Uma parte considerável do momento mais trágico do futebol brasileiro está guardada em uma espécie de santuário do Flamengo em Curitiba. Uma das bolas e as camisas do atacante brasileiro Fred e do zagueiro alemão Boateng da goleada de 7 a 1 na semifinal da Copa de 2014, no Mineirão, fazem parte do acervo do bancário Hermínio Fernandes Corrêa, 36 anos, colecionador de artigos de futebol, em especial do Rubro-Negro carioca, clube do qual também é sócio e conselheiro. A coleção tem ainda uma das bolas da decisão do Mundial entre Alemanha e Argentina, além da pelota usada por Neymar e companhia na conquista inédita do ouro na final da Olimpíada Rio-2016.
- FOTOS - confira algumas das raridades da coleção de camisas e bolas do bancário Hermínio Fernandes Corrêa
Nascido no Rio, criado em Belo Horizonte e morador de Curitiba há dez anos, Hermínio se mudou recentemente com a esposa e as duas filhas pequenas para o sobrado recém-adquirido no bairro Bacacheri. A escolha do imóvel levou mais tempo do que o esperado porque tinha que ter um espaço adequado para comportar toda a coleção de 500 camisas do Flamengo, 100 de clubes sul-americanos, 30 bolas, 20 flâmulas e 10 medalhas. Na parede da sala onde fica a coleção, há um painel com os principais títulos e ídolos do Flamengo, como Zico, Júnior e Romário. “De toda a casa, o painel foi o que levou mais tempo: quatro meses para ficar do jeito que eu queria”, enfatiza.
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Sobre a fonte de suas peças, Hermínio revela que o garimpo é resultado dos contatos feitos em 20 anos correndo atrás de camisas e bolas para sua coleção. “Estou em contato o tempo todo com gente do futebol. Tenho amigos na CBF, na Conmebol, além de roupeiros, jogadores e conselheiros dentro dos clubes. Com o meu pai eu falo uma vez por semana, mas com esse pessoal eu troco no mínimo cinco mensagens por dia”, brinca.
Mesmo com uma sala exclusiva para a coleção, Hermínio teve de se desfazer de 100 peças há duas semanas por falta de espaço. Entre elas, uma verdadeira relíquia: a camisa com que o meia Zito jogou no bi mundial em 1962, no Chile. “A camisa do Zito era a que eu paguei mais caro, R$ 12 mil. Mas não fazia parte do meu foco como colecionador, que são peças do Flamengo e de clubes sul-americanos”, explica o colecionador, que também se desfez da camisa da seleção que o goleiro Weverton, do Atlético, ficou no banco de reservas ano passado nas Eliminatórias, outra do meia Leonardo da Copa de 1998 e a que o astro argentino Lionel Messi vestiu contra o Brasil, no Mineirão, nas Eliminatórias de 2009.
Valor histórico
A bola e as camisas da Copa de 2014 entraram no foco de Hermínio pelo valor histórico,adquiridas a partir de um contato que trabalha na CBF e que no Mundial prestou serviços à Adidas. “Meus amigos me perguntam por que guardar esse material do 7 a 1. Alguns brincam que querem vir aqui em casa para rasgar as camisas e furar a bola. Mas quem gosta muito de futebol, principalmente quem é colecionador, sabe o valor histórico dessas peças”, ressalta.
No caso da camisa da Alemanha, o bancário admite que o lado emotivo também pesou, já que para o Mundial do Brasil a Adidas criou um uniforme rubro-negro semelhante ao do Flamengo. “Se tivessem me oferecido a camisa branca da Alemanha, eu não teria adquirido”, afirma.
Hermínio explica que não dá para saber se a bola da semifinal foi uma das que entrou sete vezes no gol de Julio César e nem se a da decisão foi a que o atacante Mario Götze garantiu o tetra alemão na vitória por 1 a 0 na prorrogação contra a Argentina. “Em média, cada partida de Copa tem 20 bolas. Não sei se as minhas foram decisivas nessas partidas. Mas tenho certeza de que elas foram para os jogos por causa do match date [inscrição nas bolas e nos uniformes em que constam os nomes das seleções e a data do jogo]”, explica.
O curioso é que no caso da camisa de Boateng é justamente a ausência do match date o que dá mais credibilidade ao uniforme. No intervalo do jogo no Mineirão, os jogadores alemães trocaram de camisa e retornaram ao gramado sem a inscrição no peito.
“A camisa chegou com um cheiro muito forte de suor, o que, nesse caso é bom, porque comprova que foi usada. Depois, fui conferir jogador por jogador e realmente no segundo tempo nem todos tinham o match date no uniforme. Só tinham a inscrição na camisa os que entraram substituindo alguém, o que não foi o caso do Boateng”, explica.
A reportagem foi conferir as fotos da decisão e, realmente, a maioria dos atletas, incluindo o lateral do Bayern de Munique, não têm a inscrição com a data do jogo na camisa na segunda etapa do confronto. “Essa foi a única falha logística da Alemanha e da Adidas em todo o Mundial”, reforça Hermínio, que também mandou confeccionar na fornecedora oficial da CBF à época uma réplica da flâmula do 7 a 1. “Eles só fizeram essa réplica porque eu enchi muito o saco. Foram dois meses de e-mails diários à fábrica no Rio de Janeiro”, aponta.
