A cena transformou-se em um fantasma que ainda hoje persegue o ponta-esquerda Ado, de 42 anos, pelas ruas de Bangu, subúrbio do Rio de Janeiro. O Maracanã lotado por mais de 120 mil flamenguistas, tricolores, vascaínos e botafoguenses, apoiando o simpático time do bicheiro Castor de Andrade, acompanha a caminhada do camisa 11 até a marca do pênalti.

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O experiente Rafael lhe entrega a bola e vê a ansiedade do garoto de 22 anos, que aperta com força a imagem de Nossa Senhora Aparecida pendurada no calção, e provoca: "Vai ser uma briga boa, entre a sua Nossa Senhora e o meu São Judas Tadeu. Eu sei onde você vai bater."

A profecia intimida Ado. Ao perceber que o camisa 1 do Coritiba cai para o canto esquerdo, ele gira o corpo sem muito jeito, tentando chutar do outro lado. A bola sai sem força e direção, rente à trave e some lentamente em direção à geral do Maracanã.Enquanto Rafael comemora, Ado retorna lentamente ao meio-de-campo, chorando. É amparado por Gil, seu reserva na ponta esquerda. Os dois se abraçam e choram quando Gomes converte a cobrança que dá o título brasileiro de 1985.

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O filme que passa diariamente na cabeça de Ado mudou sua trajetória no futebol. O ponta-esquerda cotado para servir à seleção brasileira viu as portas dos clubes grandes do Rio se fecharem. A saída foi se exilar em Portugal, onde passou oito temporadas defendendo o Espinho, antes de retornar ao Brasil.

Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, por telefone, Ado – ainda em atividade, no Campo Grande, da Terceira Divisão carioca – lembra como entrou para a história do futebol paranaense, admite que o Bangu menosprezou o Coritiba na decisão e revela o sonho de dar um título como treinador ao vice-campeão brasileiro de 85.

Gazeta do Povo – Qual lembrança você tem da decisão do Brasileiro de 85?

Ado – Eu lembro todo o dia daquele jogo porque moro em Bangu. As pessoas lembram com tristeza daquele momento, conversam comigo sobre o título perdido. Sempre mantenho contato com o pessoal daquele time do Coritiba. Sou muito amigo do Tobi (jogaram junto no Bangu), sempre pergunto como estão o Lela, o Gomes, o Índio, o Rafael.

– Aquele pênalti marcou sua carreira?

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– Minha carreira foi prejudicada pela perda daquele pênalti. Deixei de ser convocado para a seleção brasileira e de ser lembrado pelos grandes clubes do Rio por causa daquilo. Depois cheguei a receber uma proposta para jogar no Coritiba, mas preferi recusar por ter perdido o pênalti.

– Havia um clima de já-ganhou no Bangu?

– O que mais atrapalhou a gente foi o clima de já-ganhou. Fomos para o Maracanã em cima da hora do jogo porque não demos ao Coritiba a importância merecida, achamos que era uma equipe mais fraca. Perdemos por isso, não só pelo meu pênalti. O nosso time entrou em campo meio mole e só acordou quando levou o primeiro gol.

– Esse clima de já-ganhou contagiou todo o Rio de Janeiro.

– O pior foi isso. Eram o Rio de Janeiro e o Brasil todo, menos Curitiba, torcendo para o Bangu. O time estava em ascensão, tinha grandes jogadores, e a perda do título gerou uma grande decepção. Pensei até em parar de jogar bola, mas recebi o apoio dos meus familiares e pessoas como Zico, Júnior, Edinho, dizendo que eu não parasse. Continuo jogando e só pretendo parar quando as pessoas do Bangu me convidarem para fazer um trabalho no clube (como técnico). O meu objetivo maior é reerguer o Bangu.

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– Como foram aqueles momentos entre a sua saída do centro do gramado e a cobrança do pênalti para fora?

– Eu era o batedor oficial, mas, como tinha tomado uma pancada no tornozelo, pedi para não bater. O Israel cobraria o sexto pênalti, mas na hora que ele pegou a bola, o Moisés (técnico) olhou para mim e falou: "Você é o cobrador oficial, tem que bater". Na hora, pensei: "Nunca perdi pênalti, não é contra o Coritiba que eu vou perder". Fui com confiança, o Rafael caiu no canto que eu batia, fui mudar de lado, e chutei para fora. Aí, foi aquele banho de água fria.