Felipe Ximenes, o homem forte do futebol coxa-branca| Foto: Daniel Castellano/ Gazeta do Povo

Passo a passo

Para assumir um cargo de gerência no meio esportivo é preciso passar por uma série de provações. Veja se você preenche o perfil.

1. Gostar de futebol

E quando se fala em gostar é a ponto de estudar conceitos táticos, história do esporte, estatísticas e ter uma ótima vivência em estádios, evitando o formato pasteurizado de ver os jogos pela tevê.

2. Formação acadêmica

É mais do que necessário ter curso superior completo, falar inglês e espanhol, noções de Direito, marketing e mercado esportivo.

3. Formação constante

Especialização em administração, planejamento e recursos humanos. É importante ainda participar de diversos eventos, palestras e debates sobre o tema.

4. Perfil de trabalho

Não adianta se postar como executivo apenas. O bom gerente de futebol circula fácil entre boleiros, treinadores, cartolas, empresários e torcedores. Por circunstância, precisa representar o clube em eventos comerciais ou festivos.

5. Rotina

É bom acompanhar treinos e viajar com o grupo para os jogos. Para os atletas, o diretor é o alter ego do presidente. Importante ter a rotina de reuniões de planejamento, tomar decisões rápidas e passar feedback aos subordinados. No período de férias do calendário esportivo, trabalha muito para achar boas oportunidades de negócios. Sem descanso.

6. Imagem

Nunca passa a impressão de todo-poderoso à torcida. Em caso de derrota, será o alvo da fúria. Por discrição, evita entrevistas, mas jamais deixa de tirar dúvidas dos jornalistas.

7. Salário

Se você acha que pode encarar esse desafio, não tenha medo de pedir alto pelo desempenho. Em regra, os profissionais chegam perto da casa dos seis dígitos. Cobre caro mesmo, pois o desgaste vai impedi-lo de trabalhar neste ritmo durante toda a vida.

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Mercado se abre para os treinadores

Basta uma simples caminhada pelos imponentes salões do Copa­­cabana Palace, no Rio de Janeiro, durante o Footecon, principal fórum de futebol do país, ocorrido no início do mês, para se trombar com vários técnicos em início de carreira – e um sem fim de aspirantes a "professor". Gente que, encantada com os salários de primeiro mundo, tenta seguir os passos de veteranos como Luiz Felipe Scolari, Vanderlei Luxemburgo, Mano Menezes e Muricy Ramalho. A concorrência é grande.

Alguns dos aspirantes usam a universidade como ponto fundamental para a partida. A maioria, po­­rém, almeja o certificado da As­­socia­ção Brasileira de Trei­nadores de Futebol (ABTF) – ao lado da graduação em Educa­ção Física, a formação mais adequada. Ou, ainda, há quem jogue todas as suas fichas simplesmente no feeling de ex-boleiro.

Para quem se aventura, além de conhecer tática, espera-se entrar na rotina com noções de psicologia do esporte, fisiologia e preparação física. O mercado é farto em ofertas, mas a remuneração inicial está longe do sonhado e a jornada in­­clui trabalho em dois períodos, instabilidade e excesso de viagens.

O ex-volante Axel, 41 anos, por exemplo, engatinha na profissão. Trabalha na categoria de base do Campus Pelé Litoral FC, a escola de futebol criada pelo Rei Pelé em Santos. Ele aposta em simpósios e palestras no estilo do evento organizado por Carlos Alberto Parreira – especialmente na rede de contatos que se consegue fazer – e em estágios com treinadores de renome para crescer na área.

"A experiência como jogador ajuda, sem dúvida. Estou na base, criando o meu perfil de técnico. A ideia é aprender para chegar bem no profissional", disse o ex-jogador, com passagem pelo Atlético, falando da estratégia que criou – e foi duramente criticada por Mano Menezes durante o Footecon.

O comandante da seleção quer que os treinadores de garotos se­­jam mais valorizados e ajudem a implantar uma filosofia de trabalho nos clubes, estilo Barcelona, evi­­tando usar a passagem pela ba­­se como ponte para o profissional.

Outro que usou as formações juvenis e juniores como pontapé foi Vinícius Eutrópio, 45 anos, ex-coordenador das categorias de base do Furacão. Sempre acompanhado de papel e caneta, ele anotava as dicas de experientes como Ney Franco e o alemão Jürgen Klins­­mann, atualmente no co­­mando da seleção dos EUA.

"Tinha etapas para cumprir na base, não queria sair direto [dos gramados] para uma equipe principal. Mas, na minha cabeça, sempre pensei que chegaria. É uma crescente", disse Eutrópio, que, entre trabalhos no interior paulista, integrou a comissão técnica da África do Sul liderada por Parreira na Copa de 2010.

As conversas durante o congresso – e a bênção de Par­­reira – ajudaram também o ex-lateral da seleção Branco a cavar uma vaga no Figueirense.

O ex-jogador Beto teve uma incursão malsucedida no cargo de gerente. Agora administra o salão de beleza da esposa, mas não desistiu do trabalho com o futebol

Facilidade para se relacionar, ter curso superior completo, dominar mais de um idioma. Importante: saber administrar vaidades. E, é claro, ter amplo conhecimento do mercado, com acesso a cartolas, empresários e boleiros. Os referenciais – que poderiam muito bem estar no caderno de classificados de qualquer grande jornal do país – são alguns dos requisitos básicos para quem quer se aventurar na profissão do momento: gerente de futebol.

