Relato
Em 1999, o atacante Tuta, ex-Atlético e Coritiba, ganhou as manchetes do mundo todo ao participar de um jogo suspeito de armação pelo Campeonato Italiano.
"Marquei um gol aos 45 do segundo tempo e quase ninguém do meu time comemorou"
"Era um jogo entre o Veneza, meu time na ocasião, e o Bari. Eu estava no banco de reservas. Fizemos 1 a 0 no primeiro tempo. Na volta do intervalo deu uns 15 minutos e o adversário empatou. Depois ninguém atacava mais. Jogo pra lá, pra cá, morno.
Aí o treinador chamou um meia-ofensivo, que aqueceu e não entrou, foi para o vestiário. Achei estranho, nunca vi isso. Perguntei para o Fabio Bilica, outro brasileiro que estava no banco, e ele também não entendeu.
Faltando 10 minutos, o treinador me chamou. Eu queria jogar, pois tinha ficado duas partidas fora. Entrei, correndo, cheio de disposição. Falta na intermediária, subi e marquei de cabeça: 2 a 1.
Os caras do Bari começaram a me xingar, pensei que eles estavam p... da vida pois fiz o gol aos 45 do segundo tempo. Do meu time quase ninguém comemorou também. Só o Bilica.
Acabou o jogo e o capitão do Bari foi pra cima do capitão do meu time, começaram a se empurrar, se xingar, palavrão em italiano... Eu entendi essa parte, pois xingamento em outra língua a gente aprende rapidinho. Acho que eles [jogadores das duas equipes] que combinaram tudo. Era para ser um jogo armado, com placar combinado.
Fui sorteado para o exame antidoping e um jogador do Bari bateu no meu rosto, o quarto árbitro viu que ia dar confusão e me tirou para fora do túnel. No fim das contas, tudo acabou em pizza".
Denúncias
Diante do novo escândalo, a Fifa agiu rápido e inaugurou um novo mecanismo de denúncias pela internet de manipulação de partidas. Na página, é possível comunicar possíveis infrações ao Código de Ética da entidade com segurança e confidencialidade.
De acordo com o comunicado da Fifa, trata-se de um esforço para fortalecer a governabilidade no futebol. O site, administrado por uma empresa externa chamada Business Keeper AG, pode ser acessado no endereço: https://www.bkms-system.net/FIFA. As denúncias de infrações serão encaminhadas diretamente a Michael Garcia, presidente da Comissão de Ética da Fifa.
O escândalo de manipulação de resultados revelado pela Polícia da União Europeia (Europol) fez ressurgir a mais assustadora das ameaças ao futebol. De acordo com a entidade, 680 partidas espalhadas pelo mundo todo são suspeitas de fraude para favorecer apostadores via internet.
Caso gravíssimo que assusta, mas não chega a preocupar o futebol paranaense. "Confio na nossa arbitragem, contamos com gente de boa índole e temos sido muito rigorosos no controle", garante Hélio Cury, presidente da Federação Paranaense de Futebol (FPF).
Atualmente, a entidade dispõe de uma ouvidoria (via site oficial) para denúncia ou informação que possa levar suspeita sobre determinada partida. "É o canal que nós temos para isso e até hoje não recebemos nada do tipo".
Presidente da Comissão de Arbitragem da FPF, Afonso Vítor de Oliveira também confia na imunidade do Paraná em relação à praga dos "arranjos" de placares. "Conheço muito bem o meu quadro, os 285 árbitros, os dirigentes, os jogadores, fico sossegado hoje", diz ele, à frente do setor desde janeiro de 2006.
Não faz muito tempo, no entanto, o estado acabou atingido por um esquema de fabricação de resultados, o "Caso Bruxo", estourado em 2005. Na mesma temporada, foi revelado outro plano do tipo no país, que envolveu o árbitro Edílson Pereira de Carvalho (leia mais nesta página).
Apesar da recorrência, jogadores e técnicos são sempre cautelosos ao tratar do tema, tabu entre eles. O atacante do Coritiba, Júlio César, é uma exceção. "Há três anos eu estava na Turquia [no Gaziantepspor] e um dia cheguei ao centro de treinamento e vi atletas, companheiros meus, saindo presos. Foi assustador", relembra.
Técnico do Paraná, Toninho Cecílio nunca viveu algo semelhante. E revela qual seria sua reação se recebesse uma proposta "indecorosa". "Pediria demissão no ato."
