Patronal, lei não agrada a empresários
Uma das facetas mais atuantes no mercado da bola foi alvejada pela reformulação da Lei Pelé. Agentes e empresários têm seus trabalhos restringidos desde o mês passado. O primeiro veto diz respeito ao acerto com jogadores menores de 18 anos. A decisão vai de encontro ao que diz a Fifa, que autoriza aos seus credenciados representação de atletas a partir dos 16 anos.
"Soa contraditório, pois se a entidade máxima não vê problema na atuação de agentes junto a atletas entre 16 e 18 anos, por que no Brasil essa questão se tornou polêmica?", diz o advogado e agente Fifa Gianfranco Petruzziello.
O argumento dos representantes é de que os jovens ficarão desguarnecidos na hora de definirem os seus contratos com os clubes.
O ponto mais controverso, entretanto, vem com o inciso II do artigo 27-C e o artigo 28, que tornam nulos os contratos entre o atleta e seu representante que impliquem em receita exclusiva ao clube decorrente de transferências. É um ataque implícito aos direitos econômicos, de onde vem o retorno financeiro dos envolvidos na hora de uma negociação.
"Acredito que os empresários vão continuar trabalhando com contratos de gaveta. E é assim: se estiverem bem com os clubes na hora da negociação vão receber sua parte. Se não estiverem, os clubes vão mandá-los executar na Justiça. E não temos a menor ideia de como os tribunais vão interpretar isso. Se tiram o direito dos empresários com base na Lei Pelé ou mandam cumprir o contrato civil", analisa o advogado Diego Tavares.
Os próprios clubes estão incertos com as mudanças. "Fica a dúvida em relação aos direitos econômicos e essa parceria entre clubes e empresários. Toda a dinâmica do futebol vai ser alterada. É preciso ter calma porque dessa forma o investidor vai perder o interesse e eles hoje são uma realidade", defende Lucas Pedrozo, do Coritiba.
Principal parceiro atual do Coxa, o empresário Luiz Alberto, da L.A. Sports, critica a medida. "Não foi bem debatida entre todas as partes. Querem afastar o investidor acabando com os direitos econômicos. Muitos empresários trazem benefícios aos clubes. No meu caso, acho que vai acabar sendo bom porque vai afunilar o trabalho sério e os picaretas ficarão pelo caminho", afirma ele, empresário de atletas como Léo Gago, Eltinho, Davi, Leonardo e Emerson.
"Os investidores estão mais receosos. Não se sabe como ficará na prática. No meu caso, que agencio toda a vida do atleta, acho tranquilo. Mas é uma incógnita", fala Noar Malaquias, da Mais Sports, cujos clientes são Dagoberto, Keirrison, Pedro Ken e Henrique.
"Estão protegendo os clubes e os jogadores porque hoje são os terceiros que ganham dinheiro fácil", fecha Alessandro Kishino do Paraná.
A recente alteração no ordenamento esportivo brasileiro completa um mês de publicação hoje com mais críticas do que elogios e muitas dúvidas. Clubes, empresários e atletas foram atingidos pelas mudanças trazidas pela Lei 12.395/11 à Lei Pelé (9.615/98) e ainda avaliam o impacto nas relações de trabalho, nos negócios e na estrutura dominante no futebol.
O período ainda é de estudos e incertezas até mesmo para os "cartolas", responsáveis por encampar o lobby pró-mudanças e maiores beneficiados com a "nova ordem".
Mais proteção às equipes formadoras, a limitação ao trabalho dos agentes, outros valores para as cláusulas rescisórias e indenizatórias dos contratos e a rediscussão de questões trabalhistas são as principais novidades do texto. Imposições em vigor desde o dia 17 de março, sem o chamado vacation legis tempo entre a publicação e o momento em que a lei passa a valer. Primeira e mais simples das críticas ao novo documento legal.
