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"Futebol ao Sol e à Sombra": um antídoto contra a amargura, por Julio Filho
Em que momento de nossas infâncias o futebol se torna paixão? Na brincadeira descalça com os amigos na rua, com golzinhos feitos de chinelos? Na primeira ida ao estádio, ao lado do pai, no primeiro grito de gol? Na descoberta do ídolo, nas lágrimas da primeira decepção?
Talvez seja no conjunto de todas essas memórias afetivas. Mas é difícil, principalmente com o passar do tempo, e a relação pode se desgastar. E podemos até nos revoltar.
Quem nunca perdeu identificação e se desencantou com o futebol moderno ao ponto de jurar esquecer tudo e encarar um novo universo onde nem o próprio time tem mais grande importância? Acontece.
Mas é certo que, em algum momento, as pazes são feitas. E, se for preciso acelerar o processo, Eduardo Galeano traz um bom antídoto contra a amargura.
Em "Futebol ao Sol e à Sombra", o escritor uruguaio confunde as linhas entre esporte e poesia e nos ajuda a resgatar um pouco da essência daquele jogo de correr atrás da bola que nos cativou já no início da vida.
O livro é atual por dialogar diretamente com os desencantos do futebol moderno — e nisso, o próprio Galeano se revela um desencantado — enquanto narra aquilo que define como a trajetória da ingenuidade infantil ao espetáculo do profissionalismo. “A história do futebol é uma triste viagem do prazer ao dever”, inicia.
“O futebol profissional condena o que é inútil, e é inútil o que não é rentável. Ninguém ganha nada com essa loucura que faz com que o homem seja menino por um momento, jogando como o menino que brinca com o balão de gás e como o gato que brinca com o novelo de lã”, prossegue.
Ao mesmo tempo, a narrativa nos conduz por um passeio pela história. Do primeiro Fla-Flu, em 1912, à Copa do Mundo da África do Sul, em 2010; dos primeiros ídolos, como Friedenreich, aos mais modernos, como Romário; o primeiro gol olímpico, a primeira chaleira, o gol mil de Pelé...
Parecendo muitas vezes encarar o jogo como uma peça de teatro, Galeano define também o papel de cada ator.
O jogador, “que quanto mais sucesso faz e mais dinheiro ganha, mais está preso”; o goleiro, “condenado a olhar a partida de longe”; o ídolo, que “nasce em berço de palha e barraco de lata e vem ao mundo abraçado a uma bola”; o fanático que, “em estado de epilepsia, olha a partida, mas não vê nada”; o gol, “o orgasmo do futebol”, etc.
Mais famoso pelo clássico Veias Abertas da América Latina, Galeano criou com seu Futebol ao Sol e à Sombra também um clássico da literatura esportiva. Por fim, ele acaba por definir a si próprio: um mendigo do bom futebol.
“Como todos os meninos uruguaios, eu também quis ser jogador de futebol. Jogava muito bem, era uma maravilha, mas só de noite, enquanto dormia: de dia era o pior perna de pau que já passou pelos campos de meu país”, admite.
“Os anos se passaram e, com o tempo acabei assumindo minha identidade: não passo de um mendigo do bom futebol. Ando pelo mundo de chapéu na mão, e nos estádios suplico: uma linda jogada, pelo amor de Deus! E quando acontece o bom futebol, agradeço o milagre”.
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