na edição. Bragantino, Santos, Inter de Limeira, Marília, Inter e Borussia M’Gladbach, da Alemanha, aparecem em seu currículo. Em seu Instagram, o atleta também possui fotos com a camisa do Colônia, também da Alemanha.
“Eu também não sei o porquê disso. Até tentei procurar coisas na internet, mas não achei. Não sei o motivo. Não tem muita coisa”, resume.
Outro lado
Ex-funcionário do Coxa na época do caso, Fernando Cabral se defende. O ex-diretor diz nunca ter se envolvido nas questões do futebol alviverde, mas apenas na área administrativa. “Eu recordo bem da situação do Dion, porque depois acabaram envolvendo meu nome”, explica.
Segundo Cabral, o principal interesse dos chineses era no atacante Guilherme Parede, então gerenciado por Luiz Alberto Oliveira e sem espaço no elenco. “E o próprio clube chinês dizia que tinha interesse no Dion. E chegou uma proposta na casa de 2 milhões de dólares envolvendo o Parede e estes outros jogadores”, continua.
Cabral ainda diz que não enxerga a negociação como ilegal, nem imoral, pois Dion e Ricardo apenas usariam a estrutura do Coxa para se recuperarem fisicamente. O clube, por sua vez, os registrou no BID apenas para se resguardar juridicamente, diz o ex-diretor.
“Eles não vieram em nenhum momento para atuar, apenas recuperação física. Mas o clube vinha de uma situação de ceder informalmente a estrutura para jogadores e teve problemas jurídicos no passado. O registro destes atletas foi justamente para evitar qualquer passivo trabalhista”, continua.
Cabral também nega qualquer envolvimento em esquemas de jogadores ou oferta de dinheiro por fora para Dion. “Cada um fala o que quer. Eu fiquei bem longe dessa parte de contratação, empréstimo, para evitar qualquer mácula ao meu nome. Até hoje estou no grupo Helênicos, trabalho de resgate da história do clube. Não ia querer me misturar nessa parte mais suja”, completa.
Também citado na entrevista por Dion, o empresário Luiz Alberto Oliveira, da LA Sports, preferiu não se manifestar. Outro citado, o ex-presidente do clube, Rogério Bacellar, foi informado sobre o conteúdo da reportagem, visualizou as mensagens, mas 24 horas depois não respondeu. Por fim, o Coritiba foi comunicado do conteúdo da reportagem, mas também não quis se manifestar.
A Gazeta do Povo segue com espaço aberto para a manifestação dos envolvidos.
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