Buenos Aires – Cantar sem parar durante o jogo inteiro, torcer como se a bola fosse a coisa mais importante de suas vidas. A paixão dos argentinos pelo futebol é famosa mundo afora, mas não é só no gramado do Monumental de Núñez ou da Bombonera que ela floresce. Os dois principais clubes do país, por exemplo, conseguem levar o sentimento do abstrato ao concreto em ações extracampo que fortalecem as instituições, algo deixado quase sempre em segundo plano no Brasil.

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O River Plate tem uma escola aberta ao público funcionando abaixo das arquibancadas do Monumental, algumas salas de aula com vista para o campo no qual a Argentina se sagrou campeã mundial em 1978. No Boca Juniors a escolinha é só para os garotos das categorias de base, mas o que chama atenção é a fama do museu construído sob a Bombonera, parada obrigatória para muitos turistas que passam por Buenos Aires.

Pelo Instituto River Plate, como é chamada a escola de jardim de infância a segundo grau com orientação esportiva mantida no clube, já passaram jogadores como Pablo Aimar, Andrés D’Alessandro, Javier Saviola e Fernando Cavenaghi, que brilharam com a camisa dos "milionários" e hoje estão no futebol europeu. Do atual elenco portenho, vieram direto das salas de aula Gonzalo Higuaín, Nicolás Domingo e Augusto Fernández, além de Diego Buonanotte, aos 17 anos, principal promessa das categorias de base.

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"São todos grandes jogadores. Queremos ser como eles e jogar no primeiro time um dia", sonha Elias Martín, de 12 anos, devidamente trajado com o uniforme carregado sempre a tiracolo para o treino depois da aula.

Ele batia papo com um grupo de amigos no corredor central do estádio apenas duas horas antes de o River enfrentar o Atlético pela Sul-Americana. Cena parecida se viu no ano passado antes do duelo entre Argentina e Brasil, pelas Eliminatórias da Copa do Mundo. As dependências são esvaziadas antes dos jogos, porém tamanha proximidade com o espetáculo alimenta o sonho dos garotos. "Sempre encontramos os jogadores. Às vezes nos dão algum conselho", conta Lucas Ojera, também de 12 anos.

Seu irmão mais velho foi colega de classe do atacante Fernando Cavenaghi, hoje no Spartak Moscou-, da Rússia. "Ele ia na minha casa e ainda hoje conversamos pela internet. Sou atacante também e pego algumas boas dicas", diz Lucas, que tem colegas espalhados pelos times de basquete, handebol e pólo aquático do River, que oferece complementação em 23 esportes.

Apesar de restrita a seus jovens craques, a escolinha do rival Boca também tem importância social. Foi lá que Diego Maradona estudou por alguns anos ao deixar um bairro pobre de Buenos Aires para fazer história.

Hoje é a grande estrela do Museu da Paixão Boquense, que atrai turistas do mundo todo e gera uma receita extra para o clube. Logo na entrada, não é raro dar de cara com o próprio Dieguito (falsificado, é claro) cobrando 20 pesos para "sacar uma fotita".

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Só a relação extrema com o futebol pode explicar um simplório chinelo usado pelo atacante Guillermo Barros Schelotto envolto numa redoma de vidro com o claro aviso de "não toque". É apenas um dos objetos pitorescos expostos ao lado de camisas e troféus.

Mas a grande atração é o espetáculo "La Pasion", que simula no espectador em 360º a sensação de ser um jovem jogador boquense entrando em campo pela primeira vez na Bombonera lotada, jogando com o uniforme azul e amarelo e até comemorando um gol em meio ao ensurdecedor delírio da arquibancada.

"Vamos fazer um ainda melhor aqui", se intrometeu um funcionário do River ao ouvir, com certa indignação, a conversa de dois brasileiros sobre a visita de horas antes ao reduto do tradicional adversário. Prova de que, no fim das contas, o que importa é superar o inimigo mortal. Mas aí não tem jeito, é no campo mesmo que se decide.O repórter esteve em Buenos Aires para acompanhar River x Atlético.