Diego Roberto e André Tubes treinam o novo estilo generalista consagrado pelo sucesso das lutas de MMA: o desafio é se tornar um lutador completo| Foto: Marcelo Elias/ Gazeta do Povo

Resposta

Especialistas criticam generalização

A tendência de formar atletas específicos para o MMA, numa espécie de generalização de outras modalidades, não é bem-vista por algumas correntes do esporte. Ao mesmo tempo em que se cria um lutador mais completo, consciente de tudo o que pode ocorrer no octógono, perde-se o diferencial de uma formação dirigida a um estilo, que se sobressaia sobre os demais e suficiente para definir uma luta.

"O MMA virou um produto e as pessoas estão buscando só o produto. É como vender meia melancia. Pode até alimentar, mas fica faltando o resto. É a mesma coisa. A pessoa vai aprender tudo e ao mesmo tempo não vai aprender nada. Tem de buscar um aperfeiçoamento em alguma luta", afirma Fábio Noguchi, técnico que revelou o campeão Anderson Silva.

O pensamento é compartilhado pelo professor da Universidade da Luta, em Curitiba, Jetron Amaral. Para ele, entrar nas lutas mistas significa ter uma base, uma origem nas artes marciais, como o muay thai ou o jiu-jítsu. E o MMA surge como extensão.

Os mais jovens, no entanto, preferem pular etapas, fato que Amaral condena. "Alguns alunos vêm com essa ideia, mas vai do professor conversar com ele e explicar como precisa ser. Até dou aula de MMA, mas é complemento e algo mais solto", explica.

É comum que, com a exposição na mídia, o MMA atraia cada vez mais crianças e adolescentes sedentos para lutar no octógono. Mas Noguchi já avisa que existem etapas a serem cumpridas. "Sempre que chega alguém perguntando, explico que não é bem assim. Tem academias que fazem isso, mas na minha opinião não entendem nada", dispara.

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Agressividade dá lugar a técnica e psicologia

O novo lutador de MMA é bem diferente do que começou no vale-tudo. A agressividade, que antes dominava as lutas, já não é preponderante. Claro, o instinto continua presente, mas conta agora com mais aspectos técnicos e psicológicos. O combate deixou de ser um desafio entre origens para se tornar uma disputa de quem é o mais completo.

O octógono exige dos atletas que sejam capazes de se adaptar a um número maior de situações. É esse caminho que André Tubes e Diego Roberto estão trilhando. Lu­­tadores com passado no muay thai, ambos da academia Chute Bo­­xe, eles já representam a "geração MMA".

"O lutador de MMA tem de treinar jiu-jítsu, muay thai, boxe, ju­­dô, wrestling, preparação física, musculação, natação, corrida, no mínimo três horas por dia", afirma André, de 24 anos, que aposta nessa mistura. "Se na luta você toma um chute na perna e se machuca, vai ter de usar só mão, o boxe. Se caiu e não consegue levantar, vai ter de se virar no jiu-jítsu", explica.

Treinar tudo não significa agrupar várias modalidades sem a preocupação de se aprofundar em al­­guma. "A questão é dividir os treinos e não fazer tudo misturado, senão o lutador não pega nenhuma das áreas. Só de vez em quando que misturamos tudo", comenta Diego, também com 24 anos, refutando uma das principais críticas ao novo estilo eclético.

Segundo os praticantes, além das técnicas de luta, é necessário algo mais. "É um jogo de xadrez no qual é preciso saber atuar em todas as partes e usar a cabeça. Antes o MMA era pancadaria, mas hoje é difícil ver isso. Quem fi­­zer assim vai perder rapidinho. Vale a técnica e a inteligência", apon­­ta Diego.

Charles

Cinco anos. No máximo até o fim desse pe­­ríodo o mundo da luta estima conhecer um campeão diferente. Graças ao crescimento e à popularização do MMA (artes marciais mis­­tas, na sigla em inglês) começa a surgir uma nova geração de lutadores, os especialistas em va­­le-tudo.

