Adriano Gabiru estava em alta na virada de 2003 para 2004. Ídolo do Atlético campeão brasileiro dois antes, ele acabara de ganhar a posse de seu passe, antes pertencente ao Rentistas, um pequeno time uruguaio. Para renegociar sua permanência no Furacão, chamou aquele que era uma espécie de assessor/assistente pessoal. E amigo. “Ele me disse: ‘Naor, preciso de ajuda; você vai lá, lê o contrato, vê se é isso mesmo’. Eu falei: ‘Gabiru, eu não entendo nada de contratos’. Ele insistiu”, relembra Naor Malaquias, a quem o camisa 8 recorreu. Formado em Administração e Comércio Exterior, Malaquias acompanhou Gabiru, sua mãe e seu agente na reunião. “Nos encontramos com o Mário [Celso Petraglia, presidente do clube na época]. Eu acompanhei a negociação, vi valores altos para mim na época. Eles acertaram em R$ 350 mil em sete vezes. E tudo que tinha sido dito estava no contrato. O Gabiru poderia ter ido para o Inter, para o Cruzeiro, mas resolveu ficar no Atlético”, conta.
Uma semana depois, a jogada ficou clara. “O Petraglia chamou o Gabiru e disse: ‘olha, eu fiz você, você é o cara, mas não tem mais espaço aqui no Atlético. Vou te vender para o Cruzeiro’. O Gabiru ficou feliz, ia ganhar um salário mais alto. Aí ele vendeu 25% do Gabiru por 500 mil dólares. Eu pensei: ‘meu Deus, esse Petraglia é um mágico; o cara gasta R$ 350 mil e uma semana depois vende 25% do atleta por 500 mil dólares”, invejou Naor na época. “Viajei com o Gabiru para Belo Horizonte, arranjei casa e carro para ele e voltei para casa achando um ótimo negócio [do Petraglia], mas um negócio normal. Só que não caiu a segunda parcela do pagamento do Atlético para ele. O Gabiru me pediu ajuda”, relembra. Malaquias ligou para o presidente do Furacão. Petraglia disse que ia ver o que houve. Passou um tempo, Gabiru reclamou novamente. “Aí, na minha inocência, liguei de novo. ‘Oi Mário, tudo bem? Aquela parcela do Gabiru ainda não caiu’. Ele perguntou: ‘você é empresário de jogador?’. Eu disse: ‘não’. Ele falou: ‘só falo com empresário de jogador’. E desligou”.
Foi ali que Naor descobriu que a vida no futebol não é “tranquila como uma manhã de domingo”. Um ano depois, ele e o irmão Marquinhos eram empresários credenciados pela CBF.
Hoje, com a tecnologia, você conhece o jogador a distância por causa do YouTube ou do iScout [um aplicativo famoso com estatísticas de atletas]. Ficou mais fácil descobrir o talento. Mas tem uma coisa que a tecnologia não pega: o extracampo
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Naor Malaquias, hoje aos 40 anos, dedilha com alguma desenvoltura o hit Easy, um sucesso dos anos 1970 da banda Commodores, no bonito piano em sua sala. A pouca sutileza de Petraglia, a quem ele até admira, de certa forma, serviu para ensinar na prática que os negócios no futebol são um misto de bons cálculos e jogo de cintura. De lá para cá, ele se tornou um craque nisso. Muito pelo faro nos negócios, mas também pelo bom papo. Malaquias conquistou a confiança de muita gente, de jogadores a dirigentes. Dá para entender por quê. Ele é daqueles que podem passar uma tarde contando histórias da bola com a naturalidade de um tio no churrasco da família. Ao lado de seu irmão Marquinho, ganhou espaço negociando atletas que surgiram ou despontaram no trio de ferro da capital. Os ex-Coritiba Rafinha (Bayern de Munique), Henrique (Fluminense), Keirrison (ainda no Coxa), Pedro Ken (Ceará) e os ex-Atlético Dagoberto (Internacional) e Pedro Oldoni (hoje no futebol indonésio) passaram pelo seu escritório. “Trato os jogadores como se eu fosse um irmão deles”, diz. O de sangue, aliás, saiu do jogo em 2014, depois participar da transferência de Neymar do Santos para o Barcelona, sua última grande jogada. Naor permaneceu em campo.
