Ex-lateral Arce comentou a situação da pandemia no Paraguai e no Brasil| Foto: Facebook/Cerro Porteño
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Um paraguaio que vê novelas brasileiras, fala português fluentemente, gosta de feijoada e farofa e tem a sala de casa decorada com lembranças dos tempos de jogador de Grêmio e de Palmeiras.

Aos 49 anos, o ex-lateral e atual treinador do Cerro Porteño, Francisco Arce, mora em Assunção e ainda cultiva um lado brasileiro muito forte, como contou em entrevista exclusiva ao Estadão.

Preocupado com a pandemia do novo coronavírus, ele pelo menos já sente o conforto de ter voltado a treinar seu time há duas semanas.

De acordo com o treinador, o Paraguai foi o país sul-americano que menos sofreu com a pandemia por ter uma população acostumada à obediência.

O assunto de saúde pública, inclusive, fez o povo se esquecer do assunto mais comentado por lá pouco antes da quarentena: a prisão domiciliar de Ronaldinho Gaúcho em um hotel de Assunção após apresentar documentos falsos é um tema que ficou no passado. "Antes estava o tempo todo na mídia. Agora deixaram o Ronaldinho em paz", disse. Confira os principais trechos da entrevista abaixo:

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Como tem sido a rotina do futebol no Paraguai?

Os jogadores treinam, não tomam banho no clube e vão para casa direto. O clube preparou um kit de higiene para cada um. Depois vamos fazer alguns amistosos para testar o protocolo médico, com a presença de árbitros e do VAR. Os jogos não vão ter público. Nem vai ter concentração. Os jogadores vão chegar ao estádio um pouco antes da partida e ter uma rotina intensa de testes. Vamos ter esse estilo europeu de trabalho.

Por que o Paraguai está tão bem no combate à pandemia?

Todo o mérito é do Ministério da Saúde. Tem pessoas muito capazes lá. Eles se adiantaram para tomar cuidados e fazer a quarentena rápido, quando tinha ainda só um caso no país. Geograficamente somos um país pequeno, de pouca população, logo não é difícil de fechar algumas regiões. Nos últimos dias surgiram casos em cidades do interior e decidiram não fechar o país inteiro, como era no princípio, mas sim fazer o isolamento por subdivisões.

E no retorno aos treinos, o que os jogadores apresentaram?

Fizemos alguns trabalhos e monitoramos os treinos com a ajuda dos fisiologistas. A maioria voltou bem, mas tem alguns gordinhos no grupo ainda (risos). O nosso cuidado é controlar a empolgação para não forçar, porque não temos esse conhecimento de voltar a treinar depois de tanto tempo de paralisação. É inédito no futebol.

A volta ao futebol no Paraguai teve consenso entre os clubes?

Quando ainda não tinha a comunicação direta com os clubes sobre o protocolo médico, houve incerteza sobre como seria o retorno. Depois houve uma abertura maior por parte da federação com as equipes e a relação foi boa. A partir dessa comunicação geral, tudo fluiu rápido e em 20 dias foi aprovado e voltamos a treinar

Então em termos de combate à pandemia, o Paraguai serve como modelo para a América do Sul?

O Paraguai é um exemplo. Nós, paraguaios, temos um jeito de ser um pouco diferente do que dos brasileiros no sentido de reclamar menos, de não ter muito essa cultura de fazer passeata e de protestar. É um povo que ficou muito tempo sob os braços de um ditador. Geralmente nós aceitamos as regras e demoramos para reagir. Isso por um lado chega a ser uma dificuldade em alguns momentos, mas em uma situação de pandemia ajudou muito. Agora, como acontece em todo lugar, no Paraguai a corrupção foi um fator muito perigoso e triste nesse período. Nós aceitamos todas as diretrizes do governo para se preparar com hospitais e insumos, mas no fim foram descobertos alguns desvios de produtos comprados. Não fosse por isso, estaríamos até em uma situação melhor.

Como jogador ou treinador, você passou por rivais como Libertad, Cerro Porteño e Olímpia. Como a torcida vê isso?

Aqui tem muita rivalidade, em especial entre Cerro e Olímpia. Quando passei pelo Olímpia, foi difícil para o pessoal do Cerro engolir. Voltei para o clube agora depois de cinco anos e meio. De vez em quando tem alguém que se lembra disso, né? Mas tenho muito respeito pelos torcedores de todos os clubes, porque eles sabem que fui formado no Cerro, conhecem minha carreira. No Olímpia tive um trabalho curto e ainda ganhamos o título. O Cerro agora precisa usar vários jogadores da base e eu tenho o costume de fazer isso nos meus trabalhos. A situação econômica do clube nos obriga a procurar esse tipo de projeção.

Como os paraguaios acompanham o caso Ronaldinho?

Agora que chegou a pandemia e ele está em um hotel, todos largaram do pé dele um pouco. No começo o pessoal queria fazer foto dele, seguir o tempo todo... Antes estava o tempo todo na mídia. Agora deixaram o Ronaldinho em paz. Está mais tranquilo. Imagino que não deve ser fácil. O caso dele virou normal aqui no Paraguai. Apareceram outros fatos como pandemia, corrupção, problemas com equipamentos de saúde. Teve outras notícias por aqui e largaram um pouco ele. Isso foi até bom para ele. Por um lado o Ronaldinho deve estar mais tranquilo no hotel.

Você costuma acompanhar o futebol brasileiro?

Eu acompanho, sim. Uma vez fui até de carro para o Brasil visitar alguns amigos. Estive com o Goiano (ex-Grêmio), o Derlis González, que na época estava no Santos, encontrei o (ex-zagueiro) Roque Júnior e o Felipão. Nos 20 anos da Libertadores do Palmeiras eu fui convidado para uma festa e aproveitei para conhecer a arena nova. Gostei muito. É totalmente diferente! Outra realidade, outro mundo. Isso trouxe lembranças. Visitei o CT também. Sempre vejo novelas e telejornais brasileiros.

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Por que o futebol sul-americano está há tanto tempo sem brilhar em Copas?

É ruim falar, até porque quando se aborda isso, parece que sempre no passado as coisas eram melhores. Mas havia uma conjunção de grandes jogadores que aliavam um caráter e personalidades muito fortes. Acho que há umas duas décadas atrás o tipo de educação era diferente. Sou novo, mas já sou avô e tem sido diferente observar minha filha educando os meus netos. Acho que a ideia de se atingir os objetivos muito rapidamente tem fragilizado os jovens. As gerações eram mais forjadas com espírito, garra e superação de dificuldade para se chegar aos objetivos. Agora a inteligência emocional é pouco valorizada. Se alguém não consegue, se abate e demora para reagir. Isso afeta muito os esportes de alto rendimento, porque a confiança é fundamental para se levantar.

O futebol mudou muito também?

Houve um tempo em que nós aceitávamos uma espécie de imposição de comando por parte dos nossos líderes. Hoje os garotos têm acesso à informação pelo celular, que é difícil tirar deles até pouco antes de entrar no campo. É rede social o tempo todo. Agora a gente se expõe demais na vida privada. Os jovens hoje buscam ter muita aceitação social e isso antigamente não era necessário. Isso é um pacote negativo para o jogador não se concentrar. Em vez de deixar toda a energia na profissão, tem essas distrações. No futebol, se você não sofrer, se não deixar situações de vida comuns para qualquer jovem, você perderá tempo