“A valorização dos símbolos nacionais”, estabelecida como prioridade pelo Ministério da Educação, anda distante dos gramados. Centro de polêmica nesta semana, a execução do hino brasileiro em partidas de futebol só teve em situações esporádicas o tratamento exigido na lei que trata desses símbolos nacionais.
Em carta enviada a escolas do país, o ministro Ricardo Vélez Rodríguez pediu que alunos, professores e funcionários fossem colocados em fila para cantar o hino em frente à bandeira do Brasil, cerimônia que deveria ser filmada e enviada ao MEC. Se recebesse vídeos dos estádios nesse momento solene, o titular da Educação não ficaria satisfeito.
Presente nos estádios brasileiros com frequência a partir do início deste século, o hino nacional não é respeitado com a reverência determinada na lei 5.700, de 1971, publicada no governo do presidente Emílio Garrastazu Médici. O artigo 30 estabelece que, durante a execução, “todos devem tomar atitude de respeito, de pé e em silêncio, os civis do sexo masculino com a cabeça descoberta”.
Quem já esteve no estádio cinco minutos antes de um jogo de futebol sabe que não é o que se vê. Os palmeirenses se divertem trocando cada conjunto de quatro sílabas por “meu Palmeiras”. Corintianos entoam “todo-poderoso Timão” e outros versos, impublicáveis. No Rio Grande do Sul, em várias ocasiões, a arquibancada prefere berrar o hino do estado no momento em que o sistema de som veiculava a canção-símbolo do país.
Não é uma novidade. Desde que a apresentação se tornou obrigatória, sempre foi observada uma realidade distante da exigida em lei. Isso ficou claro a partir de 2001, quando lei estadual de São Paulo tornou compulsória a execução do hino, determinação que passou a ser copiada por outros estados. Roraima já exigia, desde 1997, que fosse tocada a introdução do hino em eventos esportivos.
Do início do século para cá, os torcedores se acostumaram a ver a cerimônia com algum desdém. A obrigatoriedade em competições esportivas virou lei nacional no final de 2016, sancionada pelo presidente Michel Temer, ganhando nova imposição: “em qualquer hipótese, o hino nacional será tocado ou cantado integralmente”.
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Isso acarreta uma consequência negativa para os atletas, que veem atrapalhado seu processo de aquecimento. Entre a execução da canção -cuja versão oficial leva pouco mais de três minutos e meio- e o protocolo de cumprimento aos adversários e árbitros, perde-se parte do trabalho realizado.
“O ideal é que o intervalo entre o final do aquecimento e o início do jogo seja menor. Quanto menor o intervalo pré-jogo, menor o tempo de perda de calor do atleta para o ambiente externo. A grande preocupação é relacionada principalmente às lesões musculares, mas também podem ocorrer torções se os músculos não estiverem bem ativados”, explicou Thiago Santi, fisiologista do Palmeiras, citando a interferência das condições climáticas nesse processo.
“Em um jogo no Rio de Janeiro, às 21h, no mês de julho, com uma temperatura média de 25ºC, a temperatura corporal vai ser mantida. Porém, nesse mesmo período, em Curitiba ou Porto Alegre, a temperatura pode ser de 10ºC, o que de fato torna mais perigosa a situação em relação às lesões”, acrescentou Fanti.
Em Curitiba, também é obrigatória a execução do hino estadual antes das partidas. O Paraná é um dos dez estados com legislação específica sobre a apresentação de sua própria canção-símbolo.
Os jogadores estranharam quando o hino nacional passou a ser executado em sua versão integral, nos primeiros jogos de 2017. Em um dos primeiros jogos do Palmeiras daquele ano, os atletas foram “cumprimentar a arbitragem e os adversários ao final da primeira parte [do hino]”, relatou o árbitro da partida.
A proposta da lei que obriga a execução completa foi apresentada em 2009, pelo senador Cristovam Buarque (PPS-DF). A relatora do projeto aprovado, Ana Amélia (PP-RS), celebrou a sanção, no fim de 2016, apontando os Estados Unidos como exemplo.
“Veja como o norte-americano canta seu hino. Ele bota a mão no peito e faz uma reverência. O Brasil está começando um pouco esses hábitos, mas nem todos cantam”, disse a então senadora.
Houve um momento de exceção, antes mesmo da aprovação dessa lei. Na Copa das Confederações de 2013 e na Copa do Mundo de 2014, ambas realizadas no Brasil, ficou famoso o gesto de jogadores e torcedores, que continuavam cantando o hino quando a execução era interrompida.
Por determinação da Fifa, a apresentação de cada hino deveria levar, no máximo, 90 segundos. E a versão entregue pela CBF tinha 65, bem menos do que os 215 da canção oficial do Brasil, com música de Francisco Manoel da Silva e poema de Joaquim Osório Duque Estrada.
“Nunca vi o hino cantado com tanto amor, com tanta emoção”, disse José Maria Marin, à época presidente da CBF, que fez questão de passar aos jogadores da seleção brasileira o comportamento ditado pela lei de 1971.
“Você viu alguém mascando chiclete? Falei que não queria ver ninguém mascando chiclete, arrumando meia ou fazendo exercício durante o hino. Sabe por quê? Para mostrar que tem comando”, afirmou Marin, hoje preso nos Estados Unidos por crimes de corrupção cometidos no comando da CBF.
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