E dá trabalho, ainda que menos do que no passado. “Hoje, com a tecnologia, você conhece o jogador à distância por causa do YouTube ou do iScout [um aplicativo famoso com estatísticas de atletas]. Ficou mais fácil descobrir o talento. Mas tem uma coisa que a tecnologia não pega: o extracampo”, explica. Esse é o segredo do sucesso. “Não é só negociar um atleta. O jogador é um diamante, ele precisa ser lapidado. E com cada um você deve lidar de forma diferente. Claro, eles são jovens, precisam se divertir, extravasar. Mas tem hora para se divertir. Chegou dentro de campo, tem que ir bem”, diz.
Apesar de atuante, o empresário está desacelerando. Seu objetivo agora é trabalhar mais com atletas de base, sem viajar tanto. Prefere ver ao vivo os dois filhos – de um e quatro anos – crescerem, e não por fotos. Um luxo que os bons negócios feitos lhe garantiram. Malaquias passa boa parte do tempo em seu sobrado de três andares na Vila Izabel, onde toca piano e fica perto da família e dos dois cachorros, Kia e Summer. O casal de berneses, uma raça suíça, e a convivência com os filhos inspiraram uma aventura extracampo: Naor produziu uma série de animações infantis educativas. Seus vídeos são sucesso no Youtube. Mas ele confessa, ainda é um ambiente que precisa explorar melhor. Por enquanto, os atalhos que ele conhece são os das quatro linhas.
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A história no business do futebol começou pelas beiradas. Seus irmãos mais velhos, Marcos e Percy, abriram uma quadra de grama sintética na Mateus Leme no começo dos anos 2000, a Golden Ball. “Na época só tinha uma quadra de gramado sintético, a JB Sports. Como era uma novidade em Curitiba, todos os jogadores queriam conhecer. Aí passaram a frequentar lá o Kléber, o Nem, o Washington, aquele time campeão do Atlético de 2001. Depois foi Dagoberto, Alessandro, Perdigão... Começamos [ele e os dois irmãos] a fazer amizades e eu vi como era a vida real dos jogadores. Não é só glamour”, conta Naor.
Logo, o irmão mais novo começou a fazer assessoria para alguns dos jogadores em tarefas para as quais eles não tinham tanto tempo, como comprar um carro, matricular o filho na escola, tirar documento, fazer a escritura de uma casa. “Eles não tinham ajuda em nada disso, porque geralmente ficavam longe dos pais, da família. A gente cobrava uma mensalidade, como se fosse um contador, e íamos resolvendo tudo na vida do atleta para que ele se concentrasse apenas na bola. O que aconteceu: aumentou o rendimento do jogador. Assim fomos entrando no mercado da bola”, diz.
Após o episódio com Gabiru e Petraglia, os irmãos Malaquias já tinham alguma cancha. Foi quando viram a sorte sorrir, em 2005. “O Rafinha [hoje lateral-direito do poderoso Bayern de Munique, mas na época no Coritiba] foi lá no nosso escritório no início da carreira. Os irmãos Malaquias empresariaram a jovem promessa, às vésperas de completar 20 anos. Foi quando o atleta ganhou uma chance na seleção sub-20 que disputaria o Mundial daquele ano. “Meu irmão [Marquinhos] viajou com ele para a Holanda. Ele arrebentou. Foi quando o [Giovani] Ginédis [presidente do Coritiba na época] falou: ‘nós vamos vendê-lo’. Ele tinha acabado de vender o Miranda por mais de dois milhões de euros, então pensou em vender o Rafinha por três”, conta. “Os alemães, os holandeses... Todos estavam em cima dele. Aí o Rafinha jogou uma partida melhor que a outra, fez gol na Alemanha. O Marquinhos falava: ‘meu Deus, os caras estão aqui em cima’. O Gionédis disse: ‘então vamos pedir quatro milhões’”.
