Uma brincadeira despretensiosa resume bem a rotina do homem-forte do futebol do Grupo Globo, Fernando Manuel Pinto.
Quando algum amigo ou parente pergunta se ele assiste séries na Netflix, por exemplo, a resposta está sempre na ponta da língua. "Eu assisto sim: Série A e Série B", conta, aos risos, o diretor de direitos e relacionamento do futebol da Globo.
No cargo desde 2017, quando começou a formatar o atual modelo de cotas televisivas do Brasileirão, o filho de portugueses, de 42 anos, é daqueles que respira futebol desde a infância. Por causa da reconhecida falta de habilidade com a bola, a vida tratou de lhe encaminhar para os bastidores do futebol.
Formado em direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Fernando Manuel ingressou na Globosat em 1996, logo no início da faculdade. Era assistente do departamento jurídico numa época em que a TV fechada ainda engatinhava no Brasil.
Em meados de 2002, período de expansão dos canais pagos, Fernando mudou de ares dentro da empresa. Deixou a área jurídica e passou a atuar no desenvolvimento de negócios. A partir daí, participou das equipes de desenvolvimento de canais pay-per-view (Premiere e Combate) e à la carte (canais de conteúdo adulto e Big Brother Brasil).
O foco no esporte veio em 2009, quando assumiu todas as negociações de direitos de transmissão — com exceção do futebol. Seu trabalho era comprar campeonatos e ligas que seriam transmitidos essencialmente no SporTV. Com destaque para o acordo com o UFC.
O maior desafio, no entanto, surgiu há quase quatro anos, quando assumiu a interlocução exclusiva do futebol e começou a negociar diretamente com os cartolas. Tudo isso em um momento de mudanças profundas no futebol brasileiro.
Ganha-ganha-ganha
Negociar é simples, segundo Fernando Manuel. O executivo prega uma abordagem aberta, colaborativa e direta. Estilo olho no olho.
E sempre cumprindo as promessas. "No passado a gente se acostumou àquela coisa de que você busca extrair o melhor para si. Depois veio a era do ganha-ganha. Eu pratico algo que chamo de ganha-ganha-ganha", argumenta.
"Quero ganhar, quero que o outro lado saia satisfeito, feliz, e quero que a indústria, o ambiente, também logre êxito com as coisas que fazemos".
Fernando Manuel exemplifica seu modus operandi com a negociação dos direitos do Brasileirão para o período 2019-2024. Atualmente, a Globo tem algum tipo de contrato com 37 clubes brasileiros.
Porém, pela primeira vez, enfrenta concorrência no setor. O conglomerado americano Turner, dono dos canais fechados TNT e Space, transmitiu 42 jogos da Série A em 2019. Serão 56 em 2020, já que oito times vinculados à Turner estarão na elite.
A nova maneira de distribuição (40% igualitária, 30% por transmissões na TV aberta e 30% por desempenho) surgiu exatamente como uma resposta a esse movimento do mercado. Antes, os contratos eram negociados individualmente, o que causava uma disparidade maior entre grandes e pequenos.
"Buscamos adquirir direitos, mas também construir um modelo que fosse percebido pelos clubes como mais transparente, mais coletivo. Que os clubes saíssem com a percepção que houve um ganho para a indústria do futebol", diz.
"Pode não ser perfeito, mas ele representa um passo. Pela primeira vez há um modelo coletivo, com critérios comuns a todos e conceitos de meritocracia e equilíbrio. O plano teve concepção, aprimoramento e uma enorme contribuição dos próprios clubes", emenda o executivo, que lidera uma equipe de sete pessoas.
A principal crítica sobre o modelo de cotas está na divisão do dinheiro do pay-per-view. A análise de determinados clubes é que a distância entre os que ganham mais, e os que ganham menos, equilibrada na TV aberta, segue grande no Premiere.
Razão x emoção
Athletico e Palmeiras foram os dois últimos clubes a assinarem com a Globo. O Porco, aliás, só aceitou a proposta com o campeonato em andamento. Ou seja, foram horas e horas de conversa até um acordo. Viagens e mais viagens para acertar detalhes.
A pompa do cargo, segundo ele, é uma falsa impressão. "Essa função tem aparência de glamour, mas na verdade é extremamente trabalhosa. Além da questão de direitos, tem toda uma operação de convivência, de ouvir os clubes. E eu gosto sim de ouvir. A gente visita muito os clubes, gosto de ir a jogos. Acho que isso ajuda a compreender a natureza, as dificuldades e as oportunidades do futebol", ressalta o diretor, que é elogiado por dirigentes justamente por não se apegar somente a números frios de audiência.
"Tem uma coisa que notei no futebol, que é a baixa estima de alguns clubes. Eu vejo o que nosso futebol é enorme, com marcas fantásticas. Os clubes são capazes de arrastar multidões, emocionam as pessoas, que investem tempo e dinheiro com eles. Busco valorizar a força dessas marcas, não importa a abrangência delas. O fortalecimento passa pela percepção desse valor", opina.
Como um apaixonado por futebol, Fernando Manuel tem seu time do coração. Revelá-lo publicamente, contudo, é incompatível com a função por ser um tema "sensível".
Assim como o rótulo de "vilã" que a Globo recebe de vários torcedores espalhados pelo país. Sentimento que o homem-forte não poderia discordar mais.
"A Globo tem seu papel, não é a gestora do futebol. É uma empresa, uma parceira comercial do futebol. A maior patrocinadora, investidora do esporte. E faz isso por acreditar nele como negócio e ferramenta de envolvimento social do brasileiro. Independente do comentários, a verdade é que a Globo leva o futebol de maneira muito aceita, vide a audiência, toda emoção que leva e os vários elogios que recebe. Não há só crítica, tem muita aceitação".
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