Walter Bahr era professor do ensino médio na Filadélfia quando formou o time de futebol dos EUA para a Copa Mundial de 1950, desenvolvendo um papel vital na revolução deste esporte. O time pagava 100 dólares por semana. "Era mais do que o dobro que ganhava lecionando", disse ele com um sorriso. Bahr lembra que pediu uma licença no fim de um ano letivo, mas ela foi recusada inicialmente. Depois de muita conversa, os diretores da escola acabaram cedendo à solicitação do professor. "Tive que abrir mão do meu salário das últimas semanas", relembra.Desta forma, Bahr se juntou a outros jogadores americanos semi-profissionais um motorista de funerária, um lavador de pratos, um carteiro e veio ao Brasil enfrentar a poderosa Inglaterra na Copa do Mundo de 1950.Os ingleses inventaram o futebol e eram os grandes favoritos daquela copa. As chances dos EUA eram ínfimas. "Um bando de jogadores sem esperança", conforme o diário Belfast Telegraph chamava os jogadores norte-americanos.
Entretanto, os Estados Unidos surpreendentemente derrotaram a Inglaterra por 1a 0. O resultado é tão inimaginável que pode ser comparado a ver americanos perdendo uma partida de beisebol para britânicos. A surpresa foi tamanha que alguns jornais ao redor do mundo acreditaram que o operador de telégrafo havia cometido um erro. Eles acharam que o resultado real havia sido 10 a 1 a favor da Inglaterra.
Esta partida de tantos anos, imortalizada no livro The Game of Their Lives (O Jogo da Vida Deles, em tradução livre), de Geoffrey Douglas, e no filme com mesmo nome, ganhou nova ressonância no início de dezembro, quando os EUA foram sorte ados para jogar contra a Inglaterra na abertura do grupo C da Copa do Mundo de 2010, na África do Sul. O duelo vai se repetir 60 anos depois.
"É engraçado ver como o jogo de 1950 foi resgatado do anonimato", disse Bahr. Quando ele retornou do Brasil, a única pessoa que estava no aeroporto para lhe saudar foi sua esposa, Davies. Ninguém se importava com futebol nos EUA fora a comunidade futebolística. Apenas um jornalista esportivo americano foi à Copa naquele ano, e ele teve de custear sua própria viagem.
De acordo com o livro de Douglas, o New York Times supostamente recebeu um telégrafo pouco antes do limite e, suspeitando de uma fraude, não anunciou imediatamente o placar. Uma conta da United Press em alguns diários americanos anunciou que outro jogador havia marcado o gol. Não houve repercussão futebolística e os EUA não conseguiram se classificar novamente para outra Copa por mais de 40 anos.
"Quanto mais envelheço, mais fico famoso", revelou Bahr, 82, um dos quatro membros da equipe de 1950 em uma entrevista concedida em sua fazenda, na região central do estado da Pensilvânia. "História antiga. Você quer honrá-la, mas não quer viver nela", conforme Bahr, meio-campista, classificou a partida contra a Inglaterra.
Mesmo apesar de hoje os EUA serem membros regulares em Copas do Mundo, Bahr e seus companheiros de time sobreviventes vêm recontando vivamente a história nos últimos vinte anos. Na versão deles, a arca do desenvolvimento do futebol nos EUA é muito evidente: um jogo imigrante se tornando, em uma revolução futebolística, matriarcal suburbana.
Bahr se iniciou no esporte quando tinha 10 anos. Ele jogava pelo Lighthouse Boys Club, no bairro Kensington, na cidade da Filadélfia. O time era formado por garotos descendentes de famílias inglesas, irlandesas, alemãs e escocesas. A maioria dos chefes dessas famílias trabalhava nas fábricas têxteis da cidade. Em 1943, aos 16 anos, Bahr se afiliou ao Philadelphia Nationals, da Liga Americana de Futebol, jogando aos finais de semana por um salário de 5 dólares por jogo.
Como jogador do Olympian nos Jogos de Londres, em 1948, Bahr conseguiu chegar ao time nacional dos EUA em 1949, marcando o gol que classificou os americanos para a Copa de 1950, com uma vitória por 5 a 2 contra Cuba. Todavia, não se esperava muito do desempenho da equipe no Brasil. Enquanto a Inglaterra era uma gigante do futebol, os EUA haviam vencido apenas uma partida internacional em 15 anos.
A aparição anterior do país em uma Copa do Mundo, em 1934, terminou com um massacre da Itália por 7 a 1, sendo assistido pelo próprio Mussolini, que estava na plateia. Antes da Copa de 50, os norte-americanos ainda perderam da Turquia, por 5 a 0, e de um time amador inglês (1 a 0) durante treinos oficiais. Bahr lembra que utilizava uniformes emprestados.
