Arquibancadas vazias, vaias nem sempre oportunas, mas também ambientes vibrantes e brincadeiras divertidas: o público dos Jogos Olímpicos do Rio-2016 foi patriótico, colorido, entusiasmado, desregrado, mas, infelizmente, por vezes ausente.
Vestindo a camisa da Seleção ou do seu clube de futebol favorito, o torcedor foi ver os Jogos como vai para o estádio, com grande paixão. Saudou as estrelas, como Michael Phelps e Usain Bolt, ainda mais do que os seus campeões brasileiros, mas também ignorou a etiqueta própria de alguns esportes.
Dois dias antes da cerimônia de abertura, 20% dos ingressos ainda estavam disponíveis para venda, 1,2 milhões de entradas, segundo os organizadores.
A taxa de ocupação dos Jogos foi, portanto, oficialmente, pelo menos, de 80%, mas poucos foram os locais de competição onde este nível parece ter sido alcançado, exceto, talvez, em alguns esportes de equipe.
Uma indiferença que não dizia respeito apenas às “pequenas” disciplinas esportivas ou aquelas estranhas à cultura do esporte brasileiro. O exemplo mais marcante: as arquibancadas vazias do Estádio Olímpico, uma arena de 60.000 assentos dedicados ao atletismo, o esporte rei dos Jogos. Quase nunca esteve cheio, exceto algumas noites em que Usain Bolt competiu.
Esteve tragicamente vazio nas manhãs, apesar de algumas grandes finais. O queniano Ezekiel Kemboi, bicampeão olímpico dos 3.000 m com obstáculos (2004, 2012), conquistou mais uma vitória em meio a uma indiferença quase geral.
Arquibancadas vazias, que fizeram chiar as emissoras dos Jogos. Para os canais e anunciantes, que investem fortunas nos Jogos Olímpicos, “esta é a pior coisa que pode acontecer na tela”, disse à AFP o grego Yiannis Exarchos, CEO da Olympic Brodcasting services.
‘Problemáticas’
A localização do estádio João Havelange, distante de outras atrações, incluindo do Parque Olímpico, e problemas de transporte podem ter dissuadido os torcedores.
O mesmo vale para o preço dos ingressos em um país mergulhado em uma crise econômica.
O presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), Thomas Bach, lamentou que os estádios “não estiveram cheios nos primeiros dias”, citando “desafios em termos de transporte”. Mas, em seguida, “mesmo para alguns esportes pouco populares, os estádios estiveram cheios”, afirmou.
O COI terá dificuldades em dar lições, quando um de seus dirigentes, o irlandês Patrick Hickey, está preso em Bangu por seu suposto papel na revenda ilegal de ingressos que teria gerado pelo menos 2,8 milhões de euros em receita.
O chefe do atletismo mundial, o britânico Sebastian Coe, reconheceu que “algumas sessões foram problemáticas”. “Talvez por causa dos preços dos ingressos”, disse. “Nem sempre (houve) paixão no estádio (olímpico), mas nos grandes momentos, sim”, ressaltou.
Organizador dos Jogos de Londres há quatro anos, Lord Coe pode dizer com segurança que os Jogos Olímpicos no Rio deixaram a desejar em termos de presença e atmosfera. Mas é verdade que a Grã-Bretanha é o berço de muitos esportes olímpicos, não o Brasil.
O caso Renaud Lavillenie ilustrou esse desconhecimento do público local em relação aos códigos de etiqueta.
O campeão olímpico do salto com vara avançava para uma segunda medalha de ouro quando o brasileiro Thiago Braz fez o melhor salto de sua vida (6,03 m). O público, até então tranquilo, passou a vaiar o francês e aplaudir seu fracasso, sinônimo de título para Thiago Braz.
‘Inaceitáveis’
“Público de merda”, reclamou Lavillenie às câmeras, em um comparação infeliz com o atleta americano Jesse Owens e o público dos Jogos de 1936 na Alemanha nazista. Em um piscar de olhos se tornou o inimigo do torcedor brasileiro e pagou por suas declarações com uma nova onda de vaias no pódio.
As vaias foram consideradas como “inaceitáveis” pelo presidente do COI.
O tenista Juan Manuel del Potro, sobre o qual o público brasileiro via uma falha grave - sua nacionalidade argentina -, sofreu sem vacilar, até o final. Alguns torcedores chegaram a brigar durante uma de suas partidas.
Em muitos locais de prova, não apenas no atletismo, os organizadores espalharam mensagens lembrando as regras de fair play. Porque “o brasileiro torce odiando”, disse à AFP Erich Beting, especialista brasileiro em esportes.
Dessa forma, “o adversário passa a ser inimigo em meio a um clima de enorme paixão”, afirma.
Principalmente apaixonado por futebol ou vôlei, o torcedor médio brasileira não está habituado a cultura dos esportes olímpicos. Isso foi visto e ouvido...
Mas alguns também têm criticado “o prisma um tanto etnocêntrico da mídia internacional”. “Não há nenhuma maneira universal de torcer”, ressalta Victor Melo, historiador do esporte na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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