| Foto: Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo

Aos 33 anos, o zagueiro Paulo André admite que pode estar iniciando o último ano de sua carreira. Enquanto se prepara para a estreia do Atlético pela Libertadores, contra o Millonarios, da Colômbia, o ex-jogador do Corinthians e Cruzeiro faz um balanço da carreira e da militância no Bom Senso FC, em que foi um dos líderes até se transferir para o Shanghai Shenhua, em 2014.

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Marcado por uma capacidade de articulação e por um interesse em cultura geral no mínimo muito diferente dos colegas de profissão, o campineiro avalia que não há mais mobilização de jogadores em torno do Bom Senso. Nessa conversa , ele fala das transições na carreira, dos livros que lê e do futuro.

Você foi um jogador bastante assediado pela imprensa durante um bom tempo, liderava um movimento de jogadores, agora anda mais despercebido — vi até você brincar numa rede social que você “já não rendia mais tantos cliques”. O que mudou?

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Eu optei por ficar meio fora do radar. Por que nunca fiz o que fiz o que por exposição. Sou um cara que gosta de ir à rua, ir ao shopping, ir ao correio. Tenho uma relação diferente com as coisas: não tenho carro, ando de Uber, ponho minha casa para alugar no AirBNB, nunca precisei ostentar. E eu forcei esse momento mais low profile, para focar no meu desempenho e da minha equipe. Por isso acabei optando por menos brigas e por um espaço menor no cenário.

 

Foi positivo o momento do Bom Senso FC?

Para mim, foi extremamente positivo. Tenho orgulho do que fizemos, muitos jogadores participaram, o nível de discussão se elevou muito em 2013. Pode-se falar que foi pouca coisa concreta, que foram pequenas alterações, mas foram mudanças significativas: basta ver que caiu muito o número de clubes que atrasam salários nas divisões mais altas, e que há uma preocupação maior com formação de atletas e capacitação de técnicos. Levantar as bandeiras fez bem, mas precisa da mobilização de atletas, precisa de uma paciência, de um pouco mais de política com a CBF, e aos poucos você amadurece a ideia de que é uma opção de vida, abraçando uma causa que beneficia muita gente que naquele momento nem se importa em defender. Acho que fiz a minha parte. Depois quis dar um pouco de atenção para a minha paixão, que é jogar futebol, que são os jogos, os estádios e as torcidas. Posso voltar a discutir a estrutura do futebol, mas numa outra função.

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Até quando você pretende jogar?

Eu estou naquela fase de ir até o fim deste ano, que tem tudo pra ser o derradeiro, e só depois ver o que faço em 2018. Vamos lutar pelo campeonato estadual, estamos na Libertadores, é a quinta vez que o clube participa, tudo isso é um momento especial. A gente tem um time e um cara especial no comando, que é o Paulo Autuori. Eu já o tinha conhecido por meio do Bom Senso, numa reunião com o então ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante.

Tem vontade de entrar para a política? Ou vai continuar no futebol?

Na política, só se for como eu a entendo. Se for a arte de convencer ou influenciar pessoas e promover mudanças, eu gosto e quero. Mas a política que eu percebi nos clubes e em Brasília, dessa eu não gosto. Minha residência é em São Paulo, mas eu estou cursando administração na PUC-MG, e uma pós na FGV em administração do Esporte. Recomeçar no esporte numa carreira gerencial seria até fácil, aqui no Atlético já existe ambiente para isso, mas devo fazer outros cursos aqui ou fora, ou se tiro uns seis meses. Mas não voltaria como técnico.

Como você vê a atuação recente do Bom Senso?

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Eu acho que não se faz mais nada, não tem mobilização suficiente. Mas acho que o que se fez vai ficar pra história, daqui a uns dez, vinte anos, as pessoas vão olhar e perceber que muita coisa foi plantada pelo movimento.

Você quebrou muito o estereótipo do jogador de futebol em geral, sempre demonstrou interesse por literatura e artes, além da militância política. Ainda mais sendo zagueiro, onde o erro é fatal, muita gente na hora de te criticar apelava, como se esses seus lados atrapalhassem o seu desempenho. Você acha que pagou um preço por isso?

Isso acabou dificultando, porque inibe outros brasileiros que poderiam se posicionar, quebrar paradigmas. Muita gente pegava no meu pé porque eu gosto de ir ao teatro, porque em determinado momento da minha vida eu pintei, porque eu escrevia no blog. Para mim, eu era um cara absolutamente normal, com hábitos normais, que tinham a ver com a minha criação. Mas como população em geral é alienada, não tem acesso à educação normal de qualidade, tinha gente que criticava gratuitamente um lado meu que é prazeroso.

