Uma das poucas coisas que se pode dizer sobre o futuro da Premier League após o referendo que aprovou a saída do Reino Unido da Comunidade Europeia é que, seja lá o que aconteça, vai demorar.
Ainda que exista pressa de governantes e do mercado por definições mais rápidas, o processo de saída pode durar até 10 anos, o que em anos de futebol é muito, muito tempo. Até lá o Neymar já vai estar encerrando a carreira e a maioria dos jogadores que hoje jogam na Premier League não serão os mesmos.
Outro ponto importante é deixar claro que o Reino Unido sairá da Comunidade Europeia, mas Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales ainda farão parte da Uefa. Tirando a burocracia para pedir vistos para atletas e torcedores, o efeito da Brexit (Britain + Exit) para participação das seleções desses países na Eurocopa e dos clubes na Champions League é praticamente nulo.
Apesar disso, já é possível imaginar que para os clubes e para a Premier League como um todo, o primeiro, maior e mais evidente impacto deverá ocorrer no recrutamento de atletas internacionais pelos clubes, e isso poderá gerar um ciclo vicioso nas finanças que poderá ser difícil de reverter.
É cedo ainda para imaginar como as regras de imigração britânicas serão alteradas até o final do processo de saída, mas é de se imaginar que haverá restrições pesadas para controle de trabalho de comunitários – um dos pilares centrais da campanha Leave. Seguindo as atuais regras para jogadores estrangeiros, que leva em conta número de partidas pela seleção do país e algumas coisas além, mais de 100 dos 161 jogadores europeus que disputaram a última Premier League não seriam elegíveis para entrar no país.
A perda de tantos atletas Europeus e a dificuldade de recrutar novos talentos faz com que a liga como um todo tenda a perder atratividade e gerar um efeito em cascata, afetando o seu valor de mercado para a audiência internacional, responsável por mais da metade da verba dos direitos de transmissão, e também reduzindo o apelo a grandes patrocinadores globais.
Essa perda de valor pode implicar também na saída de investidores, o que reduziria o capital disponível dentro dos clubes para arcar com os valores da contratação de grandes atletas. O Manchester United, listado na Bolsa de Nova Iorque, depende das receitas comerciais globais para se sustentar. Um movimento inverso brusco pode acarretar, em um cenário um pouco apocalíptico, na queda brusca das ações e na falência do clube. O Watford, por outro lado, faz parte de um grupo familiar italiano que também é dono da Udinese e que só comprou o clube pela possibilidade de levar atletas europeus para a Premier League. Esse tipo de modelo de negócio, que usa o campeonato inglês no topo da escada de valorização de atletas, invariavelmente também será afetado.
Ainda que grandes atletas de renome continuem a ser contratados, são justamente os clubes como Watford que serão mais afetados, uma vez que eles dependem mais de atletas mais jovens e desconhecidos. Nesse cenário, o Leicester City, por exemplo, não conseguiria contratar Mahrez, Kanté e Huth, todos peças-chave no título da liga desse ano.
Por fim, o contexto macroeconômico do Reino Unido como um todo terá um papel fundamental no desenho do futuro da Premier League. Se a previsão pré-campanha dos economistas de fato se realizar e o país entrar em uma longa recessão econômica, vai ser difícil que os clubes ingleses consigam se manter como os clubes mais ricos do mundo. Uma eventual queda no valor da libra frente ao Euro dará mais poder de barganha para clubes principalmente da Espanha e Alemanha, o que reduzirá ainda mais a atratividade internacional da Premier League.
Nesse momento, qualquer previsão sobre o futuro da liga e do próprio Reino Unido é bastante incerta e especulativa. Ainda levará um tempo para as coisas se alinharem de modo que seja possível entender a fundo as consequências reais da saída da Comunidade Europeia. A única coisa que se pode dizer, porém, é que existem poucas razões para otimismo. O futuro da Premier League não parece ser dos melhores.