Pequim, Estádio Nacional, 20h40 (9h40 no Brasil). As mais de 60 mil pessoas presente ao Ninho de Pássaro, que já haviam acompanhado finais de provas de corrida e do arremesso de dardo, ficam em silêncio por cerca de 30 segundos. Esquecem a final do salto com vara e olham fixamente para uma caixa de areia posicionada ao lado da pista.
Na ponta dela, a russa Tatyana Lebedeva, campeã olímpica em Atenas-2004, se posiciona para a última tentativa na final do salto em distância. A marca a ser batida é de Maurren Maggi: 7,04 metros. Ela percorre a pista, pisa pouco antes da tábua, decola e aterrisa. Não há dúvida de que é um salto na casa de 7 metros.
Mais alguns segundos de expectativa e duas reações opostas: Lebedeva chuta o ar, desapontada; Maurren corre e grita, eufórica. A russa pulou 7,03 metros. Por um centímetro, Maurren Higa Maggi, 32 anos, torna-se a primeira brasileira a conquistar o ouro individual em uma Olimpíada.
Em êxtase, ela inicia uma volta olímpica pela pista, quase parando a final dos 5.000 m feminino. Seus gritos de "É ouro, é ouro" são abafados pelo furor do público, que acompanha a sua corrida com a bandeira do Brasil às costas e uma bandeirinha da China, apanhada com um torcedor, na mão direita.
"Foi muita sorte. Mas eu estava preparada para fazer um salto melhor se ela conseguisse ultrapassar o meu", afirmou a atleta.
Maurren fez um salto perfeito. O primeiro. Queimou os três se-guintes. No último, fracassou (6,73m). Mas foi o suficiente para realizar o sonho da volta olímpica. "Queria ganhar essa medalha para mostrar para o mundo a nossa bandeira, nossa música, nossa batalha. A única coisa que pensava era em ouvir o hino brasileiro", disse.
Antes de a final começar, Maurren foi às arquibancadas, onde podia se comunicar com o treinador facilmente pela proximidade da pista, e entregou a Nélio Moura e sua esposa, Tânia, uma carta.
Nela, expôs, em poucas palavras, todas as dificuldades por que passara até aquele momento. Dizia não estar preocupada com a medalha "sei que será conseqüência do nosso trabalho e esforço" , mas estava pronta para fazer o melhor. E finalizou com a parte que embarga a voz do treinador na hora da leitura: "Obrigada por tudo, principalmente por não desistirem de mim".
O último trecho faz clara referência ao ano de 2003. Pouco antes de o Pan de Santo Domingo começar, Maurren foi pega no exame antidoping por passar uma pomada na coxa para curar um pêlo encravado. A pomada continha a substância clostebol, proibida pelo Código Mundial Antidoping. A saltadora foi punida por dois anos, e chegou a anunciar o fim da sua carreira.
Em 2006, o nascimento da filha, Sofia, fez Maurren mudar de idéia. Separada do piloto Antônio Pizzonia, o pai da menina, viu-se com a garota para criar, mas nada para fazer.
"A única coisa que fiz a minha vida inteira foi atletismo. Não estudei, não fiz mais nada por conta do esporte. Estava dando uma última chance à minha carreira e, graças a Deus, deu certo", lembrou. "Não pensava em chegar na medalha, mas foi tudo passo a passo, devagar. E agora estou aqui com o ouro no peito. É inacreditável."
O problema, hoje, é encarado como um dos principais motivos para o sucesso da atleta. E com o ouro a suspeita do doping está definitivamente acabada. "Serviu para provar que aquilo não passou de um acidente. Pois ninguém que usa doping consegue voltar em um nível desses", afirmou o técnico Nélio Moura.
Pelo ouro, receberá um prêmio de R$ 100 mil de um patrocinador e também deverá ganhar uma estátua em São Carlos (SP), sua cidade-natal. Só terá de convencer a filha, Sofia, do valor da medalha de ouro. Em conversa com a saltadora antes da prova, a menina pediu: "Traz a prata, mamãe."
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