Paixão rubro-negra
Além das peças da Copa de 2014 e da Olimpíada de 2016, visitar o acervo de Hermínio é uma pequena viagem pela história do Flamengo e do futebol sul-americano. Só do maior ídolo rubro-negro, Zico, são quatro camisas: de 1974, 1977, 1985 (ano em que o Galinho voltou da Udinese, da Itália) e 1989 (ano em que o camisa 10 se despediu da Gávea). Tem também uma camisa usada por Romário em 1998 e o uniforme que Zagallo vestiu na campanha do título de 1953, o primeiro do tri carioca.
Mas são duas peças que realmente tiram do sério os flamenguistas que visitam a casa no Bacacheri. Na parede, está pendurada a súmula do jogo em que Zico marcou o primeiro gol pelo Mengão. Foi no empate em 1 a 1 com o Bahia, na Fonte Nova, em 11 de agosto de 1971, pelo Brasileirão. “Essa consegui graças a um grande amigo de Salvador que estava garimpando a súmula do título do Bahia na Copa Brasil de 1959. Naquela época, a súmula era feita pelo time mandante e ele encontrou várias do Bahia jogadas no porão de um ex-funcionário”, explica Hermínio.
A segunda peça rubro-negra que se destaca é a camisa que o goleiro paranaense Raul Plassmann vestiu na final da Libertadores de 1981, diante do Cabreloa, do Chile, na terceira partida decisiva em Montevidéu, Uruguai. Peça que emocionou o próprio Raul, que, da carreira de jogador, guarda apenas a medalha do título Mundial de 1981.
“Quando mostrei a camisa para o Raul, ele pediu uma caneta para autografar. Eu não gosto que autografem minhas camisas, porque tento mantê-las o mais original possível. Mas nesse caso não tive como negar. A emoção dele era verdadeira e eu não podia dizer não a um dos meus ídolos”, explica.
Apesar do apreço que tem por todas as peças do Flamengo, Hermínio já chegou a se oferecer para doar todo o acervo ao clube. Mas a resposta que veio da Gávea não foi nada empolgante. “Eles responderam ‘manda para cá e a gente vê o que faz com as camisas’. Desisti na hora. Se é para tratar assim a história do clube, melhor ficar tudo aqui em casa mesmo”, reclama Hermínio, que tem um sonho: adicionar à coleção uma das camisas usadas pela equipe no título mundial de 1981, diante do Liverpool. “Essa é quase impossível de achar, porque ou está na mão de colecionadores que não vão se desfazer dela, ou com os próprios jogadores”, resigna-se.
Sangue latino
O acervo de Hermínio guarda ainda algumas raridades do futebol brasileiro e sul-americano. ”Eu gosto de assistir à Liga dos Campeões. Mas o que eu gosto mesmo é daquele clima de Libertadores, de briga, de guerra”, explica.
De conquistas de Libertadores, ele guarda a camisa do Corinthians do volante Paulinho na final de 2012 com o Boca Juniors, a do volante Tinga, do Internacional, na decisão de 2006 com o São Paulo, além da bola da decisão entre o colombiano Atlético Nacional e o equatoriano Independiente del Valle na última edição. Há também uma camisa do Cruzeiro do título de 1997 e uma de Ronaldinho Gaúcho na campanha vitoriosa do Atlético-MG em 2013.
De Mundiais de Clubes, duas relíquias: a camisa do zagueiro uruguaio Lugano no título do São Paulo diante do Liverpool em 2005 e a do atacante Emerson Sheik na conquista do Corinthians contra o Chelsea em 2012.
A Chapecoense, que se tornou o segundo time de grande parte de torcedores sul-americanos após o acidente aéreo que vitimou quase toda a equipe em 2016, Hermínio guarda duas flâmulas. Uma do jogo em Buenos Aires das quartas de final da Copa Sul-Americana de 2015 contra o River Plate e outra da mesma fase de 2016 contra o Independiente.
Mas no caso da equipe catarinense, o maior motivo de orgulho não está na sua casa. Sabendo que uma colega de trabalho é de Chapecó e o marido é torcedor do Grêmio, Hermínio movimentou seus contatos para ajudá-los. Conseguiu para eles a camisa do Tricolor Gaúcho do título da Copa do Brasil de 2016 que tinha o escudo da Chape em homenagem às vítimas do acidente aéreo. “Sempre fico feliz quando ajudo algum amigo do trabalho, alguém que não é colecionador, a conseguir uma camisa diferente”, admite.
Há até espaço para um pouquinho de futebol paranaense na coleção. Hermínio tem uma das camisas que o Atlético Nacional jogou com o Coritiba no Couto Pereira nas quartas de final da Sul-Americana de 2016. O bancário tem também a medalha de vice-campeão e a bola usada na Arena da Baixada na decisão da Copa do Brasil de 2013. Mas essas peças ele guarda não pelo Atlético. Obviamente ambas estão no acervo de Hermínio por causa do Flamengo, que venceu o Furacão na decisão daquele ano.
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