Desde os 7 a 1 para a Alemanha na Copa de 2014, nos acostumamos com a ideia de que o futebol brasileiro está indo rapidamente para o buraco. A transferência praticamente simultânea de Jadson, Ralf e Renato Augusto do atual campeão brasileiro, o Corinthians, para o futebol chinês trouxe uma sensação de desconforto ainda maior para o torcedor. Afinal, a que ponto chegamos que até a China consegue levar os principais jogadores do melhor time do país?
Apesar de ser tentador dar uma resposta dizendo que isso é mais um sinal da crise futebolística em que nos enfiamos, a verdade é que a ida de jogadores brasileiros para a China faz bastante sentido. Faz parte de um processo muito maior da inserção chinesa no futebol que pode chacoalhar a estrutura do futebol mundial.
Um dos primeiros sinais disso aconteceu um ano atrás, quando o bilionário Wang Jianlin, o segundo homem mais rico da China, anunciou a compra de 20% do Atlético de Madrid, um dos clubes mais populares da Espanha. Em março, fortalecendo ainda mais a entrada do capital chinês no mundo do futebol, Jianlin anunciou a compra da Infront, agência de marketing esportivo suíça ligada à Fifa que comercializa os direitos de transmissão da Copa do Mundo. Em dezembro, um consórcio chinês adquiriu 13% do Manchester City. 2015 foi o ano em que os chineses entraram no mundo do futebol pela porta da frente, comprando o convite. Eles deixaram claro para todos que gostam de futebol, e muito.
O apetite pelo futebol não ficou apenas na arena internacional. Localmente, o futebol chinês também passou por uma enorme revolução. Em 2014, o canal estatal CCTV pagou cerca de US$ 1,5 milhão para transmitir a Chinese Super League, primeira divisão local, um valor simbólico com o qual o governo ajudava os clubes. Porém, em novembro de 2015, o fundo de investimento China Media Capital desembolsou US$ 1,2 bilhão por cinco anos de direito de transmissão, um valor que, da noite para o dia, colocou o campeonato do país entre os mais ricos do planeta. Com investimento pesado e sem precedentes, a China virou o eldorado do futebol global.
Não é possível, porém, gerar bons jogadores de uma hora para outra. Levam-se décadas para que um país consiga estabelecer uma política de desenvolvimento de atletas e a China ainda está dando seus primeiros passos. Por causa de décadas de revoluções e conflitos internos, a prática do futebol é quase inexistente. Ao contrário de boa parte dos países ocidentais, o sistema educacional chinês não é construído com ênfase em esportes, o que reduz muito o acesso de crianças ao jogo, inibindo o desenvolvimento de potenciais atletas. Mais do que isso, a lei recém-abolida que limitava um filho por família também fazia com que pais desencorajassem seu único filho a optar por perseguir o sonho de se tornar jogador profissional, uma vez que é uma opção de carreira extremamente arriscada, de curto prazo e que – até então – pagava muito pouco.
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Assim, para organizar um campeonato atrativo sem dispor de bons jogadores locais, a única possibilidade é contratar estrangeiros. E nenhum país revela tantos jogadores para o mundo como o Brasil. Por causa de todos os nossos problemas socioeconômicos, a maioria desses atletas está disposta a jogar onde for, desde que se pague relativamente bem. Além disso, a perda de valor de marca após à derrota para a Alemanha e de anos de dominação da dupla Messi-Cristiano Ronaldo entre os melhores do mundo, aliada à desvalorização abrupta do Real, tornam o jogador brasileiro um excelente custo benefício para mercados medianos de futebol. Tudo isso somado faz do Brasil o fornecedor ideal para se adquirir talento confiável de maneira imediata dentro de um valor razoável.
Dessa forma, fique tranquilo. A transferência para a China de jogadores brasileiros de renome que não tenham mercado nos principais clubes da Europa, como é o caso dos três jogadores do Corinthians, não é nenhuma surpresa. Não é um sinal de crise. Ela até deveria ser maior. E provavelmente será em breve.
* Oliver Seitz é PhD em Indústria do Futebol e Professor de Football Business na UCFB Wembley em Londres
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