Apitar ou bandeirar uma partida da primeira divisão do Campeonato Paranaense tem sido tarefa exclusiva para homens. Nos últimos três anos, nenhum dos duelos da elite regional teve presença feminina no trio de arbitragem.
Em 2016, a participação delas ficou restrita às divisões inferiores. Mesmo assim, de maneira escassa, em dois jogos da Série Prata e um da Bronze, até o momento. Panorama que comprova: a participação feminina no apito local é raridade. E o protagonismo, um sonho ainda distante.
Atualmente, são cinco registradas no quadro da Federação Paranaense de Futebol (FPF): a árbitra Edina Alves Batista e as auxiliares Denise Akemi, Simone Nascimento, Tatiele de Quadros Fernandes e Sandra Maria Dawies.
OPINIÃO: Presidente da Comissão de Arbitragens da FPF vê desinteresse das mulheres
“O problema é o Afonso Victor de Oliveira”, diz pioneira da arbitragem no Paraná
Leia a matéria completaElas uniformizam o discurso: para alcançar o sucesso em um meio historicamente masculino — e machista — é preciso superar a desconfiança e a discriminação. “No começo, não vou mentir, tinha muito preconceito”, conta Sandra, 43 anos, a mais experiente delas. Neste ano ela completa uma década como bandeira.
“Com o tempo, vamos criando um vínculo, um nome, e isso gera respaldo. O machismo caiu bastante. Teve uma reeducação. Mas sempre tem uma piadinha ou outra. Nos mandam ir lavar louça, aquelas coisas”, prossegue a única das assistentes da FPF a constar no quadro da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).
Denise, que bandeirou jogos da Série Prata, reforça. “No começo, acontecia muito isso. Diziam que meu lugar era em frente ao fogão ou na cozinha lavando louça”, relembra a assistente de 29 anos, formada na turma de 2012 da Escola de Árbitros da FPF.
“A gente brinca que, com a maioria dos árbitros, é a mãe deles que é xingada. Mas, no caso da mulher, nós mesmas somos o alvo. Existe ainda o preconceito de que mulher no futebol é sempre homossexual e não tem nada disso”, prossegue.
O machismo caiu bastante. Teve uma reeducação. Mas sempre tem uma piadinha ou outra. Nos mandam ir lavar louça, aquelas coisas
Para Simone, 28 anos, que vem trabalhando em partidas de categorias de base, futebol amador e na Série Bronze, a dificuldade para as mulheres na arbitragem é uma realidade impossível de ser evitada. “Mas nunca tive nenhum problema nesses dois anos em que estou atuando”, ressalva.
Já Tatiele, 25 anos, relata um episódio de violência. “Tem aquele lado machista. Uma vez, anotei um pênalti e o jogador que havia colocado a mão na bola veio em direção a mim e me empurrou. Eu cheguei a cair de costas no chão. Se eu fosse homem, acho que ele não teria feito isso”, conta, sobre a experiência vivida no futebol amador do interior do estado.
Teste físico
Para apitar ou bandeirar no futebol masculino profissional, as mulheres são submetidas aos mesmos testes físicos aplicados aos concorrentes homens e exigidos pela CBF.
“Para ser escalada, você tem de passar no teste masculino. É um teste que já é pesado para os homens. Para as mulheres, acaba sendo ainda mais difícil”, analisa Simone.
Para a colega Denise, no entanto, este não é o maior dos desafios para prosperar na área. “O teste a gente tira de letra”, assegura. “Ainda existe o medo de dar oportunidade para as mulheres. Falta um pouco de compreensão da Comissão de Arbitragem”, opina.
Cenário nacional
A escassez de mulheres na arbitragem paranaense contrasta com a ascensão feminina no cenário nacional. Das 26 rodadas disputadas até agora na Série A, 14 contaram com mulheres no trio do apito — todas como auxiliares. Destas, um nome é unanimidade como inspiração para as paranaenses: Nadine Schramm Câmara Bastos, da Federação de Santa Catarina.
“Logo que comecei, citaram para mim o exemplo da Nadine, por ela ser dentista assim como eu”, conta Simone, que se formou e trabalha como cirurgiã dentista, assim como a colega mais famosa do estado vizinho. “Só de vê-las atuando na Série A, dá um gás a mais para a gente. Você vê que é possível chegar lá também”, reforça Denise.
Federação Paranaense de Futebol: “falta de interesse”
No total, 80 mulheres aparecem registradas no quadro da CBF. Apenas duas são ligadas à FPF: Edina e Sandra. Para o presidente da Comissão de Arbitragem da FPF, Afonso Victor de Oliveira, a falta de representatividade feminina no estado tem uma razão bastante simples. “É falta de interesse delas”, opina.
“Não posso falar por elas, não sei o que pensam, se não se sentem bem, o que eu posso falar é que não há interesse”, reforça. Sobre a única árbitra local, Edina Alves Batista, Oliveira explica que irá demorar até que ela ganhe uma chance na elite local. “Ela tem de ir subindo, passando por etapas, não vai ganhar chance no próximo Estadual”, assegura, sobre a profissional que já apitou um jogo da Série D do Brasileiro neste ano.
É falta de interesse delas [das mulheres, em apitar jogos de futebol]. Não posso falar por elas, não sei o que pensam, se não se sentem bem, o que eu posso falar é que não há interesse
Por fim, Oliveira opina que a maior presença de mulheres na arbitragem nacional seria benéfica para o futebol brasileiro. Mas revela certo ceticismo. “Facilitaria até na nossa cruzada pelo respeito em campo. Temos de ver. Quem sabe nos próximos anos dê certo. Mas as experiências que tivemos no passado não deram certo”, complementa.
Procurado, o diretor da Escola de Árbitros da FPF, o ex-auxiliar José Carlos dos Passos, preferiu não se manifestar.
Associação dos Árbitros do Paraná
Para o presidente da Associação Profissional dos Árbitros de Futebol do Paraná (Apaf-PR), o árbitro Adriano Milczvski, a nova geração de árbitras e assistentes paranaenses pode alterar o atual cenário de escassez.
“Hoje temos a Edina, que é árbtira FIFA, e a Sandra, assistente CBF. Já são experientes. As outras ainda estão em fase de amadurecimento. Mas quem sabe em breve poderemos ter o estado representado por um trio feminino a nível nacional. Por que não?”, indaga.
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