Kerlon pára na lateral do gramado do Couto Pereira (ou seria a Vila Capanema?). Levanta a bola com o pé, começa a fazer embaixadinhas com a cabeça e avança em direção ao gol. O "drible da foca", se ocorresse em uma partida do Cruzeiro contra Coritiba ou Paraná, não descambaria para violência. Isso, ao menos, é o que garantem os jogadores dos dois clubes paranaenses.
A Gazeta do Povo realizou uma enquete com dez jogadores do Alviverde e do Tricolor os atletas do Atlético foram proibidos de participar da pesquisa pela direção do clube, que não explicou o motivo da censura. Em sua maioria, as respostas apontam para uma reação tranqüila, comedida e bem pensada, típica de quem está vendo tudo de fora: os jogadores tentariam roubar a bola na boa do atacante da Raposa e, se não desse, fariam falta normal, sem nenhum rebuliço.
Apenas um aspecto fica em aberto na opinião dos "boleiros". Como saber se o jogador está provocando ou simplesmente utilizando a habilidade para tentar chegar ao gol? De acordo com as opiniões, só há como se certificar disso se você estiver dentro das quatro linhas.
A diferença, contudo, é tênue e muito mal explicada. Muitas vezes, tem interpretações diversas. Mas, tomada a decisão, na prática, na maioria das vezes acaba entrando em ação o velado "Código de Ética" do jogador de futebol. Aquele que diz, basicamente: quem provoca ou falta com o respeito, apanha.
"O código de ética existe sim. Mas para provocação. E acho que aquele lance não foi isso. Na minha época acontecia (lances violentos) quando o pessoal ficava te xingando em campo, os jogadores dos times grandes tentando humilhar os adversários, se vangloriando do salário que ganhavam", contou Dionísio Filho, colunista da Gazeta. Ele nem leva em conta o fato de Kerlon estar indo, ou não, em direção ao gol. "E o que era o Garrincha então? Tinham objetividade aqueles dribles em que ele ia e voltava?", perguntou.
Um coisa é certa. Assim como o futebol ficou mais viril, o código de ética dos jogadores também mudou. Hoje, são poucos os atletas que encaram tomar uma bola pelo meio das pernas, ou um chapéu, com espírito esportivo.
"Falar de fora é uma coisa, mas não é fácil você estar ali no jogo e alguém fazer isso na sua frente. No caso do Kerlon, pior ainda, pois era um clássico e todo mundo estava com o sangue quente. Para o futebol, para o espetáculo, é legal, um lace bonito de jogo. Mas para quem está do outro lado é complicado", afirmou o zagueiro Antônio Carlos, do Atlético, antes do veto imposto pela cúpula do clube.
A questão mais polêmica da enquete, no entanto, foi em relação a punição que deverá ser aplicada ao jogador do Atlético-MG. Metade dos atletas acha que tem de ser exemplar. O restante se divide pelo abrandamento, já que o jogador não teria premeditado o lance. Um atleta preferiu não responder.
"Ali cada um tem uma reação. Quem somos nós para julgar o que o Coelho fez. Não cabe a gente dizer o que tem de ser feito", afirmou Anderson Lima, do Coxa.
A discussão continua. Kerlon promete continuar driblando com a cabeça. Os jogadores se dividem entre ameaças e o discurso de que tudo continuará em plena normalidade. Mas embora haja, de toda parte, o temor de que faltas desse tipo possam inibir o futebol arte, a resposta só poderá ser dada pelo tempo.
"Eu fazia no momento que acha que devia fazer. Levava bastante porrada, mas continuava fazendo. O torcedor gosta de jogada de efeito, de gol de placa. E isso nunca vai acabar", disse Ademir Alcântara, ex-jogador do Coritiba.
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