Transações financeiras com a loja do presidente Hélio Cury, contratação de parentes do dirigente, falta de transparência, mesada para o Conselho Fiscal, aumento de doações aos clubes no ano anterior às eleições e gestão financeira questionável. São as conclusões de um perito judicial que examinou as contas da Federação Paranaense de Futebol (FPF), do período entre julho de 2010 e junho de 2015.
O trabalho designado pela Justiça ao perito Sérgio Henrique Miranda de Sousa durou três meses e integra a ação que Atlético e Coritiba movem contra Cury, acusando o dirigente de “gestão temerária”. O processo foi originado após a eleição na entidade, realizada em março deste ano, corrida que opôs os clubes e o cartola, reeleito ao final do pleito para gestão até 2019.
A análise compreende mais de 800 páginas de documentos que desvendam os procedimentos da casa que comanda a bola no Paraná. Foram investigados milhares de notas fiscais, balanços financeiros, livros razão, extratos bancários, relatórios, resumos e folhas de pagamentos, listas de funcionários, atas, contratos etc.
LEIA TAMBÉM: Hélio Cury acusa Petraglia de pagamento ilegal para perito judicial
A avaliação já foi apresentada à 9ª Vara Cível de Curitiba. Resta agora aguardar pela decisão da juíza Vanessa Jamus Marchi, que pode representar o afastamento e inelegibilidade de Cury, caso ocorra o entendimento de “gestão temerária”. Se assim for, o presidente da FPF, no cargo desde 2007, seria afastado para a nomeação de um interventor e realização de nova eleição. Não há prazo para a manifestação da juíza.
LEIA TAMBÉM: Dupla Atletiba usa venda de troféus para derrubar Hélio Cury
“Com a apresentação do laudo do perito compete ao Poder Judiciário decidir sobre os rumos da federação”, declara Juliano Tetto, advogado que representa Atlético e Coritiba na ação. Ricardo Gomyde, candidato dos rivais na eleição da FPF, não é mais requerente.
“O laudo não mostra nenhum motivo para apontar gestão temerária. Nenhuma fraude ou desvio. A FPF não é negócio, cuida do futebol, que é a paixão do povo”, comenta Emerson Fukushima, advogado indicado pela Federação para cuidar da questão.
O Ministério Público do Paraná (MP-PR) acompanha o processo e também deve se manifestar sobre a análise pericial.
O presidente da FPF, Hélio Cury, foi procurado pela reportagem. Entretanto, o dirigente não foi encontrado pela assessoria de imprensa da entidade até o fechamento desta edição.
Transações com o presidente
O relatório pericial revela as transações feitas pela FPF com a empresa de materiais esportivos do presidente Hélio Cury, a loja Hélio Cury Comércio de Artigos Esportivos Ltda. Aponta também compras realizadas pela entidade na empresa que tem o sobrinho do dirigente como sócio, a Linha de Fundo Comércio de Artigos Esportivos Ltda.
De agosto de 2013 a janeiro de 2015 foram identificadas 55 notas fiscais emitidas pela loja do cartola em vendas para a FPF. No total, R$ 87.351,64 em produtos para premiação das equipes nas competições organizadas pela federação.
Antes, de 2010 a 2012, a FPF adquiria produtos da Linha de Fundo Comércio de Artigos Esportivos Ltda, que conta atualmente com Conrado Gabardo Bednarczuk, sobrinho de Cury, como sócio administrador. Foram apontadas cinco compras, no valor de R$ 40.742,9 em troféus e medalhas, também para prêmios distribuídos nas disputas da FPF.
Em pesquisa na internet, a Linha de Fundo Comércio de Artigos Esportivos aparece diversas vezes como sendo localizada no mesmo endereço da Hélio Cury Comércio de Artigos Esportivos, no centro de Curitiba. Conrado, o sobrinho de Cury, já foi funcionário da loja do tio dirigente.
“Não há nenhuma proibição prevista sobre isso. Não foi detectada nenhuma fraude ou superfaturamento. Tudo foi vendido a preço de mercado”, justifica Emerson Fukushima, advogado da FPF, sobre a acusação dos requerentes de “favorecimento pessoal”.
