Platinense: time do povo, uma paixão fulminante
Jogador de futebol era profissão maldita na Santo Antônio da Platina do início dos anos 80. Barreira criada pela vida desregrada, repleta de histórias em mesas de bar, de boleiros que haviam passado pela cidade na curta existência do Agroceres, na década anterior.
Imigrante
A aventura do Matsubara em Londrina coincidiu com um período de dificuldade nos negócios da família. As restrições trabalhistas ao cultivo de algodão, essencialmente manual, acabaram com a lucratividade da lavoura. Algumas das 12 fazendas de algodão foram arrendadas para o cultivo de cana de açúcar. A principal delas, a 3M, acabou leiloada para quitar uma dívida de crédito rural com o Banco do Brasil.
Risco sanitário
A Vila Olímpica é tida como o primeiro CT do Brasil, em Cambará. Hoje o gramado deu lugar a um matagal que quase encosta no travessão do campo principal. Sem telhado, verte água do teto para o chão, transformando os alojamentos em focos de dengue. Vidros quebrados e paredes descascadas completam o cenário. Este mês as casas devem começar a ser demolidas. O terreno de 60 mil metros quadrados será dividido em 200 lotes de 200 metros quadrados cada, com preço estimado para a venda em R$ 20 mil.
Padrinho
O Matsubara ingressou no profissionalismo em um período de entressafra no Norte Pioneiro, final dos anos 70. A crise do café havia dizimado quase todas as equipes da região, entre elas a Cambaraense, representante da cidade entre os anos 50 e 60, com direito a um vice-campeonato em 1953. O único sobrevivente era o União Bandeirante, bancado pela usina de cana de açúcar da família Meneghel. Foi Serafim Meneghel quem deu o impulso que catapultou o Matsubara da Taça Paraná à elite profissional. "Emprestei o time inteiro, técnico, bola para eles jogarem a segunda divisão. Só não emprestei as traves", conta o dono do falecido União.
O espólio da mais famosa fábrica de jogadores do estado divide espaço com sofás, mesa de centro, cristaleira, mesa de jantar, impressora e escrivaninha. Entre o escritório, a sala de estar e a sala de jantar de sua casa, Sueo Matsubara empilha os troféus conquistados ao longo de três décadas pelo time batizado com o sobrenome da família. Quase todos de categorias de base.
FOTOS: Slideshow mostra o abandono da Vila Olímpica e do Olímpico Regional, em Cambará
VÍDEO: Norio Matsubara analisa a derrocada do Matsubara e do futebol no Norte Pioneiro
Dono de uma estrutura revolucionária quando inaugurada, o time alviverde de Cambará espalhou pelos gramados inúmeras de suas revelações, do pacotão rubro-negro Jorge Luís-Tico-Ratinho ao atacante de Copa do Mundo Nilmar; dos irmãos Jean Carlo e Sidclei ao ex-zagueiro santista Toninho Carlos.
Hoje, o Matsubara é uma pálida imagem desse passado. A Vila Olímpica, primeiro centro de treinamento do país, está sendo demolida. O Estádio Olímpico Regional é pivô de uma ação judicial em que o clube é réu da própria torcida. O time profissional vem de um ano de inatividade após três temporadas na terceira divisão estadual. Reabrir as portas, só com o apoio de um investidor que dificilmente existirá.
Com o time trazido da vizinha Bandeirantes emprestada pelo co-irmão União e o dinheiro das fazendas de algodão mantidas pela família, o Matsubara venceu a Segundona em 1976 e, no ano seguinte, estreou na primeira divisão estadual com um animador sétimo lugar. O time mandava seus jogos no acanhado estádio Santana. Recebeu da Federação Paranaense permissão para jogar ali por um ano. A exigência por uma casa nova desencadeou um caso único no futebol: uma torcida construir um estádio para o próprio time.
"Eramos uma torcida de bandeira até 1977. No ano seguinte, montamos uma comissão de arrecadação. Com rifa, doação e venda de cadeira cativa, conseguimos, em um ano e meio, levantar o dinheiro necessário e construir o estádio", conta Waldir de Camargo, filho de Vicente de Camargo, o responsável pelas comissões de arrecadação e construção, e atual presidente da Torcida Organizada do Matsubara, a TOM. Única organizada do planeta a ser dona de um estádio.
O Olímpico Regional foi inaugurado em 1980. Abertura que não encerrou o trabalho da TOM. A organizada manteve seu sistema de arrecadação para ampliar as arquibancadas. Usou contatos políticos para comprar e instalar a iluminação. O Matsubara correspondia com boas campanhas e levas de bons jogadores.O ocaso do Matsubara
"Até que, quando o estádio ficou pronto, eles resolveram ir para Londrina. Foi uma revolta total", lembra Waldir, sobre as duas temporadas, 1996 e 97, que o Matsubara fixou-se na segunda maior cidade do estado. "Em Cambará, ninguém ia nos jogos, precisávamos de mais arrecadação. Mas Londrina é complicado. Só o Londrina dá certo", analisa Sueo, que contratou estrelas como Neto e Tadeu para jogar.
Uma conjunção de fatores que fez o Matsubara disputar a primeira divisão estadual pela última vez em 1999. No início dos anos 2000, o clube ainda conseguiu uma sobrevida formando e negociando jogadores de velocidade para o Vietnã. Insuficiente para resgatar os bons tempos.
A penúria ajudou a azedar ainda mais a relação com a TOM. Em 2009, quando venceu o contrato de comodato e o estádio foi devolvido pelo Matsubara, a organizada decidiu entrar na Justiça contra o clube. "Entregamos o estádio em perfeitas condições e recebemos todo sucateado, sem fiação elétrica, a cobertura deteriorada", explica Waldir de Camargo. "Também vamos mudar a razão social da torcida. Não tem mais por que ela carregar o nome do Matsubara. O estádio será rebatizado Regional Vicente de Camargo, em homenagem ao meu pai", prossegue o presidente da (ainda) TOM e diretor de tributação do município.
Sem o Matsubara nas suas instalações e sem o Matsubara na vizinhança. Localizada no terreno ao lado do estádio, a Vila Olímpica, inaugurada em 1984, foi desativada em outubro do ano passado. Desde então a estrutura vem sendo totalmente desmontada. João Luís Cafu, último massagista do clube, mora em um dos 15 alojamentos com a família e, com o auxílio de um ajudante, retira as telhas que cobrem a estrutura que por anos abrigou jogadores de todas as categorias no primeiro CT do Brasil.
"Não compensa manter uma estrutura daquelas", justifica Sueo, que ainda sonha com um retorno aos gramados este ano ou em 2014. "Mas tem de ter um patrocinador", ressalta.
Norio Matsubara, filho e último gestor do clube, praticamente sepulta a esperança. "Investidor procura potencial de marketing. Não temos bilheteria, não há interesse da região, não há uma massa crítica. Quem vai querer investir?", questiona, com a certeza de que a história do Matsubara se resumirá aos troféus empilhados na casa do seu pai.
Esportes | 4:38
Norio Matsubara deveria ser o herdeiro de uma das maiores estruturas de formação de jogadores do país, não fosse a combinação entre mudanças econômicas e legislativas que ele aponta como razão para a derrocada do futebol no Norte Pioneiro.
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