Durou menos de um minuto a caminhada de Cristiane Justino do vestiário da Arena da Baixada até o octógono do UFC 198, no sábado passado (14), em Curitiba.
O momento, porém, foi o mais marcante da estreia de Cris Cyborg no maior palco do MMA mundial, que acabou com nocaute técnico sobre a americana Leslie Smith em 1min21s. “Lutei tanto para estar ali e todo mundo vibrou junto porque acompanharam meu trabalho e viram como foi difícil”, conta a curitibana de 30 anos, em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo.
Por anos desdenhada pelo campeonato, ela fala sobre seu futuro, MMA feminino e a relação com o desafeto Dana White, presidente do UFC, que, entre outras críticas, a chamou de ‘Wanderlei Silva de vestido’. Confira o bate-papo
O UFC lhe ofereceu nova luta para 30 de julho. Acredita que o sucesso de sua estreia mudou a visão deles?
Não sei se vejo por esse lado, mas está muito em cima para bater 140 libras [63,5 kg] de novo. Nem me recuperei ainda. Você olha para minha cara e vê que estou cansada. Tem de ter data certa e programação. E a menina que me ofereceram [Germaine de Randemie] lutava no meu peso [65,8 kg]. Então por que não fazer valendo o cinturão?
Essa é sua bandeira a partir de agora?
O UFC tem oito categorias masculinas. As mulheres têm duas: 52,2 kg [peso-palha] e 61,2 kg [peso-galo]. Várias meninas eram de divisões abaixo da Ronda [Rousey, ex-campeã dos galos] e subiram para poder lutar no UFC. E acabaram não lutando da maneira que deveriam por causa disso. Minha luta agora vai ser para darem valor à minha categoria porque há várias atletas. É preciso mais respeito.
Você aceita superlutas?
Estou aberta a fazer lutas casadas, mas só as que os fãs realmente querem ver. Tipo com a Ronda, Miesha [Tate, atual campeã dos galos], Holly [Holm, ex-campeã dos galos]. Não vou bater por bater [63,5 kg]. Aceitei esse peso casado porque foi em Curitiba, na minha estreia no UFC. Isso me deu mais motivação.
Como foi o corte de peso?
Sou bem ativa e quando luto na minha categoria nunca durmo entre os treinos. Nunca consegui. Para essa luta, como tinha de perder muito peso, comia muito pouco e treinava muito, eu dormia. Treinava, chegava em casa e dormia. Vivia dormindo. Parecia que se não dormisse ficava aquela criança chata. Em 13 meses, fiz quatro lutas. Luto, fico duas semanas comendo o que eu quero e aí volto para a dieta.
Qual tem sido seu cardápio pós-luta?
Comi bastante coisa. Pão de queijo, pudim de leite, arroz, feijão, feijoada, carne, sushi e até hambúrguer. Botei o pé na jaca. Nessa semana eu posso.
A mulher é discriminada no MMA?
Acho que estamos buscando nosso espaço aos poucos. A Ronda abriu as portas porque era um rostinho bonito americano que iria vender. Ela é olímpica, tem uma história para vender.
E na Olimpíada de Pequim ela foi bronze no judô competindo no 70 kg...
Ela fez de tudo para fugir de mim. Mas meu trabalho é continuar onde estou. Se sair, vou estar abandonando minha categoria. Só eu estou deixando ela sobreviver. Eu grito, falo, brigo, entendeu? Tenho uma voz, as pessoas me conhecem, coisa que as outras atletas ainda não têm.
Como é sua relação com Dana White?
Totalmente trabalho. Eu entro no octógono, ele me paga, eu vou embora. Não é amizade, é trabalho. Não sai disso. Eles falam que foi tudo business, que não foi para ferir ninguém. Eles pensam mais no dinheiro do que na pessoa. A gente é objeto. Uma máquina de trabalhar.
Você quer ser uma estrela do MMA?
Meu sonho é fazer grandes lutas. Se os fãs pensarem assim, é consequência. Nunca pensei em ser uma estrela.
Qual a marca que você espera deixar?
Superação, independentemente da dificuldade, é preciso olhar o lado bom. Tentar evoluir como pessoa. Não é porque você vive uma fase dura que tem de ser assim. Gostar do próximo cada vez mais. Pagar o mal com o bem.
“Eu entro no octógono, ele [Dana White] me paga, eu vou embora. Não é amizade, é trabalho. Não sai disso. Eles pensam mais no dinheiro do que na pessoa. A gente é objeto. Uma máquina de trabalhar”
Tem planos de ser mãe?
Acredito que para daqui a uns três anos. Mas não acho que não possa voltar a lutar depois. Já tive várias turbulências na carreira, sem adversárias, e o doping. E voltei lutar. Talvez isso me dê mais motivação ainda.
Você ficou marcada pela doping?
A memória dos fãs é muito curta, esquecem muito rápido. Todo mundo já se esqueceu do que se falou de mim. O Anderson Silva era idolatrado até esses dias, agora nem falam do cara mais. O Werdum, a Ronda mesmo. Agora que perdeu o cinturão ninguém fala mais dela.
Você tem medo disso?
Não. Isso você tem de aprender. Tudo o que aconteceu na minha carreira, até o doping, faz você valorizar quem realmente merece. Isso tudo vai passar, essa entrevista vai passar, a fama vai passar. Tem de saber lidar com tudo isso.
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