Uma vida inteira no futebol (trabalhando ou torcendo) me permite dizer sem medo de errar: entrar em qualquer discussão boleira exige estômago forte e uma dose extra de insanidade. Pois a rivalidade que sempre foi um combustível fundamental do jogo, de uns tempos pra cá, virou intolerância. E todo debate virou Atletiba (ou Fla-Flu, ou Grenal, ou Ba-Vi, ou o clássico que você preferir). Não só quando o assunto é bola, estádio, cor de camisa. Extrapolou para a política, para a economia, para a moral e os costumes.
Não no já eterno e doloroso 29 de novembro de 2016.
A tragédia de Medellín interrompeu brutalmente 71 vidas. Mas também acendeu a esperança de um novo e respirável ambiente no futebol.
Foi de encher os olhos de lágrimas ver a Arena da Baixada iluminada de verde. Logo o estádio que foi o pivô do maior Atletiba deste século. Uma nobreza sem tamanho do Atlético e dos atleticanos pela homenagem à Chapecoense; dos coxas por perceber que não havia ali motivo para alimentar rivalidade mesquinha.
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Foi gigantesco o gesto do Corinthians de pintar seu site oficial de verde, dois dias depois de o maior rival ser campeão brasileiro. A família paulista da minha mulher me mostra a cada domingo de churrasco e rodada o quanto o dérbi deles não dá margem mesmo para pequenas gentilezas, o que dizer vestir a cor do outro.
E faltam palavras para definir a atitude do Atlético Nacional de pedir à Conmebol que entregue título, vaga na Libertadores e premiação à Chapecoense. Aquele que sempre foi conhecido como o time do Pablo Escobar encerrará o ano mais vitorioso de sua história com um ato que troféu nenhum será capaz de igualar.
No sempre hostil terreno das redes sociais, ninguém buscou o troféu da melhor piada em cima da tragédia. Não houve meme, não houve gracinha. Só houve choro, perplexidade, compaixão, solidariedade, empatia.
Nas últimas semanas, veículos de comunicação se dedicaram a explicar o segredo que levou a Chapecoense da Série D à final da Sul-Americana em menos de cinco anos. Nada mais mágico, porém, do que essa unanimidade que a Chape despertou na tragédia.
Que a dor une é inegável. Cada um de nós se pôs no lugar dos amigos e familiares de quem estava na tragédia. Imaginou como seria se fosse com o nosso time. Lembrou de um momento inesquecível vivido em um estádio protagonizado por um daqueles jogadores ou relatado por um daqueles jornalistas. É mais do que isso.
O jornalista e escritor Arthur Chrispin escreveu que a Chapecoense representava aquilo que nós, mortais, somos: pequenos, aguerridos, lutando contra adversidades gigantescas, curtindo pequenas alegrias do dia a dia, se equilibrando entre contas, sonhos e a realidade.
Nas vitórias, a Chape nos mostrava que é possível vencer o que for, mesmo sendo “pessoa comum”. Na maior derrota que sofreu, reavivou a paixão que tornou o futebol parte tão importante da vida de cada um de nós, definidor da personalidade de muitos de nós.
Infelizmente, não há nada a ser feito para apagar a tragédia de Medellín. Mas cada um de nós tem o poder de fazer o milagre de Medellín ir muito além do mais triste dos dias que o futebol já enfrentou.