Violência
"Poderia ser um de nós no caixão", diz paranista
Os torcedores paranista que estiveram no Recife na semana passada ainda tentam assimilar a morte do torcedor do Sport atingido por um dos dois vasos sanitários jogados por rivais. "Não dá para explicar a sensação de ver alguém morrendo do seu lado. Por dentro a gente chora. Poderia ser qualquer um de nós voltando no caixão", afirmou o torcedor e funcionário da Fúria Independente Júlio César, de 25 anos.
O arremesso de objeto não é novidade no Arruda. Barras de ferro e até extintores são usados em ataques de torcedores. Em um deles, um cavalo da PM pernambucana foi atingido e teria quebrado uma perna.
Na terça-feira, integrantes da facção tricolor se envolveram em outra confusão em Campinas, antes do jogo contra a Ponte Preta pela Copa do Brasil, por causa da parceria com organizadas do Guarani, tradicional rival da Macaca.
"Tivemos todo o cuidado. Mandamos um ofício avisando o local e o horário que estaríamos lá e não houve policiamento", disse o ex-presidente da uniformizada João Quitéria. Um paranista teria levado 15 pontos na cabeça devido aos ferimentos no confronto.
Não é clássico, não é decisão, não há rivalidade entre os times separados por 2.460,94 km que jamais decidiram um título. Mas o inofensivo Coritiba e Sport de hoje traz um risco velado graças às rixas costuradas através de parcerias entre torcidas. Alianças interestaduais entre uniformizadas têm transformado jogos aparentemente tranquilos em potencialmente perigoso. E mortais.
INFOGRÁFICO: Veja informações sobre as torcidas
No Couto Pereira nesta tarde ainda haverá ecos da morte do torcedor Paulo Gomes Ricardo da Silva, de 26 anos, há nove dias no Recife. Ele foi atingido por um vaso sanitário lançado de dentro do Estádio do Arruda, após o jogo entre Santa Cruz e Paraná. Torcedor do Sport, não tinha nenhum envolvimento com aquele jogo. Estava lá porque integrava a Torcida Jovem do seu clube, que é aliada à Fúria Independente paranista.
Um dos presos que confessou o crime, Everton Filipe Santana, faz parte da Torcida Inferno Coral, do Santa Cruz, que, por sinal, é aliada da Império Alviverde, maior uniformizada do Coxa. Esta tarde, outra facção rubro-negra pernambucana, a Gang da Ilha, terá representantes no Alto da Glória com os coirmãos paranaenses: a Fanáticos, do Atlético. E assim está armada a teia do antagonismo adotado. Com consequências imprevisíveis.
"O jogo deste domingo pode ser quase um Paratiba e ainda com a possibilidade de ter gente da Fanáticos. É como um clássico, com menor intensidade, mas também com menos polícia", avaliou o presidente da Império, Reimackler Alan Graboski.
"Atualmente é mais fácil ter confronto em jogo de aliada do que em clássico. Até porque a polícia está mais preparada para este tipo de jogo", admite o integrante e ex-presidente da Fúria, João Quitéria, ainda abalado com a morte do colega da coirmã no Recife. E este não foi o primeiro registro de violência envolvendo as torcidas pernambucanas e paranaenses, que estarão novamente cara a cara hoje.
Em 2012, integrantes da Torcida Jovem do Sport, que estavam em Curitiba por causa do confronto entre o Paraná e o Leão, realizavam uma festa de confraternização com integrantes da Fúria. Um carro passou atirando na direção da sede paranista e Diego Henrique Gonciero, de 16 anos, foi morto. Três pessoas, entre elas dois ex-presidentes da torcida organizada Os Fanáticos, do Atlético, foram presas no mês passado, suspeitas de participação no crime.
