Investidor
Após mensalão, banco mineiro ganha o status de investidor no futebol
Em 2006, o BMG entrou para a história política brasileira como o banco do mensalão. No entanto, seis anos depois, quando dirigentes da instituição financeira foram condenados pelo envolvimento no escândalo, a imagem do BMG era diferente. Era a do banco onipresente em partidas de futebol no Brasil, com sua marca estampada na camisa de quase 40 clubes.
A mudança na imagem deveu-se a uma política agressiva de patrocínio, que preparou terreno para o BMG diversificar sua atuação no futebol. Desde 2009 o banco é dono do fundo de investimentos Soccer BR1. A exemplo da Traffic, o fundo tem um clube, o Coimbra, onde registra jogadores. E da mesma maneira que seus concorrentes, irriga os elencos e cofres de times por todo o país cedendo jogadores e fazendo empréstimo. No fim de 2011, eram R$ 253 milhões que o banco tinha a receber em empréstimos de times de diversos estados.
No segundo semestre de 2012, o BMG decidiu mudar sua estratégia. Passou a não renovar os contratos de camisa.
A atuação deve ser mais forte como fundo, via Soccer BR1. Os números mostram que a estratégia é acertada. Desde o seu registro na Comissão de Valores Mobiliários, pré-requisito para entrar na Bolsa de Valores, em 2009, o patrimônio líquido do fundo teve crescimento superior a 500%.
Memória
MSI-Corinthians: um caso de polícia no futebol brasileiro
O mais famoso caso de atuação de um fundo de investimentos no futebol brasileiro virou caso de polícia. O Media Sports Investment (MSI) firmou, em 2004, um acordo de dez anos com o Corinthians. Ao longo desse período, a empresa investiria na contratação de jogadores, construção de um estádio e melhora na estrutura de treinamentos do clube paulista.
Em 2005, tudo correu dentro do previsto, com a chegada de atletas como Tévez, Nilmar e Mascherano, fundamentais na conquista do título brasileiro daquele ano. A partir da temporada seguinte, porém, os problemas começaram a pipocar. O presidente corintiano, Alberto Dualib, e o representante da MSI no Brasil, Kia Joorabchian, entraram em briga aberta pelo controle do futebol. O fundo parou de injetar dinheiro no clube, que acumulou uma dívida de R$ 70 milhões.
A crise chegou ao ápice em 2007. O Ministério Público Federal abriu uma investigação para apurar a origem do dinheiro que o fundo punha no Corinthians. A conclusão foi que Kia Joorabchian era testa de ferro do magnata russo Boris Berezovski, que usava os investimentos no futebol brasileiro para lavar dinheiro. Berezovski fez fortuna nas privatizações que se seguiram ao fim do regime comunista na antiga União Soviética, tornou-se inimigo do presidente russo Vladimir Putin e foi encontrado morto na sua casa, em Londres, no mês passado.
A parceria foi desfeita após a MSI pagar uma multa de US$ 23 milhões. O fundo, porém, mantém seus tentáculos no país. Pini Zahavi, ex-sócio de Kia no MSI, é um dos proprietários do HAZ Sports Agency, em parceria com os argentinos Fernando Hidalgo e Gustavo Arribas. O trio mantém jogadores em diversos clubes e firmou uma parceria com o Macaé, pequeno clube do Rio, onde registra seus atletas.
Como em um jogo de azar, fundos de investimento se aventuram na aquisição de jogadores. Quanto maior o risco, melhores as chances de ganhar dinheiro com um promissor boleiro. "Somente o futebol te possibilita ter um rendimento de 1.500% em quatro meses", diz o investidor, deixando outro recado: "Mas de 90% a 95% dos garotos micam"
Guilherme Miranda reage com a estranheza de quem está diante de um extraterrestre ao ser questionado se o Ceará é aquele que jogou no Coritiba em 2003. "Eu não acompanhava muito futebol antes", explica. São duas informações sobre o lateral-direito, hoje no Cruzeiro, que realmente interessam a ele. O jogador foi seu primeiro investimento nos gramados e a venda dele do Internacional ao Paris-St. Germain, em 2007, rendeu 3 milhões de euros.
Formado em Direito e Administração, Miranda fazia pequenos investimentos em diversos setores. O futebol apareceu como apenas mais um segmento onde por dinheiro. O lucro rápido, porém, foi acima do esperado. E lhe abriu um novo mercado. A venda de Ceará marcou sua entrada no braço esportivo da DIS, sua sócia na negociação do lateral-direito.
