A procura quase masoquista por um dos palcos mais tristes da história do futebol brasileira acaba de forma abrupta, sem margem alguma para dúvida. No meio do quarteirão arborizado e de calçadas impecáveis da Avenida Sarriá, como são quase todos em Barcelona, a fachada com o nome de um pequeno bar chega a dar um frio no estômago: Sarriá 82.
Do outro lado da rua está o que por 74 anos foi o Estádio de Sarriá. Demolida em 1997, a casa do Espanyol, segundo clube da cidade, sobrevive graças à memória de uma partida: Itália 3 x 2 Brasil, 5 de julho de 1982, pela segunda fase da Copa do Mundo da Espanha. O jogo que mandou mais cedo para casa a melhor seleção brasileira depois da era Pelé e deu início à interminável discussão entre futebol-arte e futebol de resultados.
"Toda hora vem jornalistas da Itália ou do Brasil fazer reportagem. Brasileiros e italianos que passam por aqui, veem o nome, entram no bar e perguntam sobre o jogo", diz Basílio González, dono do Sarriá 82.
O bar foi inaugurado em 1979 para aproveitar o movimento dos jogos do Espanyol. Com a Espanha definida como sede para a Copa do Mundo seguinte, veio a ideia de aliar o ano do Mundial, o nome do estádio e da avenida ao batizar o estabelecimento. O resto foi fruto do acaso. As campanhas de Itália e Argentina puseram as duas seleções no mesmo grupo e estádio da seleção brasileira, que encantou o mundo com o futebol jogado na primeira fase.
"Nos dias de jogo, parecia um formigueiro. A polícia fechava a rua, só era possível circular a pé. Os brasileiros chegavam cedo, tomavam as calçadas bebendo e dançando samba, com mulheres maravilhosas", relembra González, esticando o braço para indicar a altura das dançarinas que não saem da sua mente mesmo 31 anos depois do jogo.
"Quando acabou a partida, era uma decepção, uma tristeza só. Um jornalista que vinha usar o nosso telefone para passar seus boletins, mal conseguia falar", prossegue. "O brasileiro sente sua seleção como uma religião. Quando acontece um fracasso como o de 82, as pessoas choram como se alguém da família tivesse morrido", acrescenta Antonio Cano, frequentador do Sarriá 82.
No momento em que o movimento do almoço começa a encher o bar, González deixa o balcão e leva a Gazeta do Povo para conhecer o que um dia foi o estádio. Cruzamos a Praça Ricardo Zamora homenagem ao maior goleiro da história do futebol espanhol para chegar onde ficava a arqubancada atrás de uma das traves. Ali, onde Paolo Rossi decretou a eliminação brasileira, um casal brincava na grama com seu cachorro.
À esquerda, um prédio de oito andares, com lojas no térreo e apartamentos nos demais pisos, ocupa a área da antiga tribuna de honra. Do outro lado, um prédio exatamente com as mesmas características foi erguido onde era a grande reta da arquibancada. Entre as edificações, uma praça, Jardins de Sarriá, ocupa o local onde era o gramado.
No outro extremo, onde Falcão fez um dos mais belos gols do Mundial e Rossi marcou dois dos três mais famosos gols de sua carreira, um grupo de senhoras e suas enfermeiras passa o tempo na surpreendentemente quente manhã de outono. Fazem tricô, jogam conversa fora e relembram o estádio que fez a Avenida Sarriá ficar conhecida mundialmente.
"Era a nossa Bombonera. A Bombonera periquita", conta Montserrat Campanillo, 67 anos, em alusão às arquibancadas vertiginosamente verticais e ao apelido do Espanyol. Tudo veio abaixo em 20 de setembro de 1997, quando o estádio foi demolido.
Afundado em dívidas, o clube vendeu o terreno em uma valorizada região de Barcelona para uma construtora (cada apartamento ali vale cerca de 1 milhão de euros). Pelos 12 anos seguintes, pagou aluguel à prefeitura para jogar no Estádio Olímpico de Montjuic. Em 2009 voltou a ter uma casa própria, Cornella el Prat, ou novo Sarriá, diante da semelhança arquitetônica entre as duas arenas.
"Não tive coragem de ver a demolição de perto. Assisti pela televisão e me correram duas lágrimas", conta Montserrat.
Lágrimas que correm o rosto de qualquer brasileiro ou italiano diante do endereço histórico para o futebol dos dois países.
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