Quando a década começou, a atleta feminina mais proeminente no mundo era Marion Jones, ganhadora de cinco ouros na Olimpíada de Sydney, em 2000. Ao fim do período, Jones é uma farsa. Uma ex-presidiária que teve as cinco medalhas tomadas pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), condenada por doping e perjúrio. Síntese de uma década em que escândalos se sobrepuseram às façanhas no mundo esportivo.
Foi uma década dura para a integridade. Houve o ouro compartilhado nos Jogos Olímpicos de Inverno de 2002, em Salt Lake City. Na final de patinação, a dupla canadense Jamie Sale e David Pelletier acabou derrotada pelos russos Yelena Berezhnaya e Anton Sikharulidze. Um dia depois, a juíza Marie-Reine Le Gougne confessou que votara em favor dos russos por pressão da federação francesa. A saída foi dividir o título entre as duas parcerias.
Houve o escândalo de doping protagonizado pelo laboratório Balco, que desmascarou Marion Jones e deixou sob suspeita o ídolo do beisebol Barry Bonds. Houve casos de manipulação de resultados no futebol brasileiro, chinês, alemão, italiano, sul-africano e, segundo revelaram investigações do mês passado, em pelo menos nove outros países europeus. Houve o caso do árbitro da NBA Tim Donaghy, preso por envolvimento com apostadores.
Também houve o acidente do brasileiro Nelsinho Piquet no GP de Cingapura do ano passado. A batida, concluiria neste ano uma investigação da FIA, ocorreu sob ordem do chefe da equipe Renault, Flavio Briatore, para beneficiar o espanhol Fernando Alonso, vencedor daquela prova. Ao colocar a vida de um piloto em risco, o episódio colocou a trapaça no esporte em novo patamar, um claro sinal de desconexão entre meios e fins.
A boa notícia implícita nessas más notícias é que a polícia esportiva e, melhor ainda, a polícia da vida real está mais eficiente para revelar casos de corrupção. A irritante questão é quantos outros escândalos permaneceram em segredo, quantos jogos foram manipulados e quantos trapaceiros seguem insuspeitos e impunes.
Ainda assim, a fiscalização no esporte aumentou significativamente nos anos 2000. A Agência Mundial Antidoping foi criada em novembro de 1999, pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), em um momento histórico para a reforma no esporte. Rapidamente, a Wada (sigla em inglês) entrou para a sopa de letrinhas do esporte internacional, ao lado da Fifa, da NBA ou da ATP.
Embora sob liderança menos bombástica (e divertida) do que na sua primeira gestão, com Dick Pound, a Wada segue tendo papel fundamental no combate ao doping. O nível de cooperação global aumentou significativamente. Há cada vez menos atletas livres dos exames, mesmo fora de competição, e novos protocolos foram definididos, inclusive com o uso de tecnologias que permitem retestes mesmo anos depois da coleta da amostra de urina ou sangue.
O custo para colocar examinadores batendo de porta em porta é claramente elevado, mas muito menor do que se nada fosse feito. Como também custará caro fiscalizar de forma eficiente a explosão das apostas via internet, uma vasta subcultura que já vai muito além de simples palpites em quem vai ganhar ou perder. Hoje, é muito mais fácil fazer arranjos quando o que está em jogo é número de chutes a gol ou duplas faltas. Quem poderia imaginar tamanho ônus na globalização do esporte?
Há anos as metas globais nos escritórios da NBA, em Nova Iorque, ou da Uefa, na Suíça, é atingir fãs cada vez mais distantes, concectados muito mais a seus jogos e produtos do que àquilo que é oferecido pelos seus próprios países.
Mas também há jogadores profissionais nesses longínquos fusos horários, alguns dos quais podem mover capital suficiente para causar revolta na sede. Como também causaram revolta no meio do tênis. Individual, com um alto volume de jogos e um pequeno po rcentual de profissionais realmente ricos, é um dos esportes mais vulneráveis a esse tipo de ação.
Mas a globalização não trouxe apenas esse lado obscuro à tona. Treinadores e atletas puderam mostrar seu talento por todo o mundo. O número de estrangeiros na NBA mais que dobrou nesta década, subindo de 36 na temporada 1999/2000 para 83 na abertura da edição atual. Na Liga Inglesa, há mais jogadores importados do que britânicos desde a temporada 2004/05, ano em que o Arsenal tornou-se o primeiro time de futebol a escalar, do goleiro ao último reserva, um time inteiramente nascido em outros países.
Na edição 2009 do Masters de Golfe, nos Estados Unidos, havia 41 americanos e 55 estrangeiros, entre eles a argentina Angel Cabrera, uma ex-caddie que sagrou-se campeã do tradicional torneio.
No beisebol dos anos 2000, Ichiro Suzuki acabou com a escrita antiga de que japoneses não prosperavam na liga norte-americana. Transferido em 2001 para o Seattle Mariners, Suzuki rapidamente transformou-se em uma estrela da MLB e ajudou seu país a conquistar duas vezes o World Baseball Classic (espécie de mundial da modalidade). Em 2005 e 2009, mesmo ano em que seu compatriota Hideki Matsui foi escolhido o melhor jogador da World Series, vencida pelo New York Yankees.
Talvez depois disso ela realmente se torne uma série mundial. Embora o conceito de superligas cresça com a globalização especialmente com a evolução vigorosa da NBA, da MLB e da Liga dos Campeões da Uefa , há exceções. A Liga de Hóquei dos Estados Unidos, verdadeiro ímã para talentos do Leste Europeu, viu surgir em 2008 um concorrente na Rússia, a Kontinental Hockey League. O PGA Tour, ainda o mais rico circuito do golfe mundial, passa a dividir espaço com o Tour Europeu, mantido por alguns novos financiamentos de Dubai (embora talvez eles não durem muito).
No mundo olímpico, enquanto isso, a China continua crescendo. Terceiro colocado no quadro de medalhas dos Jogos de Sydney, em 2000, o país seguiu avançando sistematicamente, até conseguir o primeiro lugar na Olimpíada de Pequim, em 2008, que definiu um novo padrão para a ostentação e não para os direitos humanos ou a consciência ecológica.
Com muitos locais de competição deslumbrantes, os Jogos de Pequim foram inquestionavelmente um dos sucessos da década em termos esportivos e de organização, provendo um fundo dramático para a consagração à luz da noite de atletas como o nadador americano Michael Phelps, o velocista jamaicano Usain Bolt e os fundistas etíopes Kenenisa Bekele e Tirunesh Dibaba.
Apesar de todos os poréns, os anos 2000 foram uma década de excelência. Um período em que se conheceu o melhor tenista da história (Roger Federer), o maior piloto de carros da história (Michael Schumacher), o maior ciclista da história (Lance Armstrong), o maior piloto de motos da história (Valentino Rossi), o maior nadador da história (Phelps), o maior velocista da história (Bolt), o maior fundista da história (Bekele) e o maior golfista da história (Tiger Woods).
Um grupo restrito, do qual muitos integrantes seguirão no topo na próxima década.
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