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Sede da Fúria Independente. Alianças deixam facção no centro da violência nos estádios | Daniel Castellano/ Gazeta do Povo
Sede da Fúria Independente. Alianças deixam facção no centro da violência nos estádios| Foto: Daniel Castellano/ Gazeta do Povo

Violência

"Poderia ser um de nós no caixão", diz paranista

Os torcedores paranista que estiveram no Recife na semana passada ainda tentam assimilar a morte do torcedor do Sport atingido por um dos dois vasos sanitários jogados por rivais. "Não dá para explicar a sensação de ver alguém morrendo do seu lado. Por dentro a gente chora. Poderia ser qualquer um de nós voltando no caixão", afirmou o torcedor e funcionário da Fúria Independente Júlio César, de 25 anos.

O arremesso de objeto não é novidade no Arruda. Barras de ferro e até extintores são usados em ataques de torcedores. Em um deles, um cavalo da PM pernambucana foi atingido e teria quebrado uma perna.

Na terça-feira, integrantes da facção tricolor se envolveram em outra confusão em Campinas, antes do jogo contra a Ponte Preta pela Copa do Brasil, por causa da parceria com organizadas do Guarani, tradicional rival da Macaca.

"Tivemos todo o cuidado. Mandamos um ofício avisando o local e o horário que estaríamos lá e não houve policiamento", disse o ex-presidente da uniformizada João Quitéria. Um paranista teria levado 15 pontos na cabeça devido aos ferimentos no confronto.

Não é clássico, não é decisão, não há rivalidade entre os times separados por 2.460,94 km que jamais decidiram um título. Mas o inofensivo Coritiba e Sport de hoje traz um risco velado graças às rixas costuradas através de parcerias entre torcidas. Alianças interestaduais entre uniformizadas têm transformado jogos aparentemente tranquilos em potencialmente perigoso. E mortais.

INFOGRÁFICO: Veja informações sobre as torcidas

No Couto Pereira nesta tarde ainda haverá ecos da morte do torcedor Paulo Go­­mes Ricardo da Silva, de 26 anos, há nove dias no Recife. Ele foi atingido por um vaso sanitário lançado de dentro do Estádio do Arruda, após o jogo entre Santa Cruz e Pa­­ra­­ná. Tor­­cedor do Sport, não tinha nenhum envolvimento com aquele jogo. Estava lá porque integrava a Torcida Jovem do seu clube, que é aliada à Fúria Independente paranista.

Um dos presos que confessou o crime, Everton Filipe Santana, faz parte da Torcida Inferno Coral, do Santa Cruz, que, por sinal, é aliada da Império Alviverde, maior uniformizada do Coxa. Esta tarde, outra facção rubro-negra pernambucana, a Gang da Ilha, terá representantes no Alto da Glória com os coirmãos paranaenses: a Fanáticos, do Atlético. E assim está armada a teia do antagonismo adotado. Com consequências imprevisíveis.

"O jogo deste domingo pode ser quase um Paratiba e ainda com a possibilidade de ter gente da Fanáticos. É como um clássico, com menor intensidade, mas também com menos polícia", avaliou o presidente da Império, Reimackler Alan Graboski.

"Atualmente é mais fácil ter confronto em jogo de aliada do que em clássico. Até porque a polícia está mais preparada para este tipo de jogo", admite o integrante e ex-presidente da Fúria, João Quitéria, ainda abalado com a morte do colega da coirmã no Recife. E este não foi o primeiro registro de violência envolvendo as torcidas pernambucanas e paranaenses, que estarão novamente cara a cara hoje.

Em 2012, integrantes da Torcida Jovem do Sport, que estavam em Curitiba por causa do confronto entre o Pa­­raná e o Leão, reali­­zavam uma festa de confraternização com integrantes da Fúria. Um carro passou atirando na direção da sede paranista e Diego Henrique Gonciero, de 16 anos, foi morto. Três pessoas, entre elas dois ex-presidentes da torcida organizada Os Fanáticos, do Atlético, foram presas no mês passado, suspeitas de participação no crime.