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Se antes a regra era o atleta mi­­grar de uma modalidade específica para colocá-la à prova no MMA – à medida em que buscava novos recursos técnicos –, agora a tendência é ampliar conhecimentos logo de cara. Nas academias, é cada vez mais frequente o treino generalista. Esses lutadores já "nascem" experts nas artes marciais mistas.

Pode ainda não ser um estilo próprio, mas já é um esporte. E bi­­lionário, especialmente nos Esta­­dos Unidos. Lá se digladiam os maio­­res lutadores do mundo e o UFC (Ultimate Figthing Championship) começa a exigir uma formação ca­­da vez mais versátil a quem quer subir no octógono – e vencer.

"Com certeza houve uma evolução. Antigamente o lutador vi­­nha de uma luta de origem e de­­pois se aprofundava em outros fundamentos. Basicamente, en­­globava técnicas de jiu-jítsu, muay thai, boxe, wrestling e judô. Hoje o atleta moderno já faz um pouco de tudo", reconhece Rudimar Fe­­dri­­go, fundador da academia Chute Boxe, onde começaram a ser forjados vários campeões mundiais, como Wanderlei Silva, Maurício Shogun e Anderson Silva.

"Vimos que era um caminho de retorno financeiro mais rápido do que outras lutas e cada vez mais atle­­­tas se interessavam em fazer o MMA. Uma exigência do lutador mo­­derno. Mesclamos essas artes nos treinamentos. É um treino pi­­cado. Um supletivo da luta", explica Fedrigo.

A rotina do novo competidor inclui uma agenda variada. Na­­da de luta em pé em um horário e trabalho de chão no outro, por exemplo. E muita atividade física. "É treino de MMA mesmo. Tenta o estrangulamento do jiu-jítsu e golpeia com socos. Dá o chute do muay thai e prepara a queda. Tudo combinado", explica o técnico Eric­­son Cardoso. Ele treina, no Gua­­rujá, uma das promessa do país nesse novo molde de lutador produto do MMA. Charles "du Bronxs" tem 21 anos e é chamado por alguns fãs de "Neymar do UFC".

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O jovem construiu sua base no jiu-jítsu, chegou a viajar para Curi­­tiba para aprimorar o muay thai e teve uma experiência importante entre os lutadores de ponta: a presença em torneios amadores de MMA. Nesses eventos as regras são mais rígidas e usa-se capacete, ca­­ne­­leiras e luvas mais macias. "É um novo estilo que tem se po­­pu­­larizado muito. Cresceu de­­mais. Hoje recebo crianças a partir de 12 e 13 anos que querem o MMA", acrescenta Car­doso.

Entre os lutadores mais consagrados, dois nomes despontam co­­mo símbolos da versatilidade, mes­­mo seguindo a antiga escola. A nova estrela do octógono é o norte-americano Jon Jones. Em sua última luta no UFC, ficou com o cinturão do curitibano Maurício Sho­­gun, nos meio-pesados. Apesar da base forte no wrestling, ele migrou rápido para os treinos em várias modalidades. O canadense Geor­­ges St. Pierre, carateca de origem – para fugir do bullying na infância –, se especializou também em boxe, wrestling e jiu-jítsu e é considerado um dos mais completos na galeria dos campeões do UFC.

Toda essa evolução é quase um golpe à origem do vale-tudo. A família Gracie desafiava lutadores de vá­­rias modalidades para provar que o jiu-jítsu – criada para a defesa por monges budistas – era mais eficiente do que qualquer outra arte marcial. Ainda mais naqueles anos 30, quando não havia nem regras e nem tempo para as lutas.

O combate no solo propagado pe­­los Gracie criou fortes raízes no Rio. Curitiba foi a porta de entrada do tailandês muay thai no Brasil, há mais de 20 anos, e o talento nos gol­­pes e chutes trouxe fama internacional à cidade.

O apego a cada uma das artes – mesmo que outras fossem in­­corporadas ao vale-tudo – acirrava a rivalidade. A vitória era como um nocaute no estilo adversário. Hoje a febre do MMA desafia to­­dos os estilos.

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