Ídolo torce a distância
"Olha lá o vovô marcando gols", apontam os seis netos de Gilberto de Souza Costa, o Ziquita, quando ele coloca o vídeo da partida Atlético 4 a 4 Colorado. As imagens são como uma relíquia para o ex-jogador, que sente falta de vestir a camisa do Furacão, clube mais marcou a sua carreira começou a trajetória no Democrata-MG e passou por equipes como Coquimbo Unido (do Chile), Guarani-SP, Comercial-SP, Atlético-MG e Noroeste-SP. Amante da pescaria, ele conta ter uma vida tranqüila no interior de Minas Gerais ao lado da companheira dos últimos 39 anos, Maria das Graças parceira até nos treinos na Baixada na década de 70.
De longe, ele ainda acompanha a vida do Atlético e lamenta o atual momento vivido pelo clube. "É uma pena isso que está acontecendo. Mas se o time tiver vontade e coração na chuteira, sai dessa situação", conta. Ele cita o clássico da sua glória para motivar o ex-clube. "Tem de acreditar até o fim que tudo pode acontecer. O time conta com uma torcida maravilhosa, que merece todo o nosso respeito. Estou aqui torcendo muito por eles. Se Deus quiser, vão escapar do rebaixamento." (ALM)
Épico x Trágico. Sensacional x Terrível. Lenda x Trauma. Um único jogo, com conseqüências tão distintas. Um caso raro de vencedores e vencidos diante de um placar igual. O empate mais famoso do futebol paranaense completa hoje três décadas.
O jogo do Ziquita? Perguntaram alguns dos personagens procurados pela Gazeta do Povo para evocar o improvável desfecho daquela tarde de 5 de novembro de 1978.
Sim, o jogo do Ziquita. O clássico Atlético 4 x 4 Colorado, no qual o atacante saiu imortalizado. Um duelo tão atípico que 30 anos depois se mantém fresco na lembrança de quem presenciou o impensável.
Oficialmente, o privilégio coube a 8.276 pessoas presentes na antiga Baixada, no primeiro turno da Chave G, classificatória para a final do Paranaense. São tantos, porém, os que juram ter visto a proeza do artilheiro rubro-negro que a capacidade do estádio teria de comportar um público muito maior.
Doze minutos, apenas isso, promoveram um atacante de comum a notável. Nesse curto período, ele transformou um 4 a 0 do Boca-Negra em um 4 a 4 valorizado como um triunfo vermelho e preto. Ainda hoje, quando a coisa aperta da Arena há quem grite: "Chama o Ziquita." São Ziquita, como alguns batizaram na época.
Aos 55 anos, em Governador Valadares (MG), ele ri do apelido, orgulha-se do feito e agradece por permanecer na memória dos atleticanos e, ironicamente, também na dos colorados. "Enquanto a gente é lembrado sente que está vivo."
Não é fácil esquecer do que ele foi capaz. Da vergonha da derrota para o êxtase de um empate triunfal, reconstituído a partir daqui por quem viu, participou e protagonizou a façanha de 1978.
"Era o primeiro turno do último quadrangular e as duas equipes disputavam vaga na decisão. O técnico do Atlético, Diede Lameiro, armou a equipe para ganhar, só que o Colorado foi mais agressivo." Carneiro Neto, narrador da partida pela Rádio Clube.
"Saí cedo de casa para encontrar um amigo antes da partida. Era um jogo importante." Antônio Marques Sasse, torcedor do Atlético.
"Nosso time era muito bom e entramos em campo subestimando o Colorado". Dionísio Filho, ex-lateral-direito do Atlético.
"Começamos bem. Abrimos o placar no primeiro tempo, aos 35 minutos. No segundo, o time cresceu e os gols começaram a sair. Um atrás do outro (Levir Culpi, aos 3, Da Silva, aos 21 e Tyrso, aos 26)." Zequinha, ex-zagueiro do Colorado.
"A derrota estava configurada. Muitos torcedores começaram a deixar o estádio." Heriberto Machado, historiador e atleticano.
"A equipe ficou meio atordoada. Não fui muito feliz naquela partida. Acabei substituído (por Lula) e devia estar mesmo atrapalhando porque saí e começou a reação." Aladim, ex-atacante do Furacão.
"A torcida vaiava, jogava latas de bebida no gramado. Piorou ainda mais quando o zagueiro Ademir foi expulso." Antônio Marques Sasse.
"O pessoal estava desanimado. Mas eu ainda acreditava e comecei a falar: vamos lá, vamos lá, não importa a derrota, vamos tentar." Ziquita, ex-atacante do Atlético, que ao contrário do que muitos falam, começou jogando a partida.