"Esse jogo de domingo é muito complicado pelos antecedentes de conflito. Temos novamente o mesmo cenário de morte do torcedor em 2012. Teremos policiais à paisana, no deslocamento, na chegada dos torcedores no aeroporto e infil­­trados nas torcidas. E va­­mos torcer para que nada aconteça", definiu o dele­­gado-titular da Delegacia Móvel de Atendimento ao Futebol e Eventos (Demafe), Clóvis Galvão.

As uniões entre facções começaram a ser estabelecidas na década de 80 com o deslocamento das torcidas para acompanhar os jogos dos seus clubes. A afinidade garantiu um apoio logístico. Organizadas buscavam acomodação e transporte fora de casa, a as coirmãs ofereciam a sede ou a própria casa dos integrantes para hospedagem. Há ajuda ainda com questões burocráticas com a polícia local e proteção em caso de confrontos. A recepção dos visitantes muitas vezes é feita com churrascos. Há convite para aniversários das uniformizadas.

Mesmo que os jogos sejam contra o próprio time das anfitriãs, há ajuda mútua para estender as faixas nas arquibancadas. Se a partida for na casa do rival, os uniformizados locais escoltam e protegem os forasteiros no estádio.

"Vamos juntos, às vezes usamos até a camisa da torcida aliada. Apoiamos e tal, mas não chegamos a torcer. Na verdade, torcemos para o nosso rival perder", admitiu Reimackler.

Uma troca de gentilezas que carregou junto a rivalidade. A torcida coirmã vira oponente por tabela de quem é contra a sua aliada.

A geopolítica das torcidas organizadas é um fenômeno que preocupa. Apesar de estudar as alianças e conhecer a ação dos torcedores, as autoridades não conseguem controlar totalmente as brigas.

"São questões que a polícia tem acompanhado. Traz um quadro de preocupação para a Polícia Civil e Militar que precisam se preparar", defende Galvão.

Pesquisador vê associação para o crime

O misto de hospitalidade mútua e hostilidade a rivais alheios dita a relação entre torcidas aliadas. Mas há quem defina essas uniões como "associações para o crime". Essa é a avaliação do professor titular de Sociologia dos Esportes do mestrado da Universidade Universo, no Rio de Janeiro, Maurício Murad. Ele é autor do livro Para Entender a Violência no Futebol, onde as alianças entre facções são tratadas em um capítulo específico.

"Essas irmandades começaram quando as torcidas passaram a se deslocar para acompanhar os jogos e facilitar as viagens e a recepção em outras cidades e cresceu muito dos anos 2000 para cá. Mas uma minoria passou a se associar a adversários para aumentar a sua capacidade de luta. Fazem parceria para combater inimigos locais e ajudam na prática violenta", afirmou.

"Já acompanhei torcidas locais encontrarem os aliados nas estradas e pegarem armas, drogas, materiais suspeitos para quando os ônibus passarem nas barreiras policiais estarem ‘limpos’. E muitas vezes entram à paisana nos estádios com os artefatos e são menos revistados do que os visitantes aliados", acrescentou Murad, que faz um levantamen­­to nacional sobre o número de mortos em conflitos entre torcidas.

O torcedor do Sport Paulo Gomes Ricardo da Silva foi o oitavo a entrar na lista neste ano, que caminha para seguir as trágicas estatísticas anteriores. Em 2012 foram 23 mortes; no ano passado, 30, um crescimento de 30%.

De acordo com o antropólogo e sociólogo Luiz Henrique de Toledo, as torcidas se agrupam a partir de semelhanças entre as cores dos uniformes; similaridades nas características e origens dos clubes; e receptividade dos anfitriões.

Essas associações, porém, podem despertar conflitos entre torcidas do mesmo clube, ao ponto de uma facção se juntar com a sua aliada visitante, em menor número, para brigar com outra torcida seu próprio time.

Uma das rixas internas mais notórias em Curitiba envolveu a Fanáticos e a Ultras, do Atlético. Neste ano as uniformizadas rubro-negras teriam estabelecido uma trégua, de acordo com nota publicada no site da Fanáticos.

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