Estádio é palco de rachas e crimes
Há cerca de oito meses a Gazeta do Povo fez matéria mostrando o abandono do Pinheirão. Os relatos dos moradores mostravam que o local, principalmente à noite, virara abrigo de marginais. O cenário não mudou de lá para cá.
Em pouco mais de 40 minutos circulando pela parte externa do estádio, a reportagem entrevistou três moradores. Nenhum quis se identificar, mas todos afirmaram que, além da criminalidade, há reuniões norturnas no estacionamento para rachas de carros e motos até altas horas da noite.
Estruturalmente, embora seja proibida a entrada, nota-se a queda de algumas paredes na parte de cima da construção. O campo, que havia se transformado em um matagal, foi limpo. Os funcionários que cortaram a "vegetação" ainda trabalhavam no local.
Histórico
Relembre a trajetória do nascimento do Pinheirão:
Doações
O terreno do estádio é constituído de duas matrículas: 1.774 e 1.773. A primeira foi doada pela prefeitura à Federação de Futebol na época presidida por José Milani em 1969. A segunda foi doação particular.
Exigências
De acordo com a Lei de Doação 3.583, entre outras exigências, a FPF teria de entregar um estádio para 120 mil pessoas em seis anos. Em caso do não cumprimento das exigências, o estádio e o terreno, incluindo benfeitorias, deveriam ser reincorporados ao patrimônio público sem indenização.
Dívidas
A obra começou a ser executada em 1972, mas ficou parada por 13 anos, por falta de recursos. Em 1985, Onaireves Moura foi eleito presidente da FPF, e resolveu reconstruir o Pinheirão. A entidade deixou de pagar os encargos sociais e acumulou dívidas com IPTU e INSS, além de outras ações, que já chegam a R$ 50 milhões.
Penhoras
Na década de 90 começaram a ser executadas as penhoras sobre as duas matrículas, como garantia de pagamento das dívidas.
Auge
Em novembro de 2003 o Pinheirão teve seu momento de glória: pelas Eliminatórias da Copa de 2006, o Brasil empata por 3 a 3 com o Uruguai.
Copa 2014
Em 2007, o projeto de um "novo Pinheirão" foi indicado para abrigar os jogos da Copa em Curitiba.
Esquecimento
No dia 30 de maio daquele ano, o golpe final. A praça esportiva foi interditada por falta de segurança e, desde então, nunca mais liberada.
O abandono do Pinheirão e a inutilização de um estádio que foi planejado para ser um dos maiores da América do Sul é fruto, em grande parte, da omissão do poder municipal.
O maior elefante branco da capital do estado completará no dia 30 de maio quatro anos de interdição. Mas já soma 35 anos de descaso da prefeitura de Curitiba no não cumprimento de suas próprias leis.
Por esse período, passaram pela administração da cidade oito gestões. Nenhuma delas parece ter se atentado para o fato de que metade do terreno onde está localizada a praça esportiva poderia ter sido readquirida com a aplicação simples da Lei n.º 3.583 norma municipal que permitiu a doação da área pública à Federação Paranaense de Futebol (FPF).
No texto publicado em 29 de novembro de 1969, redigido na Câmara Municipal, a entidade futebolística ficou obrigada com pena de devolução do imóvel a construir, em seis anos, um estádio com capacidade para 120 mil pessoas. A demanda nunca foi cumprida se estivesse funcionando, o Pinheirão abrigaria hoje um público aproximado de 35 mil pessoas.
Há mais itens desrespeitados na lei, mas apenas um deles seria suficiente para que o terreno volte ao patrimônio municipal sem a necessidade de qualquer indenização.
De acordo com a assessoria de imprensa da administração de Curitiba, no entanto, a lei nunca teria sido aplicada por o terreno estar penhorado por dívidas de encargos sociais (INSS e IPTU), o que impediria a revogação da doação.
Já a FPF tem outro argumento. Seu presidente, Hélio Cury, afirma que o órgão municipal deixou prescrever o direito de reclamação. Desta forma, o terreno seria, efetivamente, propriedade da FPF.
Os dois casos, entretanto, estariam sendo juridicamente mal interpretados conforme apuração da reportagem da Gazeta do Povo. O argumento sobre a penhora não seria aplicável em um imóvel que, por força normativa, pode ter a posse discutida na Justiça.
"A penhora tem de recair sempre sobre bens livres e desembaraçados do devedor. Na realidade, se há uma discussão que seja minimamente razoável a propósito do domínio do bem, a penhora pode vir a ser insubsistente [sem efeito]", explica Romeu Bacellar, professor de direito Administrativo da UFPR e da PUCPR.
Já a prescrição alegada pela Federação só valeria para a doação do terreno localizado nos fundos do estádio, que foi feita através de contrato particular (ver gráfico).
Em doação pública, existe jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) garantindo a retomada da posse qualquer momento após a constatação do não cumprimento das exigências da lei específica.
Sem dúvida
O recurso especial 56612/RS serve de base para caso idêntico de reincorporação de bem público ocorrido no estado de São Paulo, em 2010. E não deixa dúvida: "A doação de imóvel público obedece, unicamente, aos preceitos contidos na lei que o desafetou", diz o texto. Para ficar ainda mais claro, também proíbe ao "donatário inadimplente invocar as regras do artigo 178 do Código Civil, para alegar prescrição da ação".
No caso da FPF, a intenção de fazer usucapião (o direito, relativo à posse, de se tornar proprietário do bem, em decorrência do uso deste) não valeria por se tratar de um terreno originalmente público. Esta situação é expressamente proibida por lei.
Segundo fontes internas na administração municipal, alegando ser a proprietária a Federação teria sugerido que a prefeitura desapropriasse o terreno. Sendo assim, o poder municipal teria de pagar indenização.
Hoje, o valor de mercado do imóvel com matrícula frontal à Avenida Victor Ferreira do Amaral está próximo de R$ 40 milhões, o suficiente para praticamente quitar as pendências da instituição elas giram em torno de R$ 50 milhões. Se isso ocorresse, a FPF ainda ficaria com o outro terreno, que possui valor comercial semelhante.
Silêncio
No lado da prefeitura, contudo, faltam explicações. Em 2007, o vereador Mario Celso Cunha pediu para que a doação fosse revogada. Na época, conta o político, o argumento para o processo não ir adiante teria sido o mesmo baseado nas penhoras do terreno.
Após três tentativas de contato com a procuradoria do município, a prefeitura, via assessoria de imprensa, afirmou ter ações contra a FPF (relativas ao atraso no pagamento do IPTU) e que, fora isso, não tem nenhuma posição sobre o que irá fazer a respeito do caso Pinheirão.