Contratação de parentes
O perito judicial identificou a contratação pela FPF de quatro parentes e uma empresa ligada à esposa do presidente da entidade, Hélio Cury. Os parentes contratados foram o filho do presidente, a nora, um sobrinho e uma sobrinha.
Hélio Pereira Cury Filho, filho do presidente, firmou contrato com a FPF em julho de 2010 com fixação de honorários para serviços de assessoria jurídica por R$ 1.850 mensais. E, em julho de 2014, com honorários de R$ 2.500.
Andrea Caroline Marconato Cury, nora do presidente, também prestou serviços advocatícios em fevereiro deste ano. Ao todo, recebeu R$ 5.719,25 pelo trabalho, valor pago em três parcelas.
Por sua vez, Conrado Gabardo Bednarczuk, sobrinho de Hélio Cury, assinou contrato em setembro de 2010 para atuar como tesoureiro, representando a entidade nos jogos. O vínculo durou até abril deste ano e, na ficha cadastral, Conrado informa a loja de Cury, no centro de Curitiba, como seu local anterior de trabalho.
Por fim, Bruna Gabardo Bednarczuk, sobrinha do presidente, foi contratada em junho de 2008 e atualmente é encarregada financeira da entidade. De acordo com a folha de pagamento de julho deste ano, possui salário de R$ 2.168,97.
Além de empregar parentes de Cury, a FPF utilizou os serviços da Copiadora Gabardo, de propriedade de Acyr Gabardo, que é pai da esposa do cartola, Eliana Maria Gabardo Cury. Entre 2011 e 2014, a federação gastou R$ 8.529,80 em encadernações e impressões feitas pela empresa.
Após a edição da medida provisória 671/2015, a FPF dispensou o trabalho de Hélio Pereira Cury Filho e Conrado Gabardo Bednarczuk. A MP foi convertida na Lei nº 13.155 (PROFUT), em agosto de 2015, que trata, em seu capítulo III, como “gestão temerária” a contratação pelas entidades de parentes e empresas de parentes até terceiro grau.
“Todos trabalharam efetivamente, sem nenhum pagamento indevido. Não houve favorecimento, recebiam até abaixo do mercado, para ajudar a FPF. Antes da edição da medida provisória não havia qualquer proibição”, alega Emerson Fukushima, advogado da Federação.
Os requerentes, por sua vez, sustentam que a “gestão temerária”, embora não especificada, é motivo para afastamento obrigatório, preventivo e imediato desde a alteração em 2003 da Lei 9.615/98 (Pelé).
Falta de transparência
A análise do perito indicou a falta de transparência das contas da FPF. Documentos como balanços patrimoniais, relatórios de auditoria e do Conselho Fiscal são apresentados aos filiados apenas nas datas das assembleias gerais da entidade.
Mesmo quando requeridos previamente para análise, como o Atlético solicitou em março deste ano, a FPF negou o pedido. Respondeu que seriam disponibilizados apenas durante a assembleia.
A federação também não disponibiliza o seu estatuto social no site da entidade, nem mesmo no setor exclusivo para os filiados.
“O estatuto social é disponibilizado para quem pedir. Não é obrigação publicá-lo na internet”, afirma Emerson Fukushima, advogado da FPF.
Mesada para o Conselho Fiscal
Os membros do Conselho Fiscal, responsáveis por fiscalizarem as contas da FPF, recebem reembolsos da entidade para o custeio de refeições e gasolina. O perito solicitou à Federação os valores dos repasses nos últimos cinco anos, mas obteve apenas de outubro de 2014 a março de 2015.
De acordo com o perito, foram reembolsados no total R$ 12.182,65 aos conselheiros José Faleiros, Osni Leite, Sávio de Pádua e Eloir Azevedo. Segundo os documentos da FPF, cada conselheiro foi ressarcido em cerca de R$ 500 por mês.
Segundo a análise, todas as contas da FPF do período entre 2010 e 2013 foram aprovadas pelos conselheiros, sem ressalvas. A assembleia geral da entidade fez o mesmo.
