"Enquanto a bola rola, o Brasil não tem escola"; "Brasil, vamos acordar, o professor vale mais do que o Neymar"; "Não vai ter Copa. O povo decidiu jogar"; "Hospitais padrão Fifa"; "Dilma, me chama de Copa e investe em mim"; "Quando seu filho ficar doente, leve ao estádio"...
As faixas de manifestantes em todo o país têm um endereço certo: os gastos públicos com o Mundial de 2014. A pouco menos de um ano do evento, os 12 estádios que receberão jogos já custaram R$ 7,65 bilhões. Desse montante, R$ 6,57 bilhões (85,91%) têm os cofres públicos como fonte.
Em pronunciamento à nação na sexta-feira, a presidente Dilma Rousseff fez questão de dizer que o dinheiro investido nas praças esportivas são frutos de empréstimo e vão retornar à União. O problema é que os devedores, em geral, são outros entes políticos.
Levantamento da Gazeta do Povo nos Tribunais de Conta das sedes mostra que essa conta ainda pode crescer até o início da competição, em 12 de junho do próximo ano.
Em cinco cidades (Belo Horizonte, Fortaleza, Natal, Recife e Salvador), por exemplo, as obras ocorreram por meio de Parcerias Público-Privadas (PPPs). Neste modelo, consórcios executam o projeto e ganham o direito de explorar o estádio após o Mundial. Mas não se trata de investimentos privados: após o término das obras, os governos estaduais é que devem pagar aos consórcios, em parcelas, o valor integral investido.
A única exceção é o novo Mineirão, em Belo Horizonte, que teve parte da reforma (36%) bancada exclusivamente pelo consórcio Minas Arena.
"O poder público coloca o dinheiro na frente e espera um retorno que pode vir depois de décadas, mas não há nenhuma garantia", explica o consultor de gestão esportiva Amir Somoggi. O correto, de acordo com o consultor, seria que a iniciativa privada buscasse parceiros no mercado, o que evitaria desembolso por parte dos governos estaduais.
Há arenas em que o investimento foi 100% público e sem participação de consórcios, como as de Brasília e Rio de Janeiro.
Na capital federal, o novo Estádio Mané Garrincha consumiu R$ 1,2 bilhão dos cofres do DF. Já o Maracanã, cujo custo ultrapassou R$ 1 bilhão em junho, foi bancado pela administração estadual, em parte (R$ 400 milhões) com empréstimo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Depois da Copa 2014, o controle do estádio passará à iniciativa privada.
Em Manaus (Arena Amazônia) e Cuiabá (Arena Pantanal), duas praças sem futebol consolidado, o governo estadual arca com as despesas por meio de financiamentos do BNDES e com recursos próprios.
Em alguns casos os políticos foram criativos no repasse de verbas. É o caso de São Paulo: uma parte (R$ 420 milhões) do orçamento do Itaquerão é coberta pelos Certificados de Incentivo ao Desenvolvimento (CIDs), incentivos fiscais da Prefeitura. Os CIDs são papeis negociáveis no mercado, e a sociedade Corinthians/Odebrecht terá de buscar compradores, no futuro, para saldar a dívida. Como não há garantia de retorno, o investimento é da prefeitura. O restante, via empréstimo do BNDES (R$ 400 milhões), deverá ser pago pelo Timão em dez parcelas, após o final da obra.
A reforma da Arena da Baixada segue processo parecido. Pela engenharia financeira, um terço de custeio privado e dois terços por conta do poder público, conforme o orçamento de R$ 184,6 milhões que vigorou até o final de março. Com o inchaço para R$ 219 milhões (sendo dez milhões de reserva), o acréscimo também deve ser coberto pelo Atlético.
No caso do Beira-Rio, o investimento será 100% privado. A construtora Andrade Gutierrez firmou parceria exclusiva com o Internacional, clube proprietário do estádio, sem participação direta do poder público apenas com isenções fiscais e tributárias.