Foi quase um leilão. “Chegamos na semifinal. Cara, quando, conseguimos essa vaga, o Gionédis falou: ‘nós vamos pedir 5 milhões de euros’. O Wolfsburg e outros times alemães queriam o Rafinha, mas falavam: ‘está caro, você está louco’. Aí veio o Schalke 04 [também da Alemanha]. Os representantes estiveram aqui no Brasil. O Gionédis falava: ‘fünf millionen euro’”, se diverte com o alemão do ex-presidente coxa. “O cara levantou da mesa, a gente achou que ele ia embora. Mas ele disse que iria voltar para conversar com o pessoal. Deu uns 20 dias, os caras voltaram aceitando preço e propondo dividir em três vezes. “Foi a maior venda do Coritiba até hoje”, comemora. Era a vitória como empresário. Depois do Schalke, Rafinha foi para o Genoa, na Itália; do Genoa foi para o Bayern de Munique. No gigante alemão foi campeão do mundo.
Dali para conseguir novos nomes, foi um pulo. E para apostar em outras estratégias, foi outro – só que um pouco mais demorado.
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Um pênalti duvidoso havia tirado a chance de o Paraná Clube chegar à vice-liderança da Série B, no último sábado (21). O empate fora, em 1 a 1, contra o América-MG, adversário direto ao acesso à elite do Campeonato Brasileiro, não foi motivo para desanimar os torcedores. Entre eles, Malaquias. É que o time vem bem. “Dessa vez acho que subimos”, comemorou o empresário no primeiro encontro com a reportagem, na segunda-feira. Para ele, um prazer duplo. Malaquias torce para o Paraná desde a época de Pinheiros. Além disso, o empresário tem sido, pelo menos em parte, responsável pelo momento de alívio financeiro para o clube.
Em maio, Malaquias comprou a partida entre Paraná e Atlético-MG, pela Copa do Brasil, e a transferiu para o Couto Pereira, a contragosto de alguns, que tinham medo de que o clube perdesse força fora da Vila Capanema. Bobagem. O Tricolor bateu recorde de público na temporada até então (mais de 17 mil torcedores no estádio). Ele não fala em valores, mas especula-se que tenha pago cerca de R$ 250 mil pelo confronto. O dinheiro da bilheteria, Naor havia indicado na época que seria revertido para o clube. Faz sentido do ponto de vista estratégico: o empresário quer um time forte para que seus jogadores ganhem visibilidade. Sua aposta é atuar na transferência de alguns destes nomes (ele trouxe atletas para o clube). “Um empresário de futebol é como um corretor de imóveis. Se vender, eu ganho [uma comissão]. Se não vender, não ganho. A porcentagem varia de acordo com a negociação”, diz Dez por cento é um valor de praxe.
É uma parceria que parece estar dando certo. Sobretudo em uma área em que faltam parcerias. A Federação Paranaense de Futebol (FPF) deveria ser a interlocutora [se fosse para os times se unirem]. Mas, vou contar uma história. Em 2005, quando vendemos o Rafinha, o Coritiba recebeu um ofício da FPF. O Onaireves Moura [então presidente da entidade] criou uma emenda na hora, na minha frente, pedindo 1% do valor de todas as transferências do futebol paranaense... Ele tinha esse poder porque o certificado de transferência internacional sai da FPF. O Gionédis dava pulo de dois metros de altura, mas, como a janela de transferências fechava em três dias, se não aceitássemos aquilo, o Onaireves não mandaria o certificado. Peguei o papelzinho com a assinatura do Gionédis, fui até a Federação. Entrei, ele estava sentado ali, fumando. Eu pensei: ‘meu Deus, não tem como se unir, como gostar da Federação’. Os clubes têm muitos gastos. E o pior é que se ele exigisse 10%, seriam 10%...”, relembra.
Vidas fáceis como manhãs de domingo, só na música dos Commodores em seu piano, aprendeu o empresário.
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