"Comprar Bale é como comprar um quadro de Picasso: algo que dá status ao seu proprietário. Não surpreende que Florentino Pérez [presidente do Real Madrid], o sheik Mansour [dono do Manchester City] e a namorada de Roman Abramovich [dono do Chelsea] sejam colecionadores de arte."
Simon Kupfer, jornalista e autor do livro Soccernomics.
6 milhões é o salário anual de Gareth Bale no Real Madrid.
"Não posso entender como um jogador pode custar 20% do déficit público da Galícia."
Alberto Núñez Feijoo, presidente da Junta da Galícia.
Até uma semana atrás, o País de Gales tinha apenas dois feitos futebolísticos de relevância mundial para se orgulhar: 1) Ter a seleção que levou o primeiro gol de Pelé em Copas do Mundo, nas quartas de final de 1958, na Suécia; 2) Ser o país-natal de Ryan Giggs, o mais forte ícone em campo da dinastia construída pelo Manchester United nas duas últimas décadas.
Desde o domingo passado, penúltimo dia da janela de transferências da Europa, é, também, o país de Gareth Bale, o jogador mais caro do futebol mundial. O Real Madrid desembolsou 100 milhões de euros para tirar o meia de 24 anos do Tottenham e colocá-lo no topo de uma relação que tinha, havia quatro anos, Cristiano Ronaldo como líder. No verão europeu de 2009, o mesmo Real gastou 94 milhões de euros para tirar o português do Manchester United.
Bale ainda empurrou uma posição para baixo Zinedine Zidane (73,5 milhões de euros, em 2001), Ibrahimovic (69,5 milhões de euros, em 2009), Kaká (65 milhões de euros, também em 2009) e Luís Figo (60 milhões de euros, em 2000), para ficar somente no top 5 de até então. Exceto Ibrahimovic, todos já haviam sido eleitos pelo menos um vez o melhor do mundo pela Fifa antes de serem comprados pelo mesmo Real Madrid. Zizou havia vencido uma Copa e uma Euro como protagonista.
O currículo de Bale é bem mais modesto. Jamais venceu um título nacional. Sua maior honraria individual é ter sido escolhido o craque da última edição do Campeonato Inglês. Talento isolado de uma seleção de terceira linha na Europa, dificilmente terá a oportunidade de jogar uma Copa do Mundo. Atributos que indicam que, embora reconhecidamente acima da média, seu futebol vale menos do que o pago pelo Real.
"O valor é absurdo e reflete apenas a megalomania do Real Madrid", diz Mauro Cézar Pereira, comentarista da ESPN.
Uma boa medida do sobrepreço pago pelo clube espanhol é indicada pela última edição do relatório anual do CIES Football Observatory. O instituto com sede na Suíça determina o valor de mercado jogadores de clubes europeus, com base em seu desempenho em campo, potencial de marketing e tempo de contrato, entre outros quesitos.
Bale foi o nono jogador mais valioso ao fim da última temporada europeia. Seu preço giraria entre 43,5 e 50,6 milhões de euros, na melhor das hipóteses a metade do valor pago pelo Real. Segundo o CIES, somente Cristiano Ronaldo (de 102,2 a 118,7 milhões de euros) e Lionel Messi (de 217,4 a 252,6 milhões de euros) têm cotação condizente com o valor desembolsado pelos merengues.
"Comprar Bale não é como comprar uma máquina que proverá retorno anual. É mais como comprar um quadro de Picasso: algo que dá status ao seu proprietário. Não surpreende que Florentino Pérez [presidente do Real Madrid responsável por cinco das seis negociações mais caras da história], o sheik Mansour [dono do Manchester City] e a namorada de Roman Abramovich [dono do Chelsea] sejam colecionadores de arte", escreveu em sua coluna no Finnancial Times o jornalista Simon Kupfer, autor do livro Soccernomics. Mansour e Abramovich, a exemplo de Pérez, são famosos por não economizar nas compras feitas por seus times.
Em outras palavras, o investimento em Bale dificilmente se pagará, a não ser que o jogador seja um fenômeno em campo e fora dele. "Vender milhares de camisetas dele por ano pode ajudar. Se Bale fizer a diferença e o Real ganhar a Liga dos Campeões, isso gerará um ganho extra de pelo menos 12 milhões de euros. É uma aposta", diz o editor do site Sporting Intelligence, Nick Harris.
Uma visão com bem menos lirismo e otimismo comercial tem se disseminado pela Europa. Bale receberá 6 milhões de euros em salários por ano. A soma carrega uma coincidência que em nada ajuda o jogador. Hoje, a Espanha tem 6 milhões de desempregados, algo suficiente para desencadear reações políticas à transferência.
"Não posso entender como um jogador pode custar 20% do déficit público da Galícia", discursou, na quinta-feira, Alberto Núñez Feijoo, presidente da Junta da Galícia unidade correspondente aos estados brasileiros.
O belga Derk Jan Eppink, membro do parlamento europeu, anunciou que denunciará o Real à Comissão Europeia. A alegação é de que um clube com 600 milhões de euros em dívidas (quase todas por empréstimo bancário) não poderia gastar 100 milhões de euros em um jogador de futebol.