"Aí baixou o Pelé nele (Ziquita)". Hélio Alves supervisor do Atlético.
"O negão (Ziquita) começou a falar: joga a bola pra mim, joga a bola pra mim. Quando ele marcou o primeiro, aos 31 minutos, foi pegar a bola no fundo da rede e disse que iria empatar." Dionísio.
"Nossa equipe estava tão bem que, quando o Ziquita marcou, o nosso pessoal reclamou entre si porque queriam ganhar de goleada, de tão fácil que estava. Não passou pela cabeça de ninguém que ele poderia fazer mais gols." Ary Marques, ex-lateral-direito do Colorado.
"Então começou algo incrível. O Atlético veio para cima e aconteceu aquelas coisas do futebol que não têm explicação. Faltavam menos de 15 minutos e a equipe desandou, não havia como prever aquilo. Começaram a levantar bola na nossa área, um trombava no outro e a bola sobrava para quem? Ziquita." Zequinha, ex-zagueiro do Colorado.
"Eu estava atrás da meta onde saíram todos os gols. Quando ele fez 4 a 2, aos 35 minutos, eu fiquei preocupado. Mas, quando o Ziquita marcou o terceiro, aos 36, tive a certeza de que o Atlético iria empatar. Era uma coisa incrível, uma pressão. A torcida começou a voltar para o estádio." Edson Militão, ex-radialista e torcedor do Colorado.
"Naquela época, abriam-se os portões na metade do segundo tempo e, com aquela reação, além dos torcedores que tinham ido embora, alguns que estavam na região começaram a ir correndo para o estádio." Hélio Alves.
"Aos 43, o endiabrado Ziquita marcou o quarto gol: 4 a 4. Era o empate. E aos 44, ele cabeceou uma bola no travessão de Alexandre e quase fez o quinto. Pois é, o Atlético saiu de uma derrota iminente para um empate consagrador. Que espetáculo! Um futebol de altíssima qualidade foi jogado nesses minutos. Um filme do jogo ainda está presente na minha memória. Imagens inesquecíveis." Heriberto Machado.
"Foi absurdamente extraordinário. Épico. Foi aquela farra no estádio, uma bagunça. Um jogo tão antológico que anos depois as pessoas vinham me contar que tinham se emocionado com o jogo, e nem eram atleticanos, moravam até em outros estados, porque a Rádio Clube era ouvida no Brasil inteiro." Carneiro Neto.
"Foi a atuação mais sensacional que eu vi de um jogador na minha carreira em 40 anos no futebol." Hélio Alves.
"Nunca vi alguém ganhar tanto dinheiro. A torcida estava tão feliz que invadiu o vestiário e começou a dar dinheiro para o Ziquita. Ele fez uma trouxa com a camisa do Atlético e encheu de dinheiro." Dionísio.
"De tudo aquilo, o que mais me marcou naquele dia foi um senhor humilde que chegou pra mim e disse: esse dinheiro é do leite do meu filho e vou te dar. Eu disse que não queria, que não poderia aceitar. Mas ele insistiu porque precisava retribuir tanta alegria que eu tinha dado à torcida." Ziquita.
"Quem olha o placar, simplesmente, não imagina o que representou. Aparentemente poderia ser um resultado bom fora de casa para o Colorado, e um ponto só para o Atlético. Só quem assistiu sentiu que entraria para a história." Edson Militão.
"A partir de hoje (daquele 5/11/78) não sou mais o treinador do Colorado. Não encontro justificativa para o empate, principalmente depois de estarmos com a partida ganha, com a goleada por 4 a 0. Acho que o time não fez aquilo que deveria fazer quando o placar nos favorecia, e para não levar mais a culpa e ser criticado, prefiro mesmo entregar o cargo ao presidente Hipólito Arzua." Avelino de Souza Abreu, o Mosquito, ao demitir-se ainda no vestiário da Baixada.
"Foi pior que uma derrota, foi uma tragédia. Ninguém esquece o pior jogo da vida. Até hoje tem gente que lembra e cobra." Zequinha.
"Na hora, não caiu a ficha direito. Só depois fomos sentir o estrago que aquela partida causou. Abalados, perdemos o segundo jogo, na Vila Capanema, fomos eliminados e um monte de jogadores foi mandado embora." Ary Marques.
"Foi o jogo da minha vida. Um jogo que mostrou a força do Atlético e o poder de uma torcida." Ziquita, o herói.
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