Inteligência e limite para saber lidar com a violência

• 0

Entrevista com Geoff Pearson, diretor do curso de Indústria do Futebol da Universidade de Liverpool.

Fernando Rudnick

A Inglaterra já foi conhecida mun­­dialmente por seus hooligans. Hoje, é referência no combate à violência no futebol. Problema reforçado em Curitiba após os incidentes do Atletiba do domingo passado, com brigas, depredação de patrimônio público e a morte do torcedor atleticano João Henrique Vianna.

Para tentar entender como o problema foi atacado e quais li­­ções a polícia brasileira poderia aprender com o exemplo britânico, a Ga­­zeta do Povo conversou, por te­­le­­fone, na sexta-feira, com o especialista em hooligans Geoff Pearson.

Professor de Direito e diretor do curso de Indústria do Futebol da Universidade de Liverpool, o torcedor fervoroso do Man­­ches­­ter United escreveu, há dois a­­nos, o livro Football Hooli­­ganism (sem tradução para o português). Com PhD e vários artigos científicos voltados ao futebol e à legislação, ele trata do assunto com a convicção de que "é impossível acabar com a violência". Por ou­­tro lado, levanta ações que poderiam ser copiadas pelo país sede da Copa de 2014.

Como era o panorama da violência no futebol britânico e como é atualmente?

Nas décadas de 1960 e 1970, as brigas eram frequentes. Grandes grupos, compostos essencialmente por jovens, entravam em conflito com rivais quase sempre dentro ou perto dos estádios. Hoje, normalmente as confusões são entre hooligans mais velhos, em números bem menores, longe das arenas. A maior incidência de brigas se dava, e ainda se dá, pois a torcida visitante sempre viaja ao estádio dos ad­­versários.

Qual foi a tática usada para com­­­bater o problema?

No final dos anos 70, começou-se um processo de prevenção à violência no futebol. A utilização de câ­­meras de circuito interno e de te­­vê em todos os estádios, combinada com punições duras, com a possibilidade de banimento para os verdadeiros hooligans, foram importantes. Além disso, o policiamento dos torcedores também me­­lhorou e até suspendeu o uso de equipamentos de "tropa de choque". O sistema de inteligência po­­li­­cial evoluiu muito. No início, al­­guns homens eram in­­filtrados entre os hooligans, mas por causa do alto risco, esse tipo de operação parou.

Em quanto tempo é possível ter a situação sob controle?

Em 2001, um grupo da polícia portuguesa entrou em contato com alguns acadêmicos ingleses, eu entre eles, para aprender a li­­dar com os hooligans na Euro­co­­pa de 2004. Em três anos, o pa­­no­­rama mudou totalmente. An­­tes conhecidos por serem duros demais, os policiais portugueses alteraram sua maneira de tratar os torcedores. Tanto é que na­­quele torneio apenas um hooligan foi preso e não houve confusão. Na Inglaterra, demorou mais de dez anos para arrumar a situação. Nesta caminhada, muitos erros foram cometidos. O Brasil pode aprender com eles, e fazer esse processo em menos tempo.

Quais as lições que a polícia brasileira deve aprender dos ingleses no combate à violência no futebol?

O primeiro, e mais importante, é que os policiais precisam saber interagir de forma amigável. Não é de forma agressiva que se impõe respeito. É preciso agir de acordo com a situação. Se estiver tudo tranquilo, não tem por que agir diferente. A segunda lição é agir com inteligência, identificando quem são as pessoas que começam as confusões e indo di­­­retamente nelas, sem bater em to­­­dos que estiverem ao redor. Se elas não obedecerem ao limite de tolerância estabelecido, os policiais devem agir. A polícia precisa ser amigável, mas também tem de passar a mensagem de que está ali para prendê-los se al­­go de errado acontecer.

É seguro ir a um estádio na In­­gla­­terra hoje?

Sim. Dentro e ao redor dos estádios as confusões são raras. Mas se você estiver interessado em briga, certamente vai encontrar. Longe dos campos.

Nos últimos meses, alguns atos de hooliganismo foram noticiados na Inglaterra. Sinal de que as coisas não estão tão bem as­­sim?

São casos isolados e que muitas ve­­zes não são bem noticiados pe­­la imprensa. A confusão na partida en­­tre Barnsley e Man­­chester United (terça-feira, pela Copa da Liga Inglesa) foi pequena, apesar dos estragos. Já no clássico entre West Ham e Mill­­wall (em agosto, pelo mesmo torneio), houve, sim, erros da polícia. Algumas coisas poderiam ter sido feitas para evitá-los. Mas, ainda assim, os fãs que invadiram o campo não provocaram confusão, só ficaram pulando e celebrando. Dentro e ao redor do estádio não houve problemas graves. Se considerarmos que 30 mi­­lhões de torcedores viajam todos os anos para ver seus times e os dados apontam para uma morte a cada dois anos, o número é baixo.

O que motiva grupos as pessoas a brigarem por causa do futebol?

Podemos dizer que eles brigam por seus times. Gostam e fazem isso por causa da ação e da adrenalina que os confrontos lhes dão. Na In­­glaterra também tem o fator cultural. É normal haver brigas de bar por aqui. Faz parte da cultura, prin­­­­cipalmente en­­tre os jovens. E normalmente quem briga por causa do futebol não briga só por causa disso. Sempre arranja outros motivos.

Existem gangues e grupos ex­­­tremistas infiltrados entre os hooligans?

Alguns hooligans, não todos, têm até ligação direta com má­­fias e outros grupos criminosos.

No Brasil discute-se a obrigatoriedade de registro para os torcedores que vão aos jogos. Você acha que essa medida funcionaria?

Não seria algo muito efetivo, além de ser uma perda brutal de receita para os clubes. Por aqui também foi pensado algo nesse estilo, mas a ideia foi abandonada.

No último domingo, depois do clássico local entre Coritiba e Atlé­­tico, um torcedor morreu atropelado por um fã do time rival. Como vê esse caso?

Eu não estava sabendo deste caso e, portanto, não posso falar com propriedade. Na minha visão, fa­­tos como esse, em geral, não de­­vem ser tratados através da relação que eles apresentam com o futebol. Deveriam ser vistos mais como um problema social.

Também no último Atletiba, 28 ônibus foram depredados por torcedores. Como evitar que isso se repita?

A polícia precisa estar presente para interagir com os fãs e estabelecer um limite de tolerância. Se existem problemas em estações de trens ou ônibus, os policiais precisarão estar presentes nesses locais.

Você acredita que algum dia o futebol estará livre da violência?

Com certeza não. Sempre vai existir violência quando se trata de um grande grupos de pessoas concentradas em um mesmo lugar. Ainda mais quando elas têm ideias diferentes, torcem para equipes distintas.