"Se saio sozinho e estou num bar tomando um chope com os amigos e tenho vontade de ir ao banheiro, fico receoso. É no banheiro que as pessoas usam cocaína quando estão no bar. Eu então evito. Pego meu carro e vou até minha casa. Sempre que saio sozinho, fico ao redor da minha casa. É meio desgastante, mas eu prefiro não correr o risco".
A frase resume o estado de alerta constante e quase impotência de quem passou mais de 60% do tempo de sua existência fazendo uso frequente de entorpecentes, sobreviveu a quatro overdoses em um curto período de dois anos e agora, dia a dia, busca se manter distante dessa fraqueza.
Avesso a estereótipos de ex-usuários de drogas, o comentarista de futebol da Rede Globo, Walter Casagrande Júnior, 49 anos, garante manter um "vazio em seu interior, mas agora sob controle", e preferiu escolher apenas o primeiro passo para sua recuperação: "Admiti que sou um derrotado perante a droga".
Casão, como ficou conhecido entre os jogadores, conversou com a Gazeta do Povo, em Maringá, onde participou de um ciclo de palestras, voltado aos trabalhadores, promovido pelo Serviço Social da Indústria (Sesi-PR). Números do órgão revelam que dependentes químicos estão envolvidos em 65% dos acidentes de trabalho, faltam dez vezes mais, utilizam 16 vezes mais o plano de saúde e solicitam seis vezes mais indenizações e empréstimos.
Apesar da convicção de se manter longe das drogas, assimilada durante um internamento compulsório em uma clínica, Casagrande ainda é acompanhado de perto por uma psicóloga, que viaja a seu lado durante as transmissões de jogos e palestras. Daniela Gallias atua como atendente terapêutica e, na prática, tenta evitar situações de risco para o ex-jogador.
"É preciso esclarecer o assunto, sem preconceitos. O cara que usa droga não é um vagabundo. Ele é doente e precisa de tratamento", sustenta. A contribuição do ex-jogador é repassar sua experiência com o uso de cocaína e heroína.
"Não adianta eu participar de uma campanha do Diga não às Drogas, se eu usei. O que faço é partilhar as consequências do uso e falar sobre a dependência. Falo também sobre a recuperação que é matar um leão por dia, peneirar as amizades. Mesmo assim você nunca sabe o que pode acontecer. Por isso, tem de estar atento para ser pego de surpresa", diz.
Casagrande se define como um "dependente químico em recuperação". Toma medicamentos para evitar a depressão que aparecem durante as constantes viagens que faz para cumprir os compromissos profissionais. Sintomas, que em sua opinião, são um risco para a recaída.
Para isso, semanalmente, ele frequenta sessões de terapia e se consulta com um psiquiatra. Ele afirma que tem um permanente "vazio" dentro de si após largar os gramados. "Antes eu buscava completar este vazio como comentarista. Não deu certo e acentuou o uso da droga. Hoje eu sei que não dá para tentar tapar o vazio que ficou, mas descobri outras opções prazerosas. O trabalho de comentarista e as palestras que faço me dão prazer agora".
A ideia, de acordo com Casagrande, é reavaliar os conceitos e manter a autoestima, sentimento ausente no dependente químico. "Continuo gostando de rock. Meus ídolos ainda são os mesmos, Janis Joplin, Jimy Hendrix, Jim Morrison e The Doors. Mas agora avalio a competência musical deles e não quero ter a vida deles, não quero imitá-los. Eles viveram uma vida ruim e eu tive a vida ruim deles por um bom tempo. Não quero mais isso para mim".
O ex-atacante do Corinthians e da seleção brasileira não concordou, por exemplo, com a suspensão de dois anos que o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) impôs ao goleiro Rodolfo, do Atlético.
Para ele, entidades como a Agência Mundial Antidopagem (Wada, na sigla em inglês) e a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) precisam repensar sobre a suspensão a dependentes químicos. "O problema da droga é social. Ninguém usa crack, maconha ou cocaína para aumentar o rendimento".
Segundo ele, a suspensão não ajuda o atleta. "Não tem nada a ver com doping." A atitude do jogador atleticano recebeu elogios. A intenção em buscar tratamento, segundo ele, será essencial na recuperação. Mas alerta para o tratamento permanente. "Atualmente tenho três acompanhamentos terapêuticos. Tudo isso para tentar evitar que eu caia em outra situação de total descontrole."
Lula vai trabalhar crise dos deportados internamente sem afrontar Trump
Delação de Mauro Cid coloca Michelle e Eduardo Bolsonaro na mira de Alexandre de Moraes
Crise do Pix, alta de alimentos e Pé-de-Meia mostram que desconfiança supera marketing de Lula
Tiro no “Pé-de-Meia”: programa pode levar ao impeachment de Lula; ouça o podcast