O jornalista escocês Andrew Jennings é o inimigo número um da Fifa. Autor de três livros que desvendam o que ele chama de ‘família do crime organizado’ da entidade, Jennings colaborou diretamente com a operação do FBI, que em maio do ano passado começou a prender dirigentes sob acusação de participação em um milionário esquema de corrupção. Para ele, realizar a eleição no fim deste mês é “ir contra a realidade” do momento que passa a manda-chuva do futebol mundial.
Em uma entrevista recente você questionou se as eleições da Fifa, marcadas para 26 de fevereiro, iriam realmente acontecer. Hoje você acredita?
Sim, mas é irrelevante. Se você pensar, tem uma investigação suíça acontecendo. Ela está programada para durar cinco ou seis anos, e o FBI também continua sua investigação. Então há investigações e eles [Fifa] fingem que nada acontece querendo fazer a eleição. É bizarro. É ir contra a realidade.
Algum dos cinco candidatos à presidência da Fifa pode fazer algo diferente do que vimos nos últimos anos?
Eles são gente de dentro. Não de fora. E eventualmente vão ter de renunciar e apontar alguém de fora da Fifa para consertar essa bagunça. É de quebrar o coração ver o bizarro da situação. Jerôme Champagne [ex-diretor de relações internacionais da Fifa] se recusa a responder sobre Blatter. Ele é absolutamente falso, uma piada. Gianni Infantino, o cara da Uefa, não é nenhuma mudança real. Ele está feliz com o jeito que a Uefa é comandada. Onde está a transparência? A transparência significa que qualquer fã no mundo pode entrar na internet e ver seus documentos. Eles nem consideram isso.
Zico tentou ser candidato à Fifa, mas não conseguiu por falta de apoio – são necessárias ao menos cinco indicações de países filiados. O processo de candidatura prejudica quem não é de alguma forma ligado a quem está no poder?
Sim. Domenico Scala [chefe de eleição da Fifa], está encarregado da comissão. ‘Com licença, Mr. Scala, mas quem o colocou no cargo? Blatter, mas não vamos falar disso.’ Então quer dizer, não há mudança… Eles vão fazer a eleição, vão dizer que vai haver mudanças, e aí virá um novo round de prisões.
A CBF está no seu ponto mais baixo e agora é a hora de destruí-la. Não respeitá-la mais. É o que eu faria
Por que um país com pouca tradição no futebol como os Estados Unidos foram quem juntaram as evidências do esquema da Fifa?
Foi o FBI, não tem nada a ver com o futebol do país. Eles descobriram propinas pagas através de bancos em Nova York e foram atrás. Perfeitamente normal.
Como foi seu papel na investigação do FBI?
Primeiro de tudo, lá em 2009, expliquei quem era quem porque queria que eles [FBI] tivessem uma visão clara, já que eram os primeiros dias de investigação, de quem essas pessoas eram no comitê executivo da Fifa. Eles pegaram isso, depois voltaram e eu os dei Chuck Blazer [vice-presidente executivo da federação americana de futebol] em 2011. Ele não durou muito (risos), caiu rápido.
Você já recebeu ameaças de morte?
Não, eles não saberiam como. Houve tentativas de estragar minha segurança, destruir meus documentos. Eu sei quem foi.
Mas você se sentiu ameaçado?
Não, eles são a escória. O fato de eles contratarem alguém em segredo para destruir meu computador não é uma ameaça.
No Brasil, há um movimento de clubes que formou uma liga regional, mas o objetivo é expandir nacionalmente, quem sabe até rompendo com a CBF. Esse é o momento?
É sim. A CBF está no seu ponto mais baixo e agora é a hora de destruí-la. Não respeitá-la mais. É o que eu faria.
Você acha que os clubes ainda temem a Fifa?
Os clubes não deveriam temer retaliações da Fifa, que está exposta como uma organização criminosa familiar, não só como uma entidade que fez algumas sacanagens. Eles não têm credibilidade e precisam ser desafiados.
Você diz em seus livros que a máfia na Fifa começou assim que João Havelange assumiu, em 1974. Há diferença entre o modus operandi de Havelange e Blatter?
É a mesma coisa. O Blatter apenas assumiu quando Havelange ficou velho. A máfia funciona apenas com a troca de peça. Blatter não mudou nada, Blatter é um expert em crime organizado – e agora está desesperado.
A corrupção da Fifa é sistêmica?
Acho que vão limpar a maior parte. E acho que nos nove terabytes [de dados apreendidos pela polícia suíça] existem evidências suficientes para levar diversos diretores a julgamento e ainda fazer com que outros saiam de lá. Então é só uma questão de tempo. Quem eles acham que estão enganando?
Você credita que Ricardo Teixeira e Marco Polo Del Nero podem fazer companhia a José Maria Marin na prisão?
Vai levar tempo, vamos ver. Eventualmente o Brasil vai ouvir ‘vocês querem entrar em uma recessão ainda maior? Porque vão ter [se não cooperarem] (risos). Os federais têm tanta coisa a fazer, Teixeira não vai a lugar nenhum, não pode deixar o país. Os federais vão cercá-lo. Será hilário.
A Fifa é um monte de absurdos, você não precisa dela. A única coisa que fazem é organizar a Copa do Mundo, e isso poderia ser repassado para uma companhia privada examinada minuciosamente
Você consegue imaginá-los presos no Brasil?
Isso eu não sei, mas uma hora a polícia vai perceber que eles são completamente dispensáveis.
Em sua opinião, a prisão de Blatter será a maior vitória da investigação?
Ajudaria muito, mas não. O FBI tem de seguir entregando a estrutura da Fifa para que a estrutura mude. Espero que façam uma investigação suficientemente grande para que ela mude mesmo até que vendam o prédio na Suíça e mudem para outro país... Vamos ver o que vão fazer para o melhor interesse do futebol, não da Fifa. Que saiam da Suíça e coloquem todos os documentos online.
Você acha que é possível imaginar uma nova associação no comando do futebol mundial?
Acredito que sim. A Fifa é um monte de absurdos, você não precisa dela. A única coisa que fazem é organizar a Copa do Mundo, e isso poderia ser repassado para uma companhia privada examinada minuciosamente.
Você vê isso saindo do papel?
É possível, sim. Se isso não acontecer, os chantagistas [da Fifa] vão continuar.
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