Um dos seus amigos, Ben McLaughlin, chegou à Copa do Mundo, apenas para desistir. "Ele não conseguiu dispensa do trabalho. A guerra havia acabado há pouco tempo e os empregos eram escassos", relembra Bahr.
No primeiro jogo da equipe americana naquela Copa, o time chegou a manter o 1 a 0 contra a Espanha por alguns minutos antes de perder por 3 a 1 (no Durival Britto e Silva, em Curitiba).
O milagre
A segunda partida, no dia 29 de junho contra a Inglaterra, foi realizada em Belo Horizonte. Os norte-americanos acreditavam ter uma pequena chance de vitória. Bem pequena. "Se nós pudéssemos dar a eles um bom jogo e forçá-los a suar bastante para nos vencer, o faríamos. Este era o pensamento da maioria dos jogadores da equipe", disse Harry Keough, 82, um carteiro e ex-ala direita dos EUA.
Frank Borghi, um motorista de carro funerário que cresceu em Saint Louis com Yogi Berra e Joe Garagiola e jogava na liga amadora de beisebol antes de migrar para o futebol, não acreditava no sucesso da equipe. "Esperava perder por 4 ou 5 gols", disse Borghi, 84.
Bahr relembra que era senso comum que a Inglaterra iria começar o jogo com uma rajada de chutes a gol, forçando um gol contra os EUA. "Estávamos lutando por nossas vidas", disse.
A Inglaterra, todavia, não marcou, e os americanos se sentiram mais confiantes. A plateia brasileira se compadeceu pela fraca equipe norte-americana e torceu por ela. Além disto, os britânicos cometeram um erro tático poupando sua grande estrela, Stanley Matthews, para o jogo com a Espanha. Aos 37 do primeiro tempo, Bahr recuperou uma bola no meio e iniciou o momento decisivo do jogo. Ele chutou a 23 metros do gol e o goleiro inglês, Bert Williams, se moveu para o poste direito, deixando a defesa aberta para que Joe Gaetjens redirecionasse a bola e marcasse de cabeça.
Filho de mãe haitiana e pai belga, Gaetjens havia saído do Haiti para Nova Iorque para estudar contabilidade na Universidade Colúmbia e trabalhava como lavador de pratos nas horas livres. Ele não era cidadão americano, mas pôde participar da Copa do Mundo por ter expressado seu desejo em se naturalizar. Ele nunca se naturalizou e desapareceu no Haiti em 1963, possivelmente assinado pelo regime do ditador François Duvalier.
Entretanto, naquele breve momento contra a Inglaterra, Gaetjens se tornou herói do futebol nos EUA. Ele era um jogador acrobático, e conseguiu, de alguma forma, aproveitar a bola chutada por Bahr e mergulhou de cabeça para marcar o gol.
"Alguns dizem que a bola atingiu o jogador acidentalmente na orelha ou na cabeça, mas eu sei que Joe fez um grande esforço para pegar aquela bola. Ele conseguia aproveitar bolas que ninguém imaginava possíveis. Qual a diferença? Foi bola na rede. Isto não quer dizer que nosso placar foi um acidente", comentou Bahr.
O jogador ainda complementa que os norte-americanos temiam a abertura "dos portões do inferno" após o intervalo. A Inglaterra perdeu a chance do empate aos 38 do segundo tempo. Stanley Mortensen correu em direção à meta norte-americana a toda velocidade, mas foi derrubado com um carrinho do zagueiro Charlie Colombo antes de chegar à grande área. "Você nunca viu carrinho tão bom em uma partida de futebol", disse Keough, rindo.
Colombo não era um jogador elegante; ele usava as mesmas luvas que boxeadores usam para bater em sacos de areia e jogava futebol com as mesmas intenções "pugilísticas".
Alf Ramsey, que acabou ganhando mais tarde o título com a Inglaterra na Copa de 66, cobrou a falta com um chute que raspou na barreira americana. A bola subiu e mergulhou direto para o gol de Borghi, que, no último momento, se esticou e conseguiu fazer a defesa. "Os ingleses disseram que a bola cruzou a linha do gol. Pode até ter sido, mas eu não vi isto", relembrou Keough.
No apito final, Gartjens foi carregado pela torcida brasileira, e os jogadores ingleses nobremente apertaram as mãos dos americanos. Inicialmente ignorado nos EUA, o esporte inflou como uma bola de futebol.
"Uma coisa que me incomoda é ver as pessoas do nosso próprio país chamarem nossa vitória de fraude. Não houve fraude. As coisas acontecem nos esportes. A bola não para de quicar, não importa em qual metade do campo ela esteja", finalizou Bahr.
Tradução: Thiago Ferreira
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