"Mudou muita coisa da noite para o dia. A Lei Pelé, por exemplo, estipulou três anos após a sua vigência para acabar com o passe [de 1998 a 2001]", fala Gil Justen, responsável pelo departamento jurídico do Atlético. Tamanha urgência já criou problemas. A CBF não disponibilizou mais em seu site o arquivo com o modelo de contrato clubes-atletas.
O novo acordo entre as partes terá mudanças no cálculo para o fim unilateral do contrato. A cláusula indenizatória desportiva, paga pelo atleta ao clube em caso de transferência nacional, passa do máximo de 100 vezes o valor anual para duas mil vezes o salário em negociações nacionais.
Já a cláusula compensatória, paga pelo clube ao atleta, tem como limite máximo 400 vezes o valor do salário no ato da rescisão. O patamar mínimo é a quitação do valor total a que o jogador teria direito até o fim do contrato.
"Estão deixando de ver o lado dos atletas. Será muito difícil pagarem esse valor. Vão deixar eles trabalhando separadamente até o fim do contrato sem ter de gastar", diz o advogado Diego Tavares, que atua a favor de boleiros e agentes.
Outro ponto prejudicial aos atletas é a redução do direito de arena, pago pela transmissão televisiva dos jogos, de 20% para 5%. Um acordo feito há nove anos entre sindicatos e jogadores já estipulava o recebimento apenas deste montante. Mas quem se sentisse prejudicado poderia pleitear os 15% subtraídos.
"Hoje os jogadores recebem R$ 1,1 mil por partida no Brasileiro. Mas poderiam discutir o valor restante na Justiça e muitas vezes ganhavam. Agora a lei acabou com isso", apontou Tavares.
A alteração também trata do Direito de Imagem valor pago pelo uso da figura pública. A prática comum de muitos clubes de repassar mais pela imagem do que em salário era considera uma fraude ao pagamento de encargos trabalhista. Agora com a Lei 12.395/11 o valor está liberado. Há quem defenda, entretanto, que a medida será derrubada nos tribunais.
Moldada para reequilibrar as relações entre clubes e jogadores, as alterações trazem garantias e uma possibilidade de retorno financeiro maior às entidades formadoras. Antes previstas apenas em negociações para o exterior, agora 5% do valor de qualquer transferência de atletas entre 14 e 19 anos vai para o clube formador.
"Neste aspecto foi bom para os clubes bem geridos, como o Atlético. Há casos de instituições sem nenhuma condição, onde existe até a exploração do trabalho infantil. Hoje, para ter esse benefício de clube formador, é necessário um certificado da CBF. O problema é que não ficou definida ainda como essa certificação será feita", comentou Justen.
A Lei 12.395/11 também reacendeu algumas discussões já pacificadas nos tribunais trabalhistas. Considerado um contrato especial de trabalho, pela própria dinâmica de atuação dos atletas, o jogador teve incorporado alguns benefícios do trabalhador comum.
As alterações despertaram reclamações dos empregadores. "Ficou muito confuso. Não sabemos ainda como vai ser. A jornada, por exemplo, pode extrapolar as 44 horas semanais previstas. Pela lei, os jogadores vão poder receber hora extra", cita o responsável pelo departamento jurídico do Paraná, Alessandro Kishino.
"Essa era uma questão definida e foi trazida à luz sem uma definição. Há um impacto financeiro grande para os clubes", traz Lucas Pedrozo, advogado do Coritiba.
"É muito oportuno neste momento os sindicatos demostrarem que podem atuar na defesa dos atletas. Deveriam reunir clubes e jogadores para definir o que será pago ou não e sacramentar a questão", acrescenta Pedrozo.
A nova lei ainda está sendo analisada pelo Sindicato dos Atletas Profissionais do Paraná, explica o presidente da entidade, Nivaldo Carneiro. Só após a conclusão do estudo ele pretende se reunir com os clubes para avaliar as alterações.
O primeiro teste da nova legislação será o Campeonato Brasileiro e os novos vínculos firmados entre clubes e jogadores.
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