Em meio às notícias relacionadas a fraudes fiscais do atacante Neymar na sua transferência para o Barcelona, um assunto vem à tona e agita as relações trabalhistas no ambiente do futebol: a moralidade do pagamento dos direitos de imagem na relação entre clube-jogador.
A mordida fiscal explica por que muitas agremiações preferem desembolsar parte dos salários em um contrato de natureza civil, longe das amarras trabalhistas.
Como surgiu
A ideia de burlar impostos surgiu no final dos anos 90. Diante da crescente pedida salarial dos boleiros, sobretudo por causa do agressivo mercado europeu e o impacto da Lei Pelé, a prática de mascarar a remuneração ganhou força no país. Aos poucos a atividade começou a parar nos tribunais. O primeiro caso ocorreu em 2002, quando o atacante Luizão pediu para sair do Corinthians após três meses sem receber direito de imagem. Alegando que isso era salário, o jogador não só conseguiu o desligamento, como também ganhou na Justiça o direito de receber todos os direitos trabalhistas que não foram pagos, totalizando R$ 9 milhões à época. Na sequência, o jogador e o clube fizeram um acordo – os valores não foram revelados. Muitos outros casos ocorreram nesses últimos 14 anos, mas a prática segue difundida.
O atleta registrado nas carteiras de trabalho custa cerca de 60% a mais às equipes por causa de impostos, fundo de garantia por tempo de serviço (FGTS) e INSS, além do próprio desconto para o atleta de 27% de imposto de renda.
No direito de imagem, os impostos caem para 10% para o clube e 15% para o jogador, que perdem parte substancial dos seus direitos trabalhistas, pois não há recebimento do de extras por férias e 13.º salário, além de não incidir na multa em caso de demissão.
Em Curitiba, Atlético e Paraná admitem firmar esse vínculo de pessoa jurídica com jogadores e defendem sua legalidade; o Coritiba, ao contrário, garante ter abolido essa medida. Tanto rubro-negros quanto tricolores informaram, via assessoria de imprensa, que não divulgariam quais atletas recebiam dessa forma nem a porcentagem nos salários por se tratar de um assunto interno.
Na opinião do presidente do Atlético, Luiz Sallim Emed, é errado afirmar que essa forma de pagamento é sonegação fiscal. “É um modelo comum nos clubes. Em outras profissões, como médicos, também há aqueles que são registrados e os pessoas jurídicas. Não é verdade que é sonegação, é um modelo legal, previsto em lei”, argumenta.
A legalidade do direito de imagem é defendida até pelo diretor de futebol do Coritiba, Valdir Barbosa, mesmo com o clube não tendo mais nenhum atleta com esse tipo de contrato. Resultado dos problemas com atletas nos últimos anos, como o ex-atacante Deivid, entrando na Justiça em 2014 para receber o que estava atrasado, incluindo direitos trabalhistas.
É uma forma de burlar a legislação, uma tentativa de fraude aos impostos trabalhistas. O clube praticamente impõe a prática aos atletas.
O jogador – hoje técnico do Cruzeiro – cobrou R$ 12 milhões, mas a última decisão foi favorável ao clube, que foi condenado a pagar “apenas” R$ 924 mil pelo atraso nos direitos de imagem. Ambas as partes aguardam o julgamento do recurso no Tribunal Superior do Trabalho. “O Coritiba mudou a prática [de utilizar os direitos de imagem], mas um dia pode voltar a utilizar. Se é legal, a lei permite, não é sonegação”, defende Barbosa.
Outros atletas pelo Brasil também têm conseguido a rescisão contratual por atraso no direito de imagem. Em 2012, foi dessa forma que Ronaldinho Gaúcho saiu do Flamengo – na quinta-feira (18) as duas partes fizeram um acordo para o jogador receber R$ 17 milhões em vez dos R$ 40 milhões que pretendia . No ano passado, Alexandre Pato obteve o mesmo caminho para sair do Corinthians, o que só não ocorreu nos tribunais porque também foi feito um acordo.
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Para advogados especialistas da área o caminho cada vez mais vai ser esse. Para Gislaine Nunes, por exemplo, que defendeu Luizão contra o Corinthians e Deivid contra o Coxa, não há discussão. “É uma forma de burlar a legislação, uma tentativa de fraude aos impostos trabalhistas. O clube praticamente impõe a prática aos atletas. Quer, pega. Se não quer, tem quem quer”, critica.
Especialista no assunto, o advogado Alan Delaciano aprofunda o problema da natureza desse tipo de contrato. “Transformaram um contrato de exceção em regra. O fato de o jogador dar entrevista ou aparecer na televisão não deveria gerar um direito de imagem, pois faz parte do ofício dele. Se fosse algo fora, como uma campanha de sócio-torcedor, é diferente”, argumenta.
Drible de última hora
Em setembro do ano passado foi publicada a medida provisória 690 que aumentava a tributação sobre quem recebia direitos de imagem, de 32% do lucro para 100% do lucro. Na prática, isso faria com que os impostos para quem recebe em cada uma das categorias fossem muito parecidos e demonstrava o conhecimento da União sobre esse “drible” fora dos campos. Na metade de dezembro, quando a medida provisória virou lei efetivamente, esse artigo foi vetado na Câmara dos Deputados.
Segundo Delaciano, os clubes aos poucos têm percebido que vale mais a pena registrar os atletas em carteira. Isso porque muitos jogadores estão cobrando na Justiça os direitos trabalhistas que não receberam. “Sai de cinco a sete vezes mais caro para o clube nesse caso do que se fosse registrado”, avisa.
Entre empresários de futebol, essa mudança lenta também é percebida. “Os clubes têm preferido pagar menos e registrar na carteira”, admite Marcelo Lipatin. “O que falta é uma regulamentação para que esse direito de imagem não ultrapasse 10% do salário e a tributação seja parecida com as leis trabalhistas”, defende Marcos Amaral.
Líder do Bom Senso FC, movimento dos jogadores de futebol, o zagueiro Paulo André, do Atlético, faz um alerta sobre o tema: “Desde que voltei ao Brasil em 2009 não recebo por imagem. Até porque se botar na carteira você vai perceber que recebe mais dinheiro com os direitos trabalhistas. É uma burrice”.
Pela lei Pelé, a remuneração por direito de imagem não pode ultrapassar 40% do total recebido pelo atleta.
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