Até então, a empresa comandada por Delcir Sonda era conhecida apenas no Rio Grande do Sul, por sua atuação no ramo de supermercados. Hoje, seis anos depois, é o mais proeminente fundo de investimentos atuando no futebol brasileiro. Guilherme Miranda é o diretor executivo da empresa, que tem no seu patrimônio o maior jogador brasileiro em atividade (Neymar) e o camisa 10 que mais remete à tradição de meias clássicos no país (Paulo Henrique Ganso).
A entrada dos fundos de investimento no jogo do futebol brasileiro foi um passo natural. A Lei Pelé criou as condições para que empresários ganhassem dinheiro com jogadores. Atuando invariavelmente sozinhos, contudo, os empresários sofriam com a falta de capital de giro. Precisavam de negociações imediatas para sustentar seu negócio.
No caso dos fundos, o respaldo financeiro garantido pelos acionistas ou pela atuação em outros setores permite esperar a hora certa de vender. Mais do que isso, cria um caixa onde os clubes podem se socorrer. Não são raros os casos em que os fundos adquirem um atleta promissor, o colocam em um clube e ficam com o retorno (positivo ou negativo) que venha depois. Seja qual for o caminho, leva a um lucro maior. Muito maior.
"Somente o futebol te possibilita ter um rendimento de 1.500% em quatro meses", diz Miranda, referindo-se a Ganso, que o DIS comprou quanto estava a ponto de ser dispensado da base do Santos. "Mas de 90 %a 95% dos garotos micam", ressalva Miranda, que diz dedicar 12 horas por dia ao atendimento dos cerca de 70 atletas do fundo.
O foco principal de Miranda é nas categorias de base. Coordena a rede de informantes da empresa, que o abastece com indicações. O negócio só é fechado após ele assistir ao desempenho do garoto. Embora seja figura manjada nos torneios subs de todo o país, é avesso a fotografias. Uma maneira de manter-se anônimo em um cenário de concorrência numerosa, mas não qualificada. "É um mercado de muitos empresários e poucos fundos. Que eu respeito mesmo, só o Giuliano Bertolucci e o Eduardo Uram".
A declaração é uma cutucada indireta naquele que, por algum tempo, foi o grande concorrente da DIS. A Traffic Marketing Esportivo foi a primeira empresa brasileira a descobrir o filão do futebol para os fundos de investimento. Em meados da década passada, fechar parceria com a Traffic era o eldorado para os clubes. A empresa investiu pesado. Criou um clube próprio, o Desportivo Brasil, para registrar seus jogadores, construiu um centro de treinamento no interior de São Paulo e formou uma estrelada rede de olheiros, com nomes como os ex-jogadores Pita e Daryo Pereira e Antônio Carletto Sobrinho.
No meio do ano passado, uma crise sem precedentes atingiu a empresa. A Traffic perdeu os direitos da Copa América, dispensou boa parte dos seus olheiros, encerrou parcerias e demitiu o diretor-executivo Julio Mariz.
"Quando cheguei lá [em 2007], a Traffic tinha uns 40, 50 jogadores. Mas pelo menos 30 não valiam nada. Da mesma maneira que os empresários enganavam os clubes empurrando jogador ruim, enganaram a Traffic", conta Carletto, que ficou pouco mais de um ano na empresa.
Miranda aponta outro pecado na derrocada do concorrente, embora admita sua relevância. "Houve, inegavelmente, um boom a partir da entrada da Traffic. Mas a empresa trabalhou demais com o ativo de terceiros, o que gera uma pressão por resultados que prejudica o negócio", afirma.
Há dois momentos claros em que a Traffic teve dificuldade. A parceria com o Palmeiras, entre 2008 e 2009, fez a empresa ser criticada pelo enfraquecimento do time. As negociações de Henrique e Keirrison com o Barcelona, pouco menos de seis meses após eles chegarem, deixaram um lucro significativo no caixa da empresa, mas arranharam sua imagem.
A fracassada parceria para bancar parte do salário de Ronaldinho Gaúcho no Flamengo também foi trágica. A Traffic não conseguiu parcerias comerciais que cobrissem sua parte no acordo e o atraso decorrente serviu de base para que o jogador rompesse seu contrato. Sobrou um prejuízo superior a R$ 10 milhões.
"É o grande capital social que permite a um fundo fazer investimento e absorver prejuízo. Esse é o ponto do negócio. Um negócio de altíssimo rendimento, mas risco grande. Não tem fórmula quando o seu ativo é um ser humano", diz Miranda.
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