No último domingo (26), o sol brilhava em um céu sem nuvens para aquecer Curitiba em pleno inverno a uma temperatura acima dos 20°C, algo raro nessa época do ano. O clima convidativo podia ser comprovado pelo volume de pessoas tomando cerveja gelada ao redor do Estádio Couto Pereira antes da partida entre Coritiba e Corinthians: para onde quer que se olhasse havia gente com um copo na mão.
No bar que fica na esquina das ruas Amâncio Moro e Mauá, uma hora antes do jogo já não cabia mais ninguém. As cadeiras haviam sido ajeitadas em cima das mesas para liberar espaço, mesmo assim mais de cem pessoas ficaram para fora do estabelecimento.
Mais cedo ainda, vendedores ambulantes, sem licença, tentavam driblar a fiscalização da Polícia Militar ao redor do estádio. A maioria deixa a mercadoria dentro de carros nas ruas próximas ao estádio e circula apenas com o suficiente para levar dentro de uma sacola ou pequeno isopor, vendendo latas de cerveja que não passam de R$ 2 nos supermercados por cinco ou até seis reais a unidade.
Um dos vendedores portava apenas uma pequena mochila e um cartaz anunciando “Água, Cerveja e Refrigerante”. Caso a fiscalização apertasse, era só recolher a mochilinha e o cartaz e se misturar à multidão.
Um outro vendedor, com dez anos de experiência no ‘ramo’, que preferiu não se identificar, disse que a venda passou a valer a pena desde que a comercialização foi proibida dentro dos estádios. Segundo ele, que posicionou um isopor cheio na entrada da torcida do Corinthians, na esquina da Ubaldino do Amaral com a Floriano Essenfelder, em dia de jogo grande, como era o caso, é possível vender até cerca de 200 latinhas. É um faturamento de R$ 1.000 em uma tarde de trabalho.
Cássio Salgado, proprietário do Salty Bar, localizado praticamente atrás do setor Pro Tork, estima que nos grandes jogos atenda a 250 pessoas. O seu bar só vende cervejas especiais, feitas artesanalmente, ou marcas importadas. “É um público diferente do que enche a cara antes das partidas. Eles vêm aqui para tomar uma ou duas cervejas e saem tranquilos para o jogo”, afirma. Aberto em janeiro de 2014, o bar sinaliza, segundo seu dono, a crescente elitização do futebol. “O público que hoje em dia vem ao estádio e tem dinheiro para comprar o ingresso pode comprar uma cerveja especial”, diz.
O advogado Reginaldo Baitler, de 40 anos, torcedor do Coritiba, chegou ao estádio de copo na mão, junto com o amigo Daniel Kloss, 42. Os dois se posicionaram contra a proibição da venda de cerveja dentro dos estádios. “A violência dentro do estádio é raríssima. É impossível identificar se o excesso é de dentro ou de fora. Quando houve a invasão, em 2009 [no jogo contra o Fluminense, quando o Coritiba foi rebaixado], não foi causada pelo excesso de cerveja.” Segundo Baitler, a maioria toma cerveja com moderação. “Nós bebemos durante encontro de amigos, da família, e não saímos por aí agressivos. Quando era liberado no estádio, a gente tomava uma no intervalo e estava bom”, lembra.
Oberdan Debatin, comerciante que veio de Brusque para ver o Corinthians, também é contra a proibição. “Acho que a violência não tem nada a ver com a bebida”, acredita.
Proibida desde 2008, graças a um acordo entre a CBF e o Conselho Nacional dos Procuradores de Justiça, a venda de cerveja nos estádios foi sepultada definitivamente em 2010, com a promulgação da lei 12.229, que alterou o Estatuto do Torcedor, incluindo um artigo afirmando que passava a ser proibido portar “bebidas suscetíveis de gerar ou possibilitar atos de violência”.