A turma da defesa é muito diferente psicologicamente do pessoal do ataque?

Eu acho que sim. Nas equipes por que passei, do meio pra trás você têm perfis mais reflexivas, mais conservadores, mais centrado. Eu tenho muita vontade de estudar esse lado psicológico, esse trabalho que é 95% mental, que é um trabalho de observação e colocação. O Wallace (ex-zagueiro de Corinthians e Flamengo) que costumava dizer que não entendia como um zagueiro como eu, que não sabe correr e é lento, não toma uma bola nas costas. Se você olhar, eu sempre integrei as cinco defesas menos vazadas do campeonato. No ano passado, pelo Atlético, eu joguei pra caramba e a gente teve a defesa menos vazada do Brasileiro, ao lado do Palmeiras (32 gols). E às vezes para o torcedor é uma questão física, de dar carrinho, quando no fundo é uma questão muito mais cerebral e que não aparece muito. O próprio Alex Ferguson (ex-técnico escocês do Manchester United) comenta no livro dele que achou que não precisava do (zagueiro holandês) Jaap Stam. No livro dele, ele comenta que, quando se desfez dele, a defesa começou a desabar. Aí ele notou o quanto Stam era importante, mas isso não aparecia tanto.

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Você saiu do Corinthians para ser um dos pioneiros desse novo Eldorado do futebol, a China. Como foi a experiência?

Cara, se eu tivesse chegado lá um ano depois, eu teria ganho muito mais dinheiro (risos). Foi no ano seguinte que os clubes começaram a fazer contratações caríssimas. Mas para mim foi um momento de autoconhecimento. Fui conhecer gente, fui me relacionar de novo com as pessoas.

Como assim?

Quando você vira um personagem, como era quando fui zagueiro do Corinthians, aquilo te influencia. Na China, eu tive que começar do zero, foi como se eu tivesse tirado a fantasia, e voltasse a ser eu mesmo para descobrir o que eu sentia, e aí a gente vê o pouco de atenção que a gente dá os detalhes que realmente importam no final. Em São Paulo, qualquer coisa que eu fizese, qualquer piada até meio sem graça que eu contasse, tinha gente fazendo festa. Em São Paulo, eu jantava com o Washington Olivetto, tinha sempre muito o que fazer socialmente. Na China, eu não era ninguém. Aí eu comecei a me encontrar com brasileiros em Xangai, e eu percebi que, se eu não mandasse mensagem perguntando como as pessoas estavam, se eu não cuidasse da relação, aquela relação desaparecia, porque as pessoas tinham suas vidas e ninguém tava nem aí para o fato de eu ser zagueiro do time local. Para mim foi um choque aquilo. Mas foi bom, porque eu comecei a ter tempo para fazer o que eu quisesse.

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E essa estreia na Libertadores, contra o Millonarios? Como você, que foi campeão em 2012 pelo Corinthians, está encarando essa nova edição?

É uma chance enorme de deixar uma história bonita. Por outro lado, eu que passei o que passei com o Corinthians contra o Tolima (a eliminação precoce em 2011) fico com a antena ligadíssima. Então a gente fica com muita atenção. E a gente tem um grupo bom, com jogadores experientes, como Grafite, Thiago Heleno, Carlos Alberto, que é um cara que está bastante focado neste momento da carreira, isso nos dá confiança.

É inevitável te perguntar que livros você anda lendo.

Estou lendo um romance do português Valter Hugo Mãe, “A máquina de fazer espanhóis”. Estou adorando, já estou quase acabando.

E que livro você acha que deveria ter lido antes na carreira, que teria ajudado a conduzi-la melhor?

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A autobiografia do (tenista americano Andre) Agassi. Eu costumo dizer que eu dei certo na carreira muito pelo medo, pelo receio de me frustrar, e que isso me fez perfeccionista. Quando eu li o livro do Agassi, eu vi que o cara teve muitos medos também. Ele diz que se culpava por um monte de coisas, que se limitava por medo de errar, que ele se boicotava, e perdia jogos que estavam ganhos. Ali, lendo aquilo, eu me aceitei e pensei: eu preciso aprender a tirar isso das costas. Se eu tivesse lido isso antes, talvez minha carreira tivesse sido muito mais fácil.