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"Bola na Rede": uma ode à palavra e ao futebol, por Cristian Toledo
Livros contam histórias, e bibliotecas contam vidas. Lembro que a biblioteca da casa dos meus pais ficava no nosso quarto -- meu e de meu irmão. Eram duas estantes cheias de livros, com destaque para a enciclopédia Delta Júnior, longe do encanto e da profundidade da Barsa, mas a que dava para o pai e a mãe comprarem naquele tempo. Num dos cantos, estava um livro já sem a lomba, com capa amassada. Era uma ode à palavra e ao futebol: Bola na Rede, de Armando Nogueira.
Foi um dos primeiros títulos sobre esporte que li, e que continua sendo um dos meus livros de cabeceira. Ali há pouco de tática, muito de arte. E por que uma compilação de crônicas lançada em 1973 ainda é tão importante?
Vamos fazer um breve flashback. Em 1973, Armando Nogueira era 'apenas' o diretor de jornalismo da Rede Globo, cargo que ocupou por 24 anos. Por conta da enorme carga de trabalho, ele teve que deixar o posto de colunista do Jornal do Brasil - na época, o diário mais influente e bem feito do País.
Foi lá, com seu "Na Grande Área", que Armando construiu seu perfil de cronista, aliando a uma paixão quase parnasiana pelo esporte uma excelência estilística. A palavra tinha que ser tão bem tratada quanto a bola. Dessa união entre forma e conteúdo surgiram os textos mais poéticos que o futebol brasileiro conheceu.
E o auge do trabalho de Armando Nogueira como jornalista esportivo está nas crônicas selecionadas pelo professor Ivan Cavalcanti Proença neste Bola na Rede. Ele conseguiu fazer poesia em prosa. Ajudava para isso a geração mais espetacular do futebol brasileiro - os personagens das crônicas eram Pelé, Garrincha, Tostão, Nílton Santos, Jarizinho, Didi... Sobravam craques.
Mas sobrava também alma nos textos compilados e publicados em Bola na Rede. E aí é melhor mostrar do que explicar:
"A bola rola para todos, mas só dá bola para alguns."
"A equipe treinava e ele ficou na arquibancada, assistindo em silêncio, à preparação dos antigos colegas. Tinha um ar de perdida saudade."
"Faltava-lhe, porém, fazer o gol feito, que é o gol da multidão, o gol de todos os testemunhos, o gol que ninguém no estádio, por descuido ou infortúnio, deixasse de ver, florescendo de seus pés, como já disse, tão amados."
"Driblar - e driblar com tanta graça e naturalidade -, eis um mistério de Garrincha que só Deus pode explicar."
"Deus é esférico."
Se fosse para sugerir uma única crônica de Bola na Rede, seria "O Cronista e Clarice", sobre o desafio que Clarice Lispector lhe fez para escrever sobre a vida. Neste texto, Armando Nogueira faz uma profissão de fé no futebol, no jornalismo e na vida. É a palavra elevada à categoria de arte.
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