Para o paranista, o importante agora é punir os responsáveis pela trama que pode ter rendido 8 milhões de euros (R$ 21,1 milhões) aos criminosos, que teriam gasto 2 milhões de euros (R$ 5,2 milhões) em propinas. "A maioria das pessoas que participa do futebol é gente honesta, que não aceita esse tipo de coisa", comenta.
Entretanto, o presidente da Fifa, Joseph Blatter, prefere adotar um discurso cético sobre os desdobramentos. "Nós estamos em um jogo e em um jogo sempre há trapaças. As trapaças nunca vão acabar. Também sabemos que é muito difícil pegar estas organizações", declarou, em entrevista coletiva na Mauritânia.
Um dos complicadores é a diferença entre as legislações. No Brasil, por exemplo, os sites de apostas são proibidos. Entretanto, os brasileiros jogam livremente em páginas hospedadas em outros países na Espanha, França, Reino Unido, Itália, entre outros, a jogatina virtual é liberada.
A Europol ainda não tratou sobre em quais crimes os envolvidos podem ter incorrido, bem como detalhes sobre os jogos suspeitos, para não prejudicar as investigações. No mesmo sentido, a Polícia Federal brasileira optou por não se manifestar sobre possíveis participações de clubes do país na armação.
A reportagem tentou repercutir o assunto com o Atlético. A assessoria do clube, porém, negou o pedido.
Legalização das apostas atenua risco, diz governo
Uma comissão do Ministério do Esporte está preparando um relatório no qual defende a regulamentação das apostas esportivas pela internet no Brasil. O estudo propõe a criação de uma agência de controle com mecanismos de fiscalização para barrar a manipulação de resultados.
Os sites de apostas pela internet são proibidos no Brasil, o que não impede que os brasileiros participem. "Hoje cerca de R$ 2 bilhões circulam por ano pelos sites internacionais provenientes do nosso país. Ou seja, é algo que já existe, mas não é regulamentado", analisa Pedro Trengrouse, relator do documento e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, do Rio de Janeiro.
De acordo com Trengrouse, a regulamentação ajudaria a detectar uma possível armação. "A agência facilitaria a detecção de apostas fora do padrão [as zebras], que é um indício, e algo poderia ser feito antes mesmo da partida", afirma.
Nos próximos meses, a Caixa Econômica Federal deve apresentar uma proposta para o funcionamento do nosso sistema de apostas esportivas pela internet. No entanto, para entrar em vigor, será preciso alterar a lei que trata do tema.
HISTÓRICORelembre alguns casos em que a manipulação de resultados no futebol acabou comprovada:
No Brasil
Caso Edílson (2005)
O árbitro Edílson P. de Carvalho encabeçou um esquema para favorecer apostadores da internet. Onze jogos do Nacional foram refeitos. Edilson e Paulo Danelon (outro juiz envolvido) foram banidos do futebol e denunciados por estelionato, formação de quadrilha e falsidade ideológica.
Caso Bruxo (2005)
Escândalo paranaense denunciado pelo dirigente do Operário, Sílvio Gubert, que admitiu o pagamento de propina para evitar que o clube fosse prejudicado. À ESPN Brasil, o dirigente confirmou dar R$ 2 mil ao chamado "Bruxo", alguém ligado à arbitragem. A Justiça Desportiva eliminou 6 dos 13 envolvidos.
Máfia da Loteria 1982
A Revista Placar denunciou rede de manipulação envolvendo a Loteria Esportiva. Jogadores, técnicos, dirigentes e árbitros se empenhavam em fabricar placares inesperados visando favorecer apostadores. Foram denunciadas 125 pessoas. Ninguém foi preso.
Na Europa
Calciocommesse (2011)
Acertos para beneficiar apostadores terminou com a suspensão do técnico Antonio Conte, da Juventus, do lateral Criscito e na prisão de Stefano Mauri, da Lazio. Jogadores famosos como o goleiro Buffon, o zagueiro Cannavaro e o volante Gattuso foram citados, mas nada foi provado.
Calciopoli (2006)
Cinco clubes da Série A do Italiano, Milan e Juventus entre eles, participavam de acertos envolvendo dirigentes e árbitros. O escândalo fez a Juventus perdesse os títulos de 2005 e 2006 e acabasse rebaixada à Segunda Divisão. Milan, Lazio, Fiorentina e Reggina largaram na temporada seguinte com menos pontos.
Totonero (1980)
Máfia de apostadores aliciava jogadores, árbitros e dirigentes para combinar resultados das partidas do Totonero, uma loteria esportiva clandestina. O atacante Paolo Rossi foi um dos 37 denunciados. As punições se restringiram à Justiça Desportiva.