O atacante Tiago Chulapa procurava ser sempre o primeiro a chegar ao vestiário do Al Arabi, dos Emirados Árabes Unidos, antes dos treinos em 2014. O jogador não via a hora do funcionário do clube preparar as frutas servidas como aperitivo ao elenco porque as bananas e maçãs colocadas na bandeja eram as únicas garantias de que conseguiria comer no dia. Mesmo em um ambiente tão rico quanto o futebol, muitos brasileiros todos os anos enfrentam experiências como a de Tiago ao se aventurarem no exterior e terem de lidar com abandono dos clubes, promessas não cumpridas, falta de estrutura e até fome.
Segundo dados do registro de transferências da CBF, uma média de 600 jogadores brasileiros se transferem por ano ao exterior. Os destinos preferidos são geralmente Portugal, Arábia Saudita, Japão, Malta e Ucrânia, por vezes em divisões inferiores e com realidades financeiras distantes de salários altos e boas condições de trabalho. Um estudo feito em 2016 pelo sindicato mundial dos atletas, o FIFPro, revela que 21% dos jogadores profissionais do mundo ganha menos de R$ 1,5 mil por mês e 41% convive com rotineiros atrasos salariais.
Esses problemas se tornam ainda mais complicados quando se trata de um jogador brasileiro no exterior. Muitos mudam de país sozinhos, sem o conhecimento básico de outro idioma e longe de terem informações sobre o futuro clube. Um estudo divulgado em maio mostra o quanto a mão de obra nacional é a mais valorizada (e talvez uma das mais baratas) do mundo do futebol. Segundo um trabalho do Centro Internacional de Estudos do Futebol, na Suíça, o Brasil é a nação com mais jogadores em atividade fora do próprio país. Eram mais de 1,5 mil em 2019.
Por isso, jogadores como Tiago Chulapa por vezes precisam encarar muitos obstáculos fora do esporte. "Infelizmente é comum a gente passar dificuldade por confiar na pessoa errada. Eu fui para os Emirados Árabes pensando que seria contratado, mas na verdade eu fui enganado e estava só passando por testes. Não me deram nenhum papel para assinar", disse o jogador, que atualmente está no Nongbua Pitchaya, da Tailândia.
O atacante brasileiro passou um mês morando no Al Arabi. A equipe estava em crise financeira e em alguns dias não conseguia nem servir as refeições regulares ao jogador. "Tinha vezes que eu passava mal nos treinos, porque não tinha comido. Eu procurava dormir o máximo de tempo possível para não sentir fome", contou. A situação só melhorou depois que Tiago tentou a sorte no país vizinho, Omã, para onde foi se arriscar em um teste. Conseguiu passar e foi contratado.
Ao deixar o São Paulo no fim de 2015, o zagueiro Edson Silva aguentou ficar só cinco meses no Estrela Vermelha, da Sérvia. A dificuldade com o idioma, o atraso salarial e a falta de apoio à adaptação pesaram muito. "O clube estava em crise e não conseguia me pagar. Ainda bem que eu tinha guardado um dinheiro. Se não fosse isso, teria sido pior. Eu sofri também porque minha mulher estava grávida de oito meses e o clube prometeu me ajudar com isso e não cumpriu. Não conseguimos arrumar um médico adequado para que ela se sentisse à vontade", comentou o defensor, atualmente no Novorizontino.
Edson Silva conseguiu voltar ao Brasil e retomar a carreira com a certeza de que para jogar no exterior não vale só ficar atento ao dinheiro previsto no contrato. É preciso também observar se a estrutura para a família, acomodação e até a presença de um tradutor serão contemplados. "Quando o jogador vai para o exterior, precisa estar amparado para que ele só se preocupe com o futebol. Se não, você não vai se adaptar nem vai render", disse.
A falta de amparo do time fez o atacante Renan deixar o Wisla Krakow, da Polônia, sem nem avisar a diretoria. Após se transferir para lá em 2013 pela insistência do empresário, ficou só 40 dias. Hoje em dia no Santo André, ele disse ter sido vítima de xenofobia pelos colegas e sofrido com a falta de auxílio para se adaptar. O único que lhe ajudava era um colega hondurenho de time. "Eu fui buscar meu espaço, mas a realidade é bem diferente de quem tem contrato milionário. Eu deveria ter pesquisado mais, só que fui sem saber nada, sem referência", contou.
AUXÍLIO DOS COMPATRIOTAS - O meia Felipe Wallace encarou um revés no novo clube em plena pandemia do novo coronavírus. O jogador chegou ao Trang, da terceira divisão tailandesa, e logo depois teve o contrato rescindido. Sem poder voltar ao Brasil nem ter dinheiro para buscar um abrigo, ele teve as diárias em um hotel bancadas pelo clube. "Eles me pagaram 50% do salário até maio. Mas eu estava ficando sem condições. Eu almoçava, mas não tinha dinheiro para jantar. Me sentia como em um deserto", contou.
A situação dele só melhorou porque pelas redes sociais, conheceu outros jogadores brasileiros que jogam na Tailândia e que lhe ofereceram moradia e ainda o auxiliavam com alimentação. Agora, ele já negocia com outras equipes para disputar a próxima temporada da liga local.