Os conselheiros também aprovaram as contas de 2014, sem ressalvas novamente. Desta feita, os gastos foram aprovados por maioria pela assembleia geral (34 votos favoráveis, 24 desfavoráveis e 1 abstenção).
“Se é legal ou ilegal, a Justiça vai dizer. Todos fazem um trabalho voluntário e precisam ser ressarcidos. Não é uma mesada, é uma diária”, aponta Emerson Fukushima, advogado da FPF.
Aumento de doações no ano anterior às eleições
O perito judicial examinou os livros razão da FPF, de janeiro de 2010 a dezembro de 2014, e contabilizou o crescimento das doações para os clubes ao longo dos anos. Os repasses foram feitos da seguinte forma: R$ 15 mil (2010), R$ 45 mil (2011), R$ 42,4 mil (2012), R$ 66,8 mil (2013) e R$ 222,5 mil (2014) – R$ 391.873 no total. As eleições da FPF ocorreram em março de 2015.
A análise destaca, entretanto, que em 2014 houve alteração do escritório contábil indicado pela FPF, assim como no plano de contas da entidade. Foi criada ainda uma conta nova e, segundo o perito, por isso houve grande variação.
Entre os diversos clubes beneficiados em 2014, aparecem nos lançamentos da federação Atlético (R$ 9.344), Coritiba (R$ 5.894).
“Não houve um aumento, foi apenas uma alteração contábil. Nada de anormal”, declara Emerson Fukushima, advogado da FPF.
A perícia afirma ainda que as doações foram realizadas em decorrência dos pedidos dos filiados. E que há previsão no estatuto da federação para o procedimento.
Gestão financeira questionável
O perito alertou sobre práticas não recomendáveis na gestão financeira da FPF. Especialmente, sobre a manutenção de quantias elevadas na conta caixa, por causa da ausência de rendimentos financeiros.
A entidade recebeu cheques administrativos entre janeiro e julho de 2014, totalizando R$ 2,2 milhões (cerca de 50% das receitas), que só foram depositados em agosto, deixando de auferir R$ 66 mil em rendimentos de acordo com os índices de poupança.
A perícia trata ainda da movimentação financeira da federação por vale-postal, que superou R$ 10 mil na maioria dos meses analisados. O dinheiro é depositado em qualquer agência dos Correios e sacado pelo presidente Hélio Cury.
Segundo o perito, é uma prática gera risco de desvios e roubou durante o transporte dos valores, além de não ser utilizada normalmente por entidades privadas. Ainda de acordo com o perito, os valores sacados foram contabilizados pela FPF, entretanto, não há como confirmar se outros montantes foram encaminhados e não registrados.
“É algo que se tornou praxe. Até hoje tem gente que gosta de carta, não manda e-mail. É o que faz qualquer empresa com dificuldade financeira”, aponta Emerson Fukushima, advogado da Federação.
Copa Kaiser
O laudo do perito trata ainda de outra questão levantada por Atlético e Coritiba. A suposta participação da FPF na organização da Copa Kaiser, evento que comprou medalhas e troféus da loja de Hélio Cury, presidente da entidade e sócio da Hélio Cury Comércio de Artigos Esportivos.
De acordo com o documento, a Federação prestou assessoria técnica à competição e não há qualquer contrato firmado entre a entidade e a SPAL SA Indústria Brasileira de Bebidas, que organizou o evento de futebol amador através da F2SB Marketing Ltda.
Foram realizadas quatro vendas de materiais esportivos pela loja de Hélio Cury para a Copa Kaiser em 2014. Entre kits de jogos de camisa, troféus e medalhas, o valor alcançou R$ 183.589,20.
“A Copa Kaiser não tem nada a ver com a Federação, que dá apenas apoio técnico para a competição. Foi uma transação comercial particular”, afirma Emerson Fukushima, advogado da Federação.
Número de obras paradas cresce 38% no governo Lula e 8 mil não têm previsão de conclusão
Fundador de página de checagem tem cargo no governo Lula e financiamento de Soros
Ministros revelam ignorância tecnológica em sessões do STF
Candidato de Zema em 2026, vice-governador de MG aceita enfrentar temas impopulares
Deixe sua opinião