“Não é por que não tenho uma história triste para contar que não mereço lutar”.
Loira, bonita, voz suave – ainda de adolescente –, bem de vida. A responsável pela frase acima tem atributos que contrastam com o estereótipo de uma atleta de artes marciais mistas.
A curitibana Nicolle Caliari, 20 anos, na verdade, sequer lembra uma lutadora. Seu sonho de infância era ser bailarina. Apesar da condição de vida privilegiada, escolheu a luta como profissão. E agora desafia o rótulo de “Patricinha do MMA”.
Seu pai, o empresário do ramo de seguros Edimarcos Caliari, é sócio da academia onde ela treina, a Thai Brasil. Mais um motivo para ela ouvir...
QUEM É?
Nome: Nicolle Caliari
Idade: 20 anos
Naturalidade: Curitiba (PR)
Altura: 1,62 m
Categoria: palha (até 52 kg)
Cartel: 1 vitória e 1 derrota
Ronda ou Cyborg?
Entre fotos de treino com direito a hematomas diversos, Nicolle Caliari aprendeu cedo a usar as redes sociais como arma em benefício próprio.
A jovem artista marcial tenta transformar seu Instagram em um gatilho para torná-la mais valiosa como produto. O famoso marketing pessoal.
A inspiração vem claramente de Ronda Rousey, ex-campeã do UFC e fenômeno de mídia nos Estados Unidos.
Para ser relevante no mundo do MMA, ela segue a estratégia de que é preciso ser destaque dentro e fora do ringue.
“Acho muito importante trabalhar nossa imagem. E faço isso sozinha, não tenho quem faça isso por mim”, conta a curitibana.
A exposição, contudo, também gera os julgamentos. E não são poucos. “Às vezes acham que estou me achando”, lamenta.
Se Ronda é o modelo de marketing, Nicolle vê uma conterrânea como inspiração na luta: Cris Cyborg.
“Até pelo estilo de luta dela, com o muay thai excelente. E o muay thai é meu forte, a luta em pé”, diz.
“É filhinha de papai, patricinha, mimada, que não sabe o que é não ter nada na vida... Mas isso não é culpa minha, né?”, argumenta a pupila do mestre Fernando Falkenbach.
A garota que ia chorando para as aulas de karatê aos nove anos ficou para trás há muito tempo. Aos 15, Nicolle conquistou o título mundial infantil na arte marcial japonesa. Logo depois, em busca de mais contato e competição, começou a treinar muay thai. Foi vice-campeã brasileira amadora dois anos depois. Como profissional, são dois triunfos em duas lutas.
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A ida para o MMA foi natural. Assim como a enxurrada de críticas. Ainda mais por conseguir uma oportunidade internacional logo em seu segundo combate, em julho de 2016.
No Japão, encarou a local Syuri Kondo, 27 anos, pelo tradicional torneio Pancrase. Mostrou agressividade e coração, mas perdeu por decisão unânime após três rounds. “Tem muitas meninas que lutam há muito mais tempo que eu e não conseguiram essa oportunidade”, reconhece.
“Mas por que não mereço? Eu mereço, também me dedico, também escolhi fazer isso. Acho que mereço tanto quanto quem tem uma história de superação”, repete Nicolle, chamada para lutar em Tóquio graças aos contatos do empresário Stefano Sartori.
Mesmo cursando faculdade de direito como plano B, é dentro do ringue que ela se realiza. O medo e o nervosismo antes da estreia, em dezembro de 2015, fizeram parte do processo para confirmar a vocação.
Foram 36 segundos entre ouvir um “vou acabar com você” e sair vitoriosa por nocaute técnico no Imortal FC 2, em Curitiba. A adversária, Morgana Silva, era sete anos mais velha. Oriunda do boxe, ela também nunca havia lutado MMA.
Aliviada e surpresa após ter o braço erguido tão rapidamente, Nicolle não teve mais dúvida. “Sinto que faz parte de mim, sem sombra de dúvida nasci pra ser lutadora”.
Na frente do espelho
O jeitinho meigo engana. Mesmo com pouca experiência, a reação da lutadora curitibana ao se ver em frente do espelho após o primeiro revés na carreira foi no mínimo curiosa.
“Eu falei: cara, que massa”, relembra Nicolle, que ganhou um olho roxo, quase fechado, e um enorme inchaço na boca como consequências dos golpes da japonesa Kondo.
Também foi a primeira vez que ela sentiu um soco mais potente, que a fez perder a visão por alguns instantes.“É desesperador porque você não enxerga nada e não sabe o que está acontecendo. Ela veio pra cima de mim e eu levava soco que eu nem via de onde estava vindo”, descreve.
“Na verdade eu saí toda machucada, ela era bem forte. Mas não me abalou em nada. Eu não tenho medo de levar soco”, garante Nicolle.
O cartel da atleta da Thai Brasil ainda é raso, é verdade. Mas a mistura entre carisma e talento da brasileira animou até o presidente do Rizin, maior evento japonês de MMA. Em declaração ao Blog Planeta Octógono, Nobuyuki Sakakibara disse que vê Caliari como uma possível estrela.
Só o tempo vai dizer. “Ela possui muita garra, fez uma luta com muita vontade de vencer. Acredito que pode se tornar uma estrela no Japão”, acredita o promotor.
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