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Conflito preocupa "brasigeorgianos"

Pequim

Renatão e Jorge sempre almejaram disputar uma Olimpíada. Porém, a forte concorrência dentro do vôlei de praia brasileiro não abria brechas. A chance bateu na porta dos novatos em 2006, quando aceitaram a proposta do governo da Geórgia para se naturalizarem. Viraram Geor e Gia, numa alusão ao nome do país. A dupla já estava em Pequim, dentro da Vila Olímpica, quando viu o sonho quase se transformar em pesadelo.

O Comitê Olímpico da Geórgia informou na sexta-feira passada, data da abertura oficial dos Jogos Olímpicos, que por decisão do governo todos os 35 atletas regressariam. Quem morasse no país retornaria imediatamente. Os outros, caso dos brasileiros, seriam instalados em hotéis da capital chinesa até que as passagens aéreas pudessem ser remarcadas.

A quase deserção tem explicação política, em razão do conflito entre russos e georgianos na província separatista da Ossétia do Sul – a Geórgia tenta retomar o controle da região, cuja independência foi conquistada na década de 90, enquanto a Rússia defende a manutenção da liberdade do pequeno povoado.

A pequena república do Cáucaso, na fronteira entre a Europa e a Ásia, com medo de ser suspensa por oito anos pelo Comitê Olímpico Internacional (COI). alegou motivo de força maior para prosseguir na Olimpíada, assegurando a presença de Renatão e Jorge.

"Nunca passou pela minha cabeça não jogar. Eu tinha fé que tudo daria certo", revelou Renatão, o Geor. "Tenho tentado evitar um pouco este assunto. Quando o pessoal (restante da delegação) está reunido, fico olhando de longe. Não sei direito o que fazer, a não ser prestar a minha solidariedade, dar força. Preciso estar do lado da Geórgia, meu novo país, mas quero ouvir o lado da Rússia para saber ao certo o que está acontecendo", acrescentou ele, que visitou poucas vezes a capital Tbilisi – a dupla treina com Ricardo/Emanuel em João Pessoa, na Paraíba. (CEV)

Elnur Mammadli já havia recebido a medalha de ouro no judô, categoria leve, quando desceu do pódio e correu em direção à arquibancada para pegar uma bandeira do Azerbaijão. Quando estava quase alcançando o símbolo do seu país, levou um chega pra lá de três seguranças, que formaram uma barreira entre ele e o setor onde fica o público. O judoca voltou sorridente para o centro do tatame, enquanto os agentes respiravam aliviados por terem evitado o que, na cabeça deles, poderia ser mais um protesto político.

Uma vitória isolada em uma batalha com derrotas diárias para a Comitê Organizador dos Jogos (Bocog) e o Comitê Olímpico Internacional (COI). Apesar do esforço do governo chinês em despolitizar a Olimpíada, não há dia em que não surja um episódio aproximando o esporte de questões mundiais.

Nas rodas de conversa entre jornalistas, por exemplo, o conflito entre Rússia e Geórgia, que quase tirou os 35 atletas da delegação georgiana dos Jogos, virou tema recorrente. Ainda mais depois da emblemática cena em que a russa Natalia Paderina e a georgiana Nino Salukvadze, prata e bronze no tiro pistola de ar 10 metros, respectivamente, se abraçaram e trocaram beijos no pódio. As atletas aderiram à campanha pela paz na região com discursos inflamados, relegando a segundo plano a conquista das medalhas.

Apesar de todo o dinheiro investido, algo em torno de US$ 40 bilhões, para mostrar ao mundo a nova face do país, a verdade é que a própria China não se ajuda. A começar pelo patrulhamento exagerado sobre a internet – diversos sites que na visão do poder local poderiam denegrir a imagem da nação foram bloqueados. A liberdade prometida não passou de promessa de campanha.

A censura em determinados momentos é descarada. Responsável pela tradução da entrevista coletiva dos vencedores da prova de carabina de ar 10 m no tiro, um funcionário do Comitê Orga-nizador (Bocog) se recusou a transmitir a pergunta dirigida ao sul-coreano Jin Jong-oh, medalhista de prata, e ao norte-coreano Kim Jong-su, bronze. "Vocês se cumprimentaram ou conversaram no pódio?", questionou um repórter. O tema foi prontamente rechaçado pelo chinês. "Essa pergunta não poderá ser respondida porque não tem relação com o esporte", cravou, para a revolta dos jornalistas estrangeiros presentes no evento. Como pano de fundo, é claro, o reaquecimento da tensão entre as duas Coréias, separadas desde a década de 50.

Os exemplos comprovam que o ranço ditatorial é muito forte. Alguém que pense de forma contrária à linha de governo acaba punido severamente. Foi o que aconteceu com o patinador Joey Cheek na quinta-feira passada. O medalhista de ouro nos Jogos de Inverno de Turim-ITA, em 2006, não conseguiu o visto de entrada na China. Tudo porque é co-fundador do Team Darfur, equipe de atletas americanos de origem sudanesa, que combate fortemente o genocídio promovido no ano passado pelo governo do Sudão na região de Darfur, sul do país. O grupo diz acreditar que a China, por ser compradora de petróleo sudanês, financiou indiretamente a matança promovida pelo governo local.

No mesmo dia, apenas para cutucar o histórico rival, o Comitê Olímpico dos Estados Unidos anunciou que o meio-fundista Lopez Lomong, sudanês de nascimento e ativista ferrenho do Team Darfur, seria o responsável por entrar no Estádio Nacional com a bandeira americana, liderando a delegação. "Os Jogos Olímpicos deveriam unir os povos, ser algo pacífico", provocou ele, já em solo chinês.

A postura iraniana de não reconhecer o estado de Israel também refletiu nos Jogos. Por recomendação do governo do Irã, o nadador Mohamed Alirezaei não disputou a eliminatória dos 100 m peito, prova em que teria de dividir a piscina com o israelense Tom Beeri.

Alirezaei obedeceu, e bem provável que seja recompensado por isso. Há quatro anos, em Atenas, o judoca Arash Miresmaeili recusou-se a enfrentar um israelense na primeira rodada da categoria meio-leve. Na volta para casa, recebeu como recompensa um prêmio de US$ 125 mil do governo local.

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