A lateral direita da seleção brasileira terá um dono improvável nesta quinta-feira (4), às 16 horas, contra a África do Sul, em Brasília. Tão improvável quanto passar a noite em uma máquina de lavar roupa.
Para vestir a camisa 2 na estreia da campanha pela inédita medalha de ouro, o paranaense José Carlos Cracco, o Zeca, teve de superar o porte físico franzino, uma problema “incurável” no joelho – que ocasionou sua dispensa do Atlético –, e até violência doméstica entre o fim da infância e o início da adolescência.
FICHA TÉCNICA: Veja as prováveis escalações de Brasil e África do Sul
Aos 11 anos, o garoto de Paranavaí ainda engatinhava no sonho de ser jogador de futebol. Criado pelos avós maternos (os pais, separados, moravam no exterior), ele passou em uma peneira no Santos. Mas para defender o clube que revelou Pelé, teve de se mudar para o Litoral paulista, onde passou a viver com a família de um colega de categoria de base do Peixe.
Em um ano, o sonho virou pesadelo. Zeca, hoje com 22, foi maltratado e estava desnutrido, além de apanhar periodicamente. “Certa vez o cara chegou bêbado ou drogado, procurando por ele. Para não apanhar, se escondeu e dormiu dentro de uma lavadora de roupas”, relata o tio Luciano Cracco, 40 anos, com quem compartilha genética de baixa estatura.
Luciano, que jogou futebol na base de Flamengo, Atlético-MG e Paraná, estacionou com 1,58 m de altura e não decolou na carreira – o auge foi o time profissional do Batel de Guarapuava. Zeca o superou em 10 cm graças a um tratamento feito depois que os avós descobrirem a maneira com que era tratado fora de casa. “Ele queria tanto ser jogador que não falava sobre os abusos que sofria”, conta Luciano.
Decepções olímpicas
O país do futebol não tem boas lembranças do esporte em Jogos Olímpicos. Veja os resultados do time nacional em todas as edições:
Helsinqui-1952: eliminado nas quartas de final
Roma-1960: eliminado na 1.ª fase
Tóquio-1964: eliminado na 1.ª fase
Cidade do México-1968: eliminado na 1.ª fase
Munique-1972: eliminado na 1.ª fase
Montreal-1976: quarto lugar
Los Angeles-1984: medalha de prata
Seoul-1988: medalha de prata
Atlanta-1996: medalha de bronze
Sydney-2000: eliminado nas quartas de final
Pequim-2008: medalha de bronze
Londres-2012: medalha de prata
Não se classificou: Atenas-2004/ Barcelona-1992/ Moscou-1980/ Melbourne-1956/ Paris-1924
Não participou: Paris-1900/ St. Louis-1904/ Londres-1908/ Stocolmo-1912/ Antuérpia-1920
Nesse meio tempo, o paranaense teve uma rápida passagem pelo CT do Caju. Além da altura diminuta, ouviu dos médicos, segundo Luciano, que uma tendinite no joelho o acompanharia pelo resto da vida. Resultado? Acabou dispensado.
O problema foi corrigido com uma cirurgia feita por um médico de Maringá. A partir daí, Zeca ganhou gosto por academia, hábito que mantém até hoje, e começou a encorpar. Levado por um empresário, foi aprovado em um teste no América-SP. Depois, rumou ao Mirassol, onde chamou atenção de um grande clube paulista. Adivinhe qual? O Santos.
“Ele tinha crescido, ganhado explosão muscular. O pessoal da base do Santos viu um vídeo dele jogando pelo Mirassol e se interessou. Mas não sabiam que o Zeca era aquele Zeca”, lembra o tio do lateral, que na época jogava de volante e meia aberto pelos dois lados.
Em Santos, agora com os avós na retaguarda, o produto de Paranavaí despontou. Foi colocado na lateral por acaso e não saiu mais da posição. Fez parte do time que venceu a Copa São Paulo em 2014, mesmo ano em que ganhou a primeira chance na equipe principal, hoje titular absoluto na lateral esquerda.
Dois anos depois da estreia, o clube paulista recusou proposta de R$ 32 milhões do Atlético de Madrid. Nada mal para quem, até pouco tempo atrás, trabalhava nas férias no restaurante da família fazendo entregas de marmita por Paranavaí.
“O sucesso dele é uma realização para todo mundo. Somos de uma família simples, mas ele sempre correu atrás do que quis. E agora quer trazer essa medalha de ouro”, garante Luciano.