"Esse jogo de domingo é muito complicado pelos antecedentes de conflito. Temos novamente o mesmo cenário de morte do torcedor em 2012. Teremos policiais à paisana, no deslocamento, na chegada dos torcedores no aeroporto e infiltrados nas torcidas. E vamos torcer para que nada aconteça", definiu o delegado-titular da Delegacia Móvel de Atendimento ao Futebol e Eventos (Demafe), Clóvis Galvão.
As uniões entre facções começaram a ser estabelecidas na década de 80 com o deslocamento das torcidas para acompanhar os jogos dos seus clubes. A afinidade garantiu um apoio logístico. Organizadas buscavam acomodação e transporte fora de casa, a as coirmãs ofereciam a sede ou a própria casa dos integrantes para hospedagem. Há ajuda ainda com questões burocráticas com a polícia local e proteção em caso de confrontos. A recepção dos visitantes muitas vezes é feita com churrascos. Há convite para aniversários das uniformizadas.
Mesmo que os jogos sejam contra o próprio time das anfitriãs, há ajuda mútua para estender as faixas nas arquibancadas. Se a partida for na casa do rival, os uniformizados locais escoltam e protegem os forasteiros no estádio.
"Vamos juntos, às vezes usamos até a camisa da torcida aliada. Apoiamos e tal, mas não chegamos a torcer. Na verdade, torcemos para o nosso rival perder", admitiu Reimackler.
Uma troca de gentilezas que carregou junto a rivalidade. A torcida coirmã vira oponente por tabela de quem é contra a sua aliada.
A geopolítica das torcidas organizadas é um fenômeno que preocupa. Apesar de estudar as alianças e conhecer a ação dos torcedores, as autoridades não conseguem controlar totalmente as brigas.
"São questões que a polícia tem acompanhado. Traz um quadro de preocupação para a Polícia Civil e Militar que precisam se preparar", defende Galvão.
Pesquisador vê associação para o crime
O misto de hospitalidade mútua e hostilidade a rivais alheios dita a relação entre torcidas aliadas. Mas há quem defina essas uniões como "associações para o crime". Essa é a avaliação do professor titular de Sociologia dos Esportes do mestrado da Universidade Universo, no Rio de Janeiro, Maurício Murad. Ele é autor do livro Para Entender a Violência no Futebol, onde as alianças entre facções são tratadas em um capítulo específico.
"Essas irmandades começaram quando as torcidas passaram a se deslocar para acompanhar os jogos e facilitar as viagens e a recepção em outras cidades e cresceu muito dos anos 2000 para cá. Mas uma minoria passou a se associar a adversários para aumentar a sua capacidade de luta. Fazem parceria para combater inimigos locais e ajudam na prática violenta", afirmou.
"Já acompanhei torcidas locais encontrarem os aliados nas estradas e pegarem armas, drogas, materiais suspeitos para quando os ônibus passarem nas barreiras policiais estarem limpos. E muitas vezes entram à paisana nos estádios com os artefatos e são menos revistados do que os visitantes aliados", acrescentou Murad, que faz um levantamento nacional sobre o número de mortos em conflitos entre torcidas.
O torcedor do Sport Paulo Gomes Ricardo da Silva foi o oitavo a entrar na lista neste ano, que caminha para seguir as trágicas estatísticas anteriores. Em 2012 foram 23 mortes; no ano passado, 30, um crescimento de 30%.
De acordo com o antropólogo e sociólogo Luiz Henrique de Toledo, as torcidas se agrupam a partir de semelhanças entre as cores dos uniformes; similaridades nas características e origens dos clubes; e receptividade dos anfitriões.
Essas associações, porém, podem despertar conflitos entre torcidas do mesmo clube, ao ponto de uma facção se juntar com a sua aliada visitante, em menor número, para brigar com outra torcida seu próprio time.
Uma das rixas internas mais notórias em Curitiba envolveu a Fanáticos e a Ultras, do Atlético. Neste ano as uniformizadas rubro-negras teriam estabelecido uma trégua, de acordo com nota publicada no site da Fanáticos.
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