Porém, durante a Copa do Mundo, a venda foi liberada, contrariando o Estatuto. A presidente Dilma Rousseff sancionou em 2012 a chamada Lei Geral da Copa, permitindo o consumo da bebida dentro dos estádios. A proibição não caiu à toa. Aconteceu graças à intensa pressão da Fifa, que tinha entre seus patrocinadores a empresa norte-americana Budweiser.
A falta de incidentes violentos graves durante a Copa foi um dos motivos apontados pelo vereador Pierpaolo Petruzziello (PTB) para propor, juntamente com mais oito vereadores, um projeto de lei que volte a permitir a venda de cerveja nos estádios de Curitiba. “Na Copa do Mundo houve violência zero. Será que o problema é mesmo a cerveja?”, questiona o vereador. “Não podemos criminalizar o torcedor. Que o torcedor pego em algum ato de violência seja identificado e punido como o Estatuto do Torcedor já prevê”, apoia.
O projeto já passou por todas as comissões da Câmara Municipal e deve ser votado ainda na primeira quinzena de agosto. Se for aprovada, a lei não vai liberar por completo o consumo. O texto prevê o consumo apenas antes do início, durante o intervalo, e até 30 minutos após o término da partida.
Mesmo sem entrar em vigor ainda, a medida já encontra opositores na Polícia, no Ministério Público e na própria Câmara. O Ministério Público argumenta que o projeto é inconstitucional.
“O artigo 13-A II do Estatuto do Torcedor [o que afirma ser proibido portar bebidas suscetíveis de gerar violência] proíbe”, aponta Maximiliano Ribeiro Deliberador, da Promotoria do Consumidor do Ministério Público do Paraná. “Também houve diminuição dos casos policiais. Segundo dados da Demafe [Delegacia Móvel de Atendimento ao Futebol e Eventos da Polícia Civil do Paraná], houve uma diminuição na ordem de 60% das ocorrências policiais no interior dos estádios já no primeiro ano da proibição”, cita.
De acordo com o delegado Clóvis Galvão, chefe da Demafe, “o perfil do torcedor brasileiro é do sujeito que se reúne em casa, bebe, e quando chega ao estádio bebe ainda mais, aumentando seu teor alcoólico”.
Ele confirmou a queda de 60% nos incidentes dentro dos estádios após a assinatura de um acordo (Termo de Ajustamento de Conduta) entre os clubes da capital e o Ministério Público, mas não forneceu as estatísticas até o fechamento desta reportagem.
“A lei é constitucional, sim”, contesta Pierpaolo. “O Estatuto do Torcedor é muito genérico quando fala de bebidas. Pode estar se referindo apenas ao ato de vender garrafas de vidro”, enfatiza.
Outras localidades do Brasil já entenderam o mesmo. A Assembleia Legislativa de Minas Gerais aprovou uma lei derrubando a proibição. Se o governador Fernando Pimentel a sancionar, a cerveja volta aos estádios já em agosto. Na Bahia, terra da ex-Fonte Nova, atual Arena Itaipava, a venda já foi aprovada pela Assembleia e os torcedores já podem desfrutar da gelada.
Em Curitiba, o principal opositor ao retorno da bebida é o vereador José Carlos Chicarelli (PSDC). Ele tem seu próprio projeto de lei proibindo a entrada de pessoas alcoolizadas nos estádios. “Eu esperava que os dois projetos pudessem caminhar juntos, já que para o outro lado seria interessante que só se consumisse cerveja dentro do estádio, e não fora”, explica. A proposição de Chicarelli, no entanto, prevê o uso de bafômetros na entrada dos estádios para barrar os beberrões.
“Só causaria tumulto para o acesso”, contrapõe Maximiliano, do Ministério Público. “Isso é um absurdo, não temos bafômetro nem para a polícia usar nas blitze de trânsito”, reclama Pierpaolo. Chicarelli afirmou até entender o ponto de vista do companheiro, mas já avisou: “Vou votar contra o projeto dele”.
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