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O cargo, que até o início da década passada se resumia a resolver questões burocráticas, como agendamento de passagens e a reserva de hotel, cresceu dentro do mundo da bola. Passou a ser o diferencial no organograma dos clubes, com atribuições bem mais importantes, como a contratação de técnicos, montagem do elenco e a criação da tal "filosofia de trabalho", objeto de desejo de nove em dez clubes.

A difícil especialização e o raro espírito de liderança fazem desses managers figuras cada vez mais valorizadas. Em regra, cobram valores altos, perto dos R$ 100 mil. Alguns também se sentem à vontade para ter porcentuais nas cotas de patrocinadores que negociam.

No Brasil, instituições de ensino passaram a promover cursos de administração no futebol, devido à grande procura. Uma febre anterior surgiu na Europa. A Uefa – a Federação Europeia – começou no ano passado a capacitar pessoas para atuar nesta área. O certificado tem a chancela da Escola Suíça de Administração Pública. A Fede­ração Paulista também promove o chamado Master em Gestão do Futebol, com aulas de planejamento estratégico, marketing e direito esportivo e até economia aplicada.

"É mais do que preciso ter al­­guém capacitado no comando do futebol, com todas as informações necessárias. As equipes que acharam esse profissional saíram na frente", afirmou o técnico Ney Franco, campeão brasileiro da Série B pelo Coritiba em 2010 e coordenador das divisões de base da seleção brasileira.

O Alviverde pode se considerar um expoente nesta área. Tudo por causa do trabalho de Felipe Xi­­menes, 44 anos, um professor de educação física que andou por diversos ramos da profissão para ganhar experiência até se encontrar na carreira. Um caminho difícil de ser percorrido, repleto de palestras, curso de especialização e muito, mas muito, contato com profissionais da bola.

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Há pouco mais de dois anos no Alto da Glória, Ximenes enfrentou algumas turbulências até ganhar autonomia total, a popular ‘carta branca’. A mais pesada quase custou o emprego do executivo.

Logo nos primeiros dias de Coxa, Ximenes viu seu espaço ser reduzido pela diretoria da época. Em meio à falta de resultados, o grupo decidiu na ocasião convocar o médico João Carlos Vialle, ligado à ala do ex-presidente Giovani Gionédis (perdeu para Cirino por apenas um voto no pleito alviverde) e responsável pela vitoriosa campanha na Segunda Divisão de 2007. Racha que terminou de forma traumática, com um novo rebaixamento, desta vez justamente no ano do centenário coritibano (2009).

"Cheguei com um clube e um grupo [de jogadores] divididos. Por isso sempre ressalto a importância de se extrapolar a questão do campo. É preciso autonomia para se tomar decisões. As funções estão acima das pessoas", revelou ele, durante o Footecon, principal fórum de futebol do país, no início do mês – o dirigente coxa foi uma das estrelas do evento, no Rio de Janeiro. "Essa capacitação é extremamente importante", reforçou.

Com a ascensão de Vilson Ribeiro de Andrade, Ximenes ganhou o tempo necessário. E, com liberdade, criou as condições para o Alviverde ganhar corpo, voltar à Série A, ser bicampeão paranaense, vice da Copa do Bra­sil e flertar com a Libertadores. "Sou um catalisador dentro do clube", ressaltou.

"No futebol está tudo muito centralizado no técnico. É preciso mudar", emendou Rodrigo Cae­tano, um ex-jogador obscuro que cursou Administração de Em­­presas, retornou ao futebol, e ganhou moral por coordenar o trabalho que levou o Grêmio à final da Libertadores (2007) e reerguer o Vasco na sequência – acaba de deixar São Januário por divergências em relação ao planejamento para 2012. O segredo do sucesso é o mesmo de Ximenes: autonomia. "É preciso saber com exatidão aonde se quer chegar", ressaltou, numa frase que serve tanto para o profissional como para os clubes.

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Liberdade e autonomia que abreviaram a passagem do ex-volante Beto Amorim pela profissão. Os dois anos na gerência paranista (entre 2008 e 2010), logo após pendurar as chuteiras no próprio Tricolor, serviram apenas como aprendizado.

"Não tinha as condições ideais para ser gerente, apenas intitularam o cargo com esse nome. Com limitações é muito difícil", explicou ele, que terminou recentemente o curso de Educação Física. Entre os problemas que teve de administrar, está a impontualidade no pagamento dos salários dos jogadores, algo recorrente na Vila Capanema.

Beto gostou da experiência, mas quer se aproximar da bola. Talvez ser auxiliar-técnico. En­­quanto isso não acontece, usa os ensinamentos garimpados no futebol para organizar o salão de beleza da esposa. Ali, com autonomia total.

Personagem

Paulo Miranda, 37 anos, está em vias de completar a trilogia boleira. Foi jogador de futebol, com passagem por Atlético, Coritiba e Paraná, atua no momento como empresário de atletas – em parceria com um amigo francês –, mas já projeta sua nova profissão: gerente de futebol.

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Ele espera, quem sabe em até um ano, estar comandando o departamento de futebol de algum grande clube – recebeu sondagens que não prosperaram do Paraná Clube. "Não era o momento. Preciso viver algumas coisas. Estou aí para aprender", disse ele, apostando em cursos rápidos e no fato de dominar o francês (além de se virar no espanhol), além, é claro, na experiência de ex-volante, para fazer sucesso na nova empreitada.