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Orlando, hoje porteiro, guarda em casa lembranças do período vitorioso e rico do Paraná | Antônio More/Gazeta do Povo
Orlando, hoje porteiro, guarda em casa lembranças do período vitorioso e rico do Paraná| Foto: Antônio More/Gazeta do Povo

Para driblar o calor na minúscula guarita, seu Orlando coloca a cadeira sob uma árvore ao lado da grade interna na Vila Olímpica do Boqueirão. Lá, controla o acesso e barra – com gentileza – os pais, e principalmente as mães, que querem acompanhar os treinos dos filhos nas categorias da base do Paraná. "Se deixar elas ficam lá torcendo, mandando nos meninos", conta.

Foram a função e o local que restaram ao funcionário mais antigo a serviço do futebol paranista. Orlando Ribeiro, 70 anos, começou ainda no Ferroviário como massagista, seguiu no Colorado, viu a fusão com o Pinheiros como roupeiro e, 48 anos depois, não hesita um segundo para cravar: "É o pior momento da história do clube". Constatação feita sob lágrimas pelo gerente de futebol do clube Marcus Vinícius, há 11 dias. Ele cravou que o clube irá acabar ainda neste ano se não houver união dos paranistas.

A convicção do seu Orlando sobre o ápice da crise tricolor é acompanhada por outros funcionários com bastante tempo de casa. A eles, a derrocada da instituição parece doer mais, confessam. O sentimento é parecido com o que se vê pelas sedes do clube. Abandono e deterioração.

"Parece mentira a situação de hoje. Coisa mais boa do mundo era trabalhar aqui. O time, o clube, tudo. Olha isso agora", diz ele apontando para as piscinas vazias e aos poucos ocupadas pelo mato da sede social ao lado do Érton Coelho Queiroz. "Isso aqui fervia de gente. E tinha a Capanema, o Tarumã. Só sobrou a Kennedy. O resto...", reforça.

A depreciação é quase inimaginável para quem viveu a era gigante pós-fusão, nos anos 90. "Era uma coisa de louco isso aqui. A gente recebia em dólar. Dó-lar", frisa o ex-massagista e atual administrador da Vila Capanema, Londre Seixas – ele assumiu o lugar de José Luiz, o seu Zé que era então o funcionário mais antigo do futebol e foi obrigado a deixar o clube após desmaiar durante um jogo, aos 77 anos.

"Tem gente que brinca que eu comprei até casa com o que ganhei de 'bicho'. Não é bem assim, porque minha esposa trabalhava. Mas que ajudou, ajudou", conta.

"Teve um jogo contra o Coritiba que prometeram US$ 400 se ganhássemos. No final, pagaram US$ 800", revela, sem lembrar a partida específica. "Hoje tem funcionário que ganha R$ 800 e está sem receber há três meses", diz.

"Antes se você falasse de atraso, todo mundo corria pra não sair na imprensa Acho que perderam a vergonha agora", acrescentou, excluindo qualquer má-fé da direção. "Não tem de onde tirar", confia.

"Teve uma época em que a gente quase nem mexia no salário. Dava para viver das premiações", reforça seu Orlando, que estava prestes a completar cinco meses de atraso salarial, incluindo férias e 13.º salário. Os atrasos recorrentes levaram a esposa a trabalhar, reduzir os churrascos no fim de semana, mudar um pouco o cardápio da família, fazer empréstimo.

Tudo isso ele até releva. Mas chora ao contar que no penúltimo Natal não tinha dinheiro para comprar um chocolate para a filha. Mas fale mal do Paraná perto da Ingrid para ver. Paranista, foi ela quem salvou parte das recordações do clube fadadas à destruição em um dia de fúria do pai, após ser obrigado a trocar os vestiários onde estava há 45 anos e virar porteiro sem nenhuma explicação.

Há três anos, ele abriu as dificuldades salariais com o então técnico Ricardinho, de quem cuidava dos uniformes desde a época de juvenil. "Ele me disse que o assunto dele era os jogadores. Que os funcionários eram problema da diretoria", lembra.

"Dois dias depois, encostaram ele lá no Boqueirão", conta Londre. Orlando prefere não polemizar. Fica emocionado de novo. "O Ricardinho era amigo da gente..."

As dificuldades de fim de ano são comuns no Tricolor com a praxe de não se pagar regularmente férias e 13.º salário. "Esse ano só não foi pior porque os jogadores nos ajudaram", conta a auxiliar de serviços gerais Maria Faride. Aos 60 anos e 15 no Paraná, ela arranjou um bico de faxineira nos fins de semana para ajudar no orçamento intermitente. Levou outro baque agora com a perda da taxa de R$ 40 levada junto com a renda penhorada por um oficial de justiça em um dos jogos no Estadual. "A gente contava com esse dinheirinho."

Já desistiu até de ficar cobrando os atrasados. "Entre eles, o INSS, verba obrigatória que é descontada em folha. "Se a gente vai na Kennedy cobrar, fica lá sentada, por horas. Ninguém atende", conta.

Cozinheira da Vila Olímpica e no clube há 15 anos, Arlete Borges também tem dificuldade em imaginar uma solução para o clube. "A coisa está cada vez mais difícil e a gente precisa se virar com outras coisas porque não conseguimos contar com o salário", disse. "Ficamos porque gostamos das pessoas do trabalho, do clube. É uma pena", admite, resignada.

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