Provavelmente, em nenhuma cartilha do futebol está escrito que os ingredientes a seguir compõem a receita de um time vitorioso. Um clube sem dinheiro que escalou jogadores em fim de carreira, aposentados convencidos a retornar, coadjuvantes inexpressivos e até um eletricista. Pois foi assim que o América assegurou sua volta à primeira divisão carioca, de onde fora rebaixado em 2011, num 2 a 0 sobre o Americano, nesta quarta-feira (15).
Mais do que o acesso, o clube jogava a sua salvação na tarde abafada de Édson Passos, diante de mil esperançosos torcedores.
R$ 60 milhões
O tamanho da dívida do América-RJ, clube quase sem receita e com uma camisa sem patrocínio. Atualmente, as despesas mensais de R$ 400 mil, das quais R$ 100 mil são os salários do time, são cobertas por torcedores, incluindo aí o presidente. Ele próprio assegura: todos receberão o dinheiro de volta.
A luta pela sobrevivência se baseia em dois pilares: um é concluir o projeto que cederá a sede da rua Campos Sales, no Andaraí, a uma construtora que erguerá um shopping em troca do pagamento dos débitos e de uma receita mensal. O outro dependia da volta à Série A carioca, único meio de recuperar visibilidade e atrair dinheiro.
“A sede estava destruída. O clube ia fechar as portas. Fomos buscar atletas arquivando as chuteiras e fizemos testes. Vinham jogadores pedindo para treinar”, conta o presidente Léo Almada.
150 jogadores
Participaram de uma das peneiras do clube para formar o elenco da Segunda Divisão carioca. Até um estreante no profissional foi aprovado.
O meia Darlan corria sem direção pelo campo em meio à festa. O sonho de ser jogador parecia ter terminado para ele nas divisões de base. Casado e pai de um filho, viu a vida real obrigá-lo a trocar o campo pela carreira de eletricista. Ao saber da peneira do América, comandada pelos ex-jogadores Arturzinho e Edu Coimbra, irmão de Zico, decidiu tentar. Em janeiro deste ano, fez seu primeiro contrato profissional, aos 26 anos.
Eu já tinha desistido. É difícil começar no futebol nesta idade. Tinha família, filho, precisava trabalhar, mas eles me incentivaram a tentar de novo.
O bonito chute no ângulo que abriu o caminho da vitória veio de um herói improvável. Léo Rocha se divorciara do futebol após virar personagem nacional da forma mais indesejada. Corria a Copa do Brasil de 2012 e o confronto contra o Botafogo era a grande chance de mostrar serviço para o então jogador do Treze, de Campina Grande. Após o empate no tempo normal, coube a Léo Rocha o pênalti final. A cavadinha frustrada foi aparada com uma das mãos e sem qualquer esforço por Jefferson. O lance virou gozação em rede nacional e trauma.
“Fiquei dois anos sem jogar. Decidi que precisava refletir, ficar com a família. Eu precisava parar. Mas o Arturzinho me chamou e decidi recomeçar. Estou muito feliz”, disse o camisa 10, tratado como estrela do jogo decisivo.
Com Somália, 38 anos, a história foi outra. Aposentado no ano passado após defender o Bonsucesso, foi convencido a voltar com “tratamento VIP”: os americanos que ajudam o clube alugaram para ele um apartamento em Nova Iguaçu. Só dorme nos beliches do alojamento sob a arquibancada nas noites de concentração.
“Vim ver como era o América e encontrei um clube pagando em dia, com concentração, salário. Reunimos jogadores com muita história. E eu disse: se temos algo para mostrar no futebol, é agora”, conta. “Estou tão alegre quanto no título paulista [de 2004] pelo São Caetano. Fica na minha história. O alojamento aqui, embaixo da arquibancada, me fez sentir como aos 12 anos, quando eu começava no América Mineiro.”
O ex-Fluminense é apenas um dos veteranos ou quase aposentados a que o América recorreu. Lembrado pelos três gols pelo Flamengo na final contra o Vasco em 2004, o atacante Jean, 33, estava inativo desde a saída do Macaé, no ano passado. O meia Abedi, ex-Vasco, tinha encerrado a carreira aos 36 anos, mesma idade do zagueiro Fábio Braz.
Mas não seria futebol brasileiro se não incluísse troca de comando na reta decisiva. Antes das finais do segundo turno, o técnico Arturzinho foi demitido, e o coordenador Edu Coimbra resolveu sair junto. O ex-goleiro Ricardo Cruz assumiu o time e permanece interino.
O acesso foi como um grito de libertação. Na arquibancada, velhos e jovens choravam. E sonhavam com a volta aos grandes dias. Ao microfone, o presidente anunciava: vai tentar levar a decisão do título da Série B com a Portuguesa da Ilha, no dia 25, para o Maracanã. Foi no estádio que o clube seu último título estadual, em 1960, e cumpriu a histórica campanha do Brasileiro de 1986, quando só caiu na semifinal para o campeão São Paulo.
Com a perspectiva de dias melhores, o charme americano atrai até quem já esteve na cúpula do futebol brasileiro. No camarote Edevair Faria, homenagem ao pai de Romário, Léo Almada e os conselheiros tiveram a companhia de Marco Antônio Teixeira, que foi secretário geral da CBF por 20 anos. A pergunta é inevitável: o senhor torce pelo América?
“Meu time é o Cruzeiro. Estou acreditando no América do amanhã. Estou aqui voluntariamente. Hoje tenho tempo. Ajudo com minha experiência no futebol em questões de gestão, na adaptação à Medida Provisória...”, explica Marco Antônio, que conta ter se dedicado a cursos de gerência e de idiomas após sair da confederação em 2012, rompido com o sobrinho e atual alvo do FBI, Ricardo Teixeira.
R$ 4 mil
É o teto salarial do time. A regra é não faltar o básico. Não há luxos, como indica a cena final da tarde de Édson Passos: de joelhos no centro do campo, jogadores, comissão técnica e diretoria rezam. Segue-se um discurso de agradecimento do presidente Léo Almada. Ao final, um jogador pede a palavra: “Presidente, podemos ficar com a camisa do jogo?”
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