Há cinco meses, a perspectiva de um futuro promissor na ginástica podia encher os olhos de qualquer uma, menos os de Janaína Silva. O status de melhor juvenil do país, os títulos nacionais e internacionais, o salário oferecido pela CBG, a viagem marcada para a disputa do Pan-Americano da categoria, nada foi suficiente para fazer a menina de 15 anos querer dar continuidade à carreira. A pressão no centro de treinamento de Curitiba a incomodava e em setembro ela resolveu anunciar a aposentadoria. Queria ter uma rotina comum a alguém de sua idade. Em duas semanas, porém, já não aguentava mais viver longe do ginásio. Resgatada pela supervisora da seleção, Georgette Vidor, Janaína se mudou para o Rio e adotou o Flamengo como nova casa. E hoje, o que a incomoda não é o ambiente, mas o tempo verbal.
O "era" a melhor juvenil do Brasil pronunciado pela técnica Viviane Cardoso soa como desafio. Ela agora trabalha forte para perder três dos seis quilos que ganhou e para provar que pode ser a melhor ginasta na categoria adulta.
"Eu sempre fui a estrela da família, minha mãe fez de tudo para não me deixar sair da ginástica, mas estava no meu limite, de saco cheio. Eu tinha que abrir mão dos amigos porque era treino, treino e mais treino. Acabou que parei e não fiz nada. Fiquei em casa e senti falta da rotina logo nas primeiras duas semanas. Foi engraçado porque a Georgette me ligou e eu, mesmo sem prestar atenção ao que ela falava, respondia não. Aí percebi que era um convite e aceitei. Eu agora quero entrar em forma de novo e treinar muito para voltar com tudo, explodindo, mostrar do que sou capaz para todo mundo", disse Janaína, que foi convidada pela CBG para o período de treinamento da seleção em Blumenau.
Quem conhece a ginasta desde a infância, sabe que ela não brinca quando fala. O técnico Ricardo Pereira trabalhou com Janaína quando ela ainda era uma criança de 10 anos. Descreve a pupila como alguém que tem "sangue nos olhos".
"Ela é talentosa e importante para a seleção. É uma ginasta muito boa no solo e no salto, e não tem um aparelho que seja ruim. Estava sobrando no Brasil, mas nem o fato de estar no auge, de ter ganhado o campeonato brasileiro no individual geral e o bronze no salto no Torneio Internacional do Japão, com as melhores juvenis do mundo, foi capaz de segurá-la. Janaína é determinada e sabe o que quer. Gosto de atletas desafiadores assim. Temos uma afinidade boa. Participei do início dela quando consegui colocá-la na seleção principal e agora estou participando do reinício. Ela tem condições de chegar entre as melhores do mundo, sim", afirmou o treinador.
E Janaína sabe bem o lugar onde quer estar. Não considera distante nem mesmo a possibilidade de figurar em um dos degraus do pódio olímpico.
"Nem minha mãe nem eu imaginamos que eu pudesse ser algo diferente na vida além de atleta. Hoje tenho ainda mais certeza disso. É por isso que me imagino numa Olimpíada sendo campeã. Penso em 2016, sim, mas vou trabalhar para já disputar os Jogos de Londres-2012. Aqui no Flamengo é diferente o clima nos treinos. A gente treina sorrindo, com piadas, sem caras fechadas. Dá mais vontade, sabe? Em Curitiba tinha muito estresse, muito controle, muita pressão em cima. E eu sempre me espelhei nas ginastas daqui: Daniele Hypolito e Jade Barbosa".
Além de treinar com elas, Janaína tem aproveitado as horas vagas para passear pelo shopping e pela praia na companhia daquelas que sempre funcionaram como referência. Destoa das duas no visual. Carrega piercings no umbigo, na orelha e só tirou o do nariz por sugestão de Ricardo Pereira. É ele também que mantém olho vivo no apartamento que abriga Janaína, Khiuani Dias e Ana Cláudia Silva, atletas da seleção que chegaram recentemente à equipe da Gávea. Mais do que ginastas, estudantes e adolescentes, elas também precisarão dar conta dos afazeres domésticos.
"Minha mãe me ensinou o básico na cozinha. Mas já estamos nos revezando na hora de lavar roupa", sorri Janaína.
Ter três jovens morando sozinhas em uma cidade nova e num prédio repleto de atletas de outras modalidades do clube é uma preocupação que os treinadores não escondem. Viviane Cardoso ressalta a sorte de Ricardo morar no mesmo prédio - e ele se apressou em informar para as novas moradoras que ali era como um Big Brother Brasil - e de ter porteiros sempre atentos. Tanto quanto os treinadores, que, além de terem comprado o desafio de Janaína, também estão de olho em garimpar meninas que tenham potencial para disputar as Olimpíadas do Rio.
"Aceitamos a Janaína pelo potencial dela e por ser nova. É um desafio para todos. Ela tem se mostrado interessada e sabe que vai ter que mostrar trabalho. Nossa função agora, depois desses meses que esteve parada, é não deixar que se lesione. Pedimos que jogue com sinceridade, e ela sabe que vai ter que mostrar trabalho. Ela tem chance de disputar também os Jogos de 2016, mas a melhor idade é quem tem 9 anos hoje. Estamos dando uma pesquisada pelo Brasil para ver as melhores. As meninas com 12 e 13 também têm uma boa idade. A experiência com a passagem do Oleg Ostapenko (técnico ucraniano) foi ótima para ajudar a crescer a nossa ginástica. Agora deveremos ter treinadores chineses auxiliando na preparação. Espero que dessa vez o conhecimento seja mais difundido com cursos. Acho que tem tudo para dar certo o trabalho deles com o que temos aqui", disse Viviane.
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