Doping
Ex-campeão exalta rigor no ciclismo
"O Cielo, se fosse no caso do [Alberto] Contador, estaria suspenso por dois anos, fora da Olimpíada de Londres". A frase de Mauro Ribeiro não é sobre a natação. O flagrante do uso de furosemida do principal nadador brasileiro é um exemplo que o ex-competidor paranaense usa para falar do rigor adotado pelo ciclismo nas últimas décadas.
A modalidade é a que mais tem casos de atletas flagrados nos últimos anos. No Brasil, neste ano, foram confirmados nove episódios. "O ciclismo deu a cara a bater, condenando substâncias que eram permitidas em outros esportes. Quando a EPO [eritropoeitina] já era proibida no ciclismo, ainda era usada no Campeonato Italiano de futebol. O ciclismo está ensinando muito sobre antidoping a outras modalidades", diz Mauro.
Ribeiro compara a situação de Cesar Cielo com a do espanhol Contador, campeão da Volta da França em 2010, flagrado no antidoping pela União Internacional de Ciclismo (UCI). "O controle é tão rígido que ele foi submetido a 14 exames em 14 dias. Caiu em um". Até o governo espanhol entrou na briga: defende o tricampeão do Tour, que alega intoxicação alimentar para o exame positivo.
Vinte centímetros. Foi essa vantagem que fez ao paranaense Mauro Ribeiro entrar para a história do ciclismo mundial. Na próxima quinta-feira, 14 de julho, completa-se 20 anos que ele venceu uma etapa do Tour de France, principal prova da modalidade, considerado por muitos o terceiro maior evento esportivo do mundo, atrás apenas da Copa do Mundo e da Olimpíada.
Depois dele, são 20 anos em que outros brasileiros tentaram, mas não conseguiram superar, nem ao menos igualar o feito do curitibano, que hoje, aos 47 anos tem uma empresa de confecção de uniformes para ciclismo.
Naquele 14 de julho, Mauro Ribeiro teve um dia de Rei da França. Sem exageros: ele completou a 9.ª etapa, os 156 quilômetros entre as cidades de Aleçon e Rennes, em 3h40min51s sob o olhar de toda uma nação. Não bastasse o ciclismo ser um dos esportes favoritos dos franceses, a data é o feriado nacional que comemora o aniversário da Queda da Bastilha (1789), marco da Revolução Francesa. "Data da minha revolução como atleta", compara o paranaense, que naquele ano de 1991 fazia seu debute na mais tradicional prova de ciclismo de estrada em equipes.
Ele definiu a vitória ao desgarrar do primeiro pelotão faltando 400 metros. "Eu via a marcação regressiva: 350m, 300m, 250...", ressalta, lembrando que o restante do pelotão se aproximava. "Eu já estava no meu limite, puxei tudo o que tinha e venci. Nem consegui subir ao pódio, mas isso nem importava", relembra. "Foram 150 jornais do mundo inteiro falando da minha vitória. A [Rede] Globo, no Brasil, transmitiu; recebi um telegrama do [presidente Fernando] Collor, fui convidado a jantar na embaixada", relembra.
Apesar de Mauro afirmar que o Brasil cresceu muito nas duas últimas décadas, o abismo entre a competitividade nacional e a europeia foi ainda maior. Na Volta da França deste ano (que hoje tem sua 9.ª etapa, de Issoire a Saint-Flour), não há nenhum brasileiro. "O país tem cerca de 2,5 mil atletas federados. A França, com uma população muito menor, tem 136 mil. Na modalidade estrada, a maior parte das estradas vicinais ainda é de chão batido. Na Europa, são asfaltadas, o que permite um número muito maior de competições sem precisar impedir o trânsito de automóveis", compara Mauro.
O ciclista começou a pedalar por diversão, com uma Caloi Aro 20 no final da década de 1970. Em Curitiba, fez parte das equipes Cicles Romeo e Cicles Cascatinha. Esta criada pela união de donos de restaurantes de Santa Felicidade para incentivar o esporte. Venceu todas as principais provas até os 18 anos. Foi correr na Europa antes de completar 20 anos. Desde então, sua relação com a bicicleta foi de trabalho. "Tenho consciência de que fui até o meu limite físico", diz. Tanto que, quando voltou ao Brasil, em 2002, deixou de competir.
Com dois bronzes em Pan-Americanos e diversas vitórias em voltas que hoje compõem o Pro-Tour (circuito das melhores provas do mundo), em 2003 assumiu o comando da seleção brasileira de ciclismo, a qual deixou no ano passado. "Queria ficar mais tempo com a minha mulher e minhas duas filhas [de 7 e 20 anos]", justifica Mauro.
Ele conta que mantém bom relacionamento com o presidente da CBC, José Luís Vasconcellos, recentemente envolvido em acusações de acobertar casos de doping. "Tenho divergências em relação a ações que ele [Vasconcellos] utiliza. Mas entendo o porquê: liberdade gera libertinagem. Não há um culpado. A Confederação não tem verba para bancar todos os testes de antidoping, isso gera a libertinagem. Faz parte de qualquer esporte."
Mauro ainda pedala. Sua rota preferida inclui a Estrada do Cerne, com um trecho pela BR-277 até a Represa do Passaúna. "Lembra-me caminhos que eu fazia pela Europa, em rodovias mais calmas. Vou com amigos, brinco que as pedaladas são só para poder tomar uma Coca-Cola em Campo Largo", fala.