Em 2000, quando se mudou de Amarante, no interior do Piauí, para São Sebastião, cidade satélite de Brasília, Francisco Trinaldo arranjou um emprego braçal na construção civil do Distrito Federal. Dono da maior sequência de vitórias entre lutadores brasileiros do UFC na atualidade (7), Massaranduba recebia 50% menos do que os companheiros de canteiro de obra. Não era discriminação. Virou motivação.
QUEM É
Nome: Francisco Trinaldo
Idade: 38 anos
Naturalidade: Amarante (PI)
Altura: 1,73 m
Categoria: leve (até 70 kg)
Cartel: 21 vitórias e 4 derrotas
“Eu não podia com um saco de cimento, que pesa 50 kg. Então ganhava metade. Todo santo dia minha meta era levantar um saco de cimento para ganhar completo”, relembra o lutador, quase duas décadas depois.
Hoje, aos 38 anos de idade, carregar peso deixou de ser problema para Trinaldo, que também foi pintor, vigia e segurança na capital federal. Na infância e adolescência, além de entregador de tomate e cebola na feira da cidade natal, também ajudava o pai na pequena roça da família.
O mesmo esforço para superar as dificuldades que sempre apareciam pelo caminho também o transformaram em um ponto fora da curva dentro dos ringues.
A vida de lutador de Massaranduba começou tarde para os padrões atuais. Muito tarde.
Filho de Francisco
Prestes a ser pai pela primeira vez, Massaranduba vai batizar o filho como Francisco, mesmo nome de seu pai e inspiração. “Quero ser para meu filho igual meu pai foi para mim”, compara.
Se o lutador do UFC estudou apenas até a quinta série do ensino fundamental, seu pai teve ainda menos oportunidades na vida. Porém, nunca deixou faltar nada em casa, ressalta.
“Ele é muito guerreiro, nunca vi se lamentando, entendeu? Lembro de uma vez, ainda criança, que chegamos em casa da roça e não tinha nada para comer. Ele saiu igual um louco e foi achar um caminhão para descarregar na cidade. Depois chegou com um bocado de coisa para jantarmos”, conta.
Seu primeiro contato com as artes marciais aconteceu aos 24 anos, em 2002. A convite de um amigo de peladas em Brasília, foi treinar kickboxing em uma academia candanga. Em um mês, já participava de lutas amadoras – e não perdia para ninguém.
O talento era evidente. Primeiro campeão brasiliense, depois campeão brasileiro de kickboxing, ele decidiu migrar para o esporte que iria explodir nos anos seguintes. Pensando no dinheiro, sim, mas não somente nisso.
Aos 27, quando estreou no MMA, recebeu um prêmio, digamos, bastante modesto por derrotar o curitibano Edval “Tico” Pedroso no Fight Club Tournament 2. A vitória no Ginásio Serejinho, em Taguatinga, foi por decisão unânime.
“Hoje em dia os meninos ganham 300 contos na luta de estreia, o que acho certo. Eu ganhei um whey [proteína] e uma maltodextrina [suplemento para ganho de massa muscular]”, conta Massaranduba, aos risos. “E não era nem o potão, era de saquinho. Não dava nem 60 contos os dois. A gente pagava para lutar”.
Triunfo após triunfo, o atleta seguiu desafiando a regra. À medida em que foi ficando conhecido na capital federal, os suplementos deixaram de fazer parte de seu pagamento. Foi aí que nasceu o apelido inspirado no personagem bombado do humorístico Casseta & Planeta.
“Dar porrada” era o que ele fazia desde criança, expulso de nove escolas na infância e adolescência por causa de brigas com os colegas. Chegava a apanhar três vezes ao dia da mãe quando se metia sem confusão.
“Nasci para bater em outro cara, entende?”, foi a frase que o marcou no reality show The Ultimate Fighter Brasil (TUF), em 2012, quando seu semblante sisudo, carisma inegável e espontaneidade ao falar lhe deu fama nacional.
Na época, Massaranduba já era campeão peso-leve do Jungle Fight, principal torneio brasileiro de MMA. Eliminado no TUF, o piauiense foi chamado para lutar no UFC 147, em Belo Horizonte, evento que reuniu boa parte dos participantes do programa.
Enfrentou o experiente Delson Heleno, o Pé de Chumbo, 14 kg acima de sua categoria de peso ideal. A vitória por nocaute técnico no primeiro round foi a confirmação de que ele precisava.
“Quando comecei a treinar jiu-jítsu em Brasília o Pé de Chumbo já estava nas revistas de luta. Cheguei, fiz uma boa luta e ganhei, graças a Deus. Então tudo é consequência do seu o esforço”, reconhece o lutador radicado em Curitiba desde 2012.
Na minha primeira luta não senti nada. Hoje já bate o nervosismo porque não quero sair de lá derrotado. Meu maior medo é da derrota. Não tenho medo de apanhar, de sair de lá todo ferrado. Meu medo é perder e decepcionar muita gente
Medo da derrota
Em 25 combates na carreira, Trinaldo só conheceu a derrota quatro vezes: duas por finalização, outras duas por decisão dos jurados.
A mais recente, em maio de 2014, diante do americano Michael Chiesa, marcou uma nova fase para o atleta da Evolução Thai. Desde então, o peso-leve encaixou sete triunfos seguidos no UFC e entrou no ranking da categoria – é atualmente 13.º colocado.
Evitar um novo revés o impulsiona a vencer. Até aqui, ele acumula 11 vitórias em 14 duelos no octógono.
“Na minha primeira luta não senti nada. Hoje já bate o nervosismo porque não quero sair de lá derrotado. Meu maior medo é da derrota. Não tenho medo de apanhar, de sair de lá todo ferrado. Meu medo é perder e decepcionar muita gente”, admite.
Assim que foi contratado pelo UFC, Massaranduba colocou como meta dar uma casa para cada um dos cinco irmãos. Está muito próximo de conseguir. Os R$ 180 mil recebidos pela melhor luta da noite no UFC 198, em maio, em Curitiba, por exemplo, foram direto para o objetivo. “Ainda não consegui, então quando entro no octógono o cara vai ter que me bater bastante para ganhar de mim. Não vou deixar estragar meu sonho, não”, enfatiza o quase quarentão mais temporão do MMA.
“Tem muita gente que está desistindo com 24 anos. Eu comecei essa idade e estou legal, bem pra caramba. Tenho certeza que vou chegar. Todo dia tem de acordar e pensar em ser o numero um. Se não